título: caneca
data de publicação: 02/07/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #caneca
personagens: ana paula e seu mário
TRANSCRIÇÃO
Déia Freitas: Oi gente, cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão, e hoje, [risos] e hoje a história de Ana Paula e de um chefe que ela teve aí encarregado, o Mário.
[trilha]A Ana Paula ela começou a trabalhar numa empresa grande, — Da rede Pônei, obviamente — então era uma fábrica de esponjas e ela trabalhava ali no setor de expedição e tal, tinha vários departamentos, né? Ela trabalhava na expedição e ela tinha um chefe lá que era esse Seu Mário aí. — E como que era o seu Mário? — seu Mário era um homem muito sério, ele não era, mais assim pra idoso, não, era um chefe mais assim pro jovem, mas ele era um cara muito sério, era um cara casado e tinha três filhos, então ali na salinha dele do departamento tinha as fotinhos dos filhos e ele era super família, nã nã nã, um chefe daqueles chefes assim mais acolhedores, então se você tinha um problema ali na firma, ele era aquele cara que te ajuda nã nã nã e todo mundo gostava do Seu Mário. Era um setor misto, né? Tinha mulheres e homens trabalhando ali no setor de expedição de esponjas e às vezes acontecia assim de ter uma moça chorando ou outra. — Que, né? Coisas da vida, às vezes acontece alguma coisa que você não consegue segurar ali só na sua casa e acaba levando isso para o trabalho e chora. —
E aí o Seu Mário sempre dava uns minutos pra você ficar lá no vestiário, pra você lavar o rosto, pra você ficar melhor, nã nã nã, era uma pessoa assim mais humana, sabe? Seu Mário. [riso] E aí o tempo foi passando, Ana Paula sempre notou, né? Esse jeito humano do Seu Mário, esse jeito sério do Seu Mário, e o Seu Mário sempre muito acolhedor e, um dia, quando Ana Paula estava indo embora, Ana Paula não pegava o ônibus perto, ela tinha que andar um tanto pra poder pegar o ônibus, e aí um dia ela estava andando lá e ela escutou uma buzinadinha, e era Seu Mário. — E assim, gente, eu sou uma pessoa que às vezes eu sou considerada uma pessoa esquisita, dificilmente eu pego carona com alguém, até gente conhecida assim, que eu conheço há muitos anos e se for homem, então, eu não pego mesmo, não pego carona. Eu tenho uma rua cheia de vizinhos que me conhecem desde a infância e às vezes você tá num lugar, a pessoa tá também e fala: “Ah, você quer carona? Vamos”, eu sempre falo: “Não”, e sem rodeios, “Não, não vou, não pego carona, obrigada”, não pego. Às vezes que eu tenho que pegar carona pra bicho e tal é diferente, sei lá, é uma outra vibe, quando eu peço uma carona na internet pra um bicho é uma coisa, mas assim, sabe? Carona casual, tipo essa da Ana Paula agora com o Seu Mário? Eu jamais pegaria, jamais. —
Mas Ana Paula não viu nada demais e pegou a carona com Seu Mário, eles foram conversando, dando risada, ele levou ela só até o ponto ali, né? Onde ela tinha que pegar o outro ônibus porque Ana Paula morava muito longe e a conversa foi muito boa, e o Seu Mário foi muito respeitoso, muito na dele e Ana Paula ela ficou caidinha por Seu Mário, mesmo Seu Mário casado. — Ê, Ana Paula. — E aí ela ficou caída — Sabe assim quando você fica interessada? — e ela ficou meio interessada porque Seu Mário tinha um papo muito bom, — Uma pessoa muito humana — e entre esse papo aí do Seu Mário, ele tinha um papo que era assim: “Que era Deus no céu e a esposa dele na terra”, e ele falou isso pra Ana Paula, falou: “Olha, eu faço tudo pela minha família, eu amo muito a minha esposa, eu espero que um dia você tenha um casamento como o meu”, então isso balançou a Ana Paula, sabe assim, aquele homem perfeito, que era um bom chefe, que era um bom pai, que era um bom esposo e ela ficou balançadinha. — E assim, né? Eu não entendo isso, porque se você vê um cara que tá feliz no relacionamento, tá feliz em tudo, você vai querer ficar com o cara pra estragar isso aí Ana Paula? Sabe? Então na minha cabeça eu já não teria esse pensamento, não me interessaria por Seu Mário como não tenho o menor interesse por ninguém comprometido assim, é uma coisa que me corta o clima, mas tudo bem.
E aí o tempo foi passando e ali surgiram mais umas duas, três caronas, o Seu Mário sempre muito respeitador, muito na dele e falando sempre da esposa, falando bem de tudo e quanto mais ele ia falando, mais Ana Paula ia se interessando, e sabendo que não ia ter chance com Seu Mário porque ele, né? — Um cara muito correto, muito fiel — até que um dia ele passou pela Ana Paula e não deu carona. — Ele não deu carona. — E aí ela deu uma surtada porque ela já ia devagarinho esperando a carona de Seu Mário e ele não deu, ele passou, ela viu e ele não deu. E no outro dia ela estava muito chateada e ela foi perguntar pra ele lá na firma: “Poxa, você passou por mim e não me deu carona”, mas assim, ela sendo empregada, ele chefe. Ela falou de uma maneira bem suave assim, e aí ele fez uma cara muito séria e falou: “É, eu acho que é melhor não mais”, e aí ela pensou: “Pô, ele sacou que eu tô dando mole, né? Sei lá, que eu tô interessada” — Apesar dela nunca ter feito nada, mas, né? A gente meio que percebe. —
Aí nesse dia ele deu carona pra ela — E aí eu vou dizer pra vocês que aí começa o verdadeiro xaveco — e aí esse cara falou assim pra Ana Paula: “Olha, Ana Paula, eu não vou mais te dar carona, porque como você sabe, eu sou um homem muito fiel que ama minha mulher e… Só que eu tô balançado por você, eu tô balançado por você, eu não quero fazer nada, né? Não quero te ofender, eu não quero que você pense nada de mim, então eu prefiro me afastar porque eu tô gostando de você, nã nã nã” — E, gente, tudo errado, né? Tudo errado. — Só que Ana Paula ali que já estava caída por Seu Mário — E quando eu falo Seu Mário, vai, a Ana Paula estava com vinte e cinco e Seu Mário tinha quarenta, então não era uma diferençona assim, né? É que todo mundo chamava de Seu Mário porque ele era chefe e Seu Mário, enfim…
E aí ela ficou olhando para o Seu Mário assim, meio em choque, ele deixou ela no ponto, Seu Mário tinha até lágrimas nos olhos. — Lágrimas nos olhos… — E aí passou. Ana Paula mal conseguiu dormir, gente… — Mal conseguiu dormir — E aí no dia seguinte quando Seu Mário passou, ele não ia parar, ela fez sinal pra ele, ele parou e Ana Paula como se fosse num filme deu um beijo em Seu Mário. Deu um beijo em Seu Mário, Seu Mário animou e, a partir dali, — Infelizmente — Ana Paula começou a ter um caso com Seu Mário. E aí eles tinham um esquema, né? Pra ninguém desconfiar ali na Pônei Esponjas, eles começaram a sair e, às vezes ele dava saída pra ela assim, tipo, ela saía às cinco, dava saída pra ela três horas, aí passava um pouco ele encontrava lá na esquina e eles íam pra um motel. — Então gente, sei lá, né? Tudo errado, tudo errado, mas depois no final eu vou falar pra vocês a minha teoria. —
E aí, gente, isso durou um mês… — Cravado. — E aí Seu Mário chamou Ana Paula pra conversar e falou: “Olha, a minha mulher tá começando a desconfiar, eu amo você, mas eu não quero que a gente perca a cabeça, eu não quero que a gente perca o emprego, então a gente tem que parar aqui”, e Seu Mário com lágrimas nos olhos, — Porque Seu Mário é uma pessoa muito humana — e aí ele fez todo um discurso lá, né? De que eles não podiam mais ficar juntos, Ana Paula chorou muito e, no final do discurso o Seu Mário tirou ali da pasta dele uma caneca, uma caneca dessas de cerâmica, embrulhada num papel celofane e na caneca tinha o… — Sabe essas canecas que você manda gravar? — tinha o signo da Ana Paula, então lá: “Leão, Ana Paula”, e do outro lado estava “Com amor, M.” — Ele não ia ser otário de escrever “Mário” [risos] — Então de um lado assim da caneca tinha o simbolozinho do leãozinho lá do horóscopo escrito Ana Paula. — Engraçado, né? Seu Mário curtir horóscopo — e do outro lado “Com amor, M.”.
E Ana Paula chorou, mas ela entendeu porque, né? É o cara casado, esse mês foi um mês que eles aproveitaram bastante e tudo bem que ela estava apaixonada e aí ela pegou a canequinha dela ali que ela ganhou do Seu Mário [risos] e tomou rumo, né? Porque ele foi bem assim, sincero nos sentimentos dele, dizendo que aquilo não ia continuar. Aí no dia seguinte ela estava chorosa, óbvio, e aí o Seu Mário… — Como uma pessoa muito humana — ele dava aquele tempo pra você ficar no vestiário ali, né? Se ajeitar e vida que segue. Seu Mário nunca mais falou com ela assim no sentido de alguma coisa a mais, nem na rua que ela ia pegar o ônibus ele passava mais, [risos] então nunca mais ele deu brecha, a real é essa. — Porque pela Ana Paula ela até voltaria com o Seu Mário, durou um mês — E aí ela continuou ali na firma, né? Apaixonada, mas respeitando, né? O Seu Mário e a família do Seu Mário e nã nã nã, tudo durou um mês e aquele mês ela ficou guardando ali na cabeça dela.
Até que chegou um dia que uma das colegas que ela fez ali na sessão dela, ia dar uma festa, um churrasco em casa, um churrasco qualquer X. E Ana Paula estava muito assim ainda pensando em Seu Mário, isso já tinha quase seis meses, gente, mas ela ainda gostava do Seu Mário, sabe? — Porque Seu Mário, é uma pessoa muito humana… — E aí a Ana Paula foi na casa dessa moça no churrasco, e estava indo tudo bem, ela estava lá, estava conversando com todo mundo, só que Ana Paula não bebe, então tinha caipirinha, — Delícia, amo — tinha cerveja, tinha umas batidinhas e tal, e ela estava tomando um refrigerante ali, e aí ela tomou um refrigerante e, assim, quem toma só refrigerante sabe que uma hora dá uma sedinha de água e ela falou: “Bom, vou tomar uma água”, aí essa amiga dela de repartição falou: “Entra lá né, vai lá tomar e tal”, porque não tinha água ali pra servir pra galera no churrasco.
Então ela foi lá na cozinha da moça e, quando ela abriu o armário da cozinha pra pegar um copo pra tomar água, o quê que ela viu? Uma caneca [risos] com o símbolo de Peixes, escrito o nome da moça e do outro lado “Com amor, M.”. Ué, Seu Mário não era o cara que nunca tinha traído? Que nunca tinha saído com ninguém? E que saiu com Ana Paula por que estava apaixonado? — Ah, e tem um detalhe a mais que piora as coisas — onde ele escrevia “Com amor, M.”, ele colocava uma data, — A data, tipo — a data que terminou. Então ali tinha uma data que era anterior a Ana Paula, bem anterior, e aí Ana Paula não acreditou quando ela viu a caneca e aí ali no churrasco tinha muita gente, não dava pra conversar com a moça. — A colega dela de firma — E aí no outro dia ela conversou, que ela falou: “Escuta, eu vi uma caneca no seu armário escrito “Com amor, M.” e uma data você…”, sabe assim, ela não terminou de falar, aí a moça olhou pra ela e falou: “Você também?”
E aí, gente, elas descobriram que elas tinham saído exatamente um mês com Seu Mário e que ele fazia tudo igual, era o mesmo discurso, era as mesmas lágrimas, o mesmo jeito de abordar, sempre falando da família… — E, gente, firma vocês sabem como é, né? — A coisa alastrou, alastrou e, olha, sem brincadeira, a Ana Paula falou que tinha ali umas setenta canecas. [risos] — Que filha da puta. Ai, que ódio do Seu Mário… E, assim, eu jamais cairia nesse papinho, jamais. Eu acho que uma coisa que me chama muita atenção é esse tipo de homem que começa a falar bem da esposa, falar da família, mas daqui a pouco a esposa já tem alguma coisa que aí ele fala suavemente pra você assim, tipo “Ah, eu amo a minha esposa, mas ela tá com problema de saúde muito grave, então a gente não transa mais…”, sabe assim? Como se ele fosse a pessoa mais maravilhosa do mundo, mas a esposa não quer transar, ou não consegue transar, ou sei lá, e era nesse caminho que era as conversinhas do Seu Mário que, apesar de amar a esposa, ela tinha umas questões que ele não gostaria de tocar, mas é que ele se sentia muito sozinho, nã nã nã. — E, meu, papinho, né? Quem que cai? Quer dizer, um monte de gente cai, mas enfim. —
E aí descobriram lá umas setenta canecas, rolou uns bate-bocas ali, rolou umas coisas e, gente, Seu Mário foi demitido. Demitido, porque isso chegou no RH, isso chegou no RH, e isso é um, é uma atitude predatória realmente, né? Você abusar ali de uma posição que você tem de chefia pra, de alguma forma chegar de uma maneira que não devia nas funcionárias, então ele foi demitido com razão. — Tchau, Seu Mário. [risos] — E aí a Ana Paula falou que teve um dia lá que elas combinaram de quem tinha caneca levar a caneca, e todo mundo levou a caneca, [risos] era muita caneca. — Eu tenho questões, agora pensa, onde esse cara fazia as canecas assim? Porque a pessoa que fazia a caneca, primeiro que estava ganhando uma grana e, segundo que devia ficar chocada, porque de um lado ele colocava o signo da pessoa e colocava o nome da pessoa do outro lado “Com amor, M.” e a data, então dava até pra você saber quando ele saía com todo mundo. Segundo, por que que ele colocava o signo? [risos] Seu Mário, gostava de horóscopo? Ou era uma coisa que já vinha na caneca? Você escolhia a caneca do signo pra gravar o nome? Porque pode ser, né? Que não tinha nada a ver, que ele nem sabia nada de signo, mas apesar dele perguntar pra dar a caneca certa, enfim. [risos] E é foda gente. —
A gente tem que ficar esperto pra esse tipo de canto da sereia, de caras que parecem muito legais, muito humanos, muito lágrimas nos olhos e olha aí o crocodilo. E ficou tudo bem depois, porque parece que quando você sabe que outras pessoas passaram pela mesma coisa que você, você tem uma outra forma de ver aquela experiência, né? Então toda aquela tristeza que Ana Paula estava assim, aquela saudade do Seu Mário passou e aí isso acabou virando ali na empresa um motivo de risada, mas o negócio foi tão sério que colocaram uma psicóloga pra conversar com as moças e dizem, Ana Paula acha que isso é uma fofoca de firma, mas dizem que alguns rapazes também tinham canecas. [risos] — Seu Mário danadão, né? — Ai, meu Deus, mas ainda bem que ele foi desmascarado e foi demitido porque realmente é uma atitude predatória horrível, isso acontece, né? Isso acontece muito também em universidades, né? Professor que sai com aluna, é uma coisa que eu não consigo achar ok de maneira nenhuma, não importa a idade da aluna, não acho ok, sabe? Pode ser um aluno de quarenta anos, mas o professor ele é o professor e eu acho que realmente é abusar um pouco da posição de poder, sabe? Então pelo menos teve aí um final feliz, né? Gostei da demissão do Seu Mário — O cara muito humano. — [risos] [trilha]
Assinante 1: Oi, eu sou a Paula, moro em Nova York. Essa história da caneca foi a história que mais me fez rir, Seu Mário safado. Depois que você escuta a história você entende porque ele era tão bom e deixava as meninas irem no vestiário chorar e ter um tempo pra se recuperar. E ele deveria desistir da esponja e investir numa empresa de caneca, não é não?
Assinante 2: Oi, eu sou a Taís de São Caetano do Sul, e Ana Paula do céu, tô chocada com esse golpe da caneca, mas que bom que no fim das contas virou só uma história pra contar, apesar de todo sofrimento. E fica também a lição, né? Pra gente não cair nesses cantos da sereia aí como a Déia falou e espero que esteja tudo bem agora e vida que segue, beijo.
Déia Freitas: Então é isso gente, um beijo e até a próxima.
[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]