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título: vila
data de publicação: 16/10/2025
quadro: luz acesa
hashtag: #vila
personagens: kátia

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Luz Acesa. E hoje eu vou contar pra vocês a história da Kátia. Então, vamos lá, vamos de história.

[trilha]

Kátia é funcionária pública, tem um bom salário, tem um bom emprego, tem uma família estruturada, mas ainda assim, Kátia tinha uma tristeza que ela não sabe explicar… Faltava alguma coisa, mas ela não sabia o que era. Kátia saía do trabalho 5 horas da tarde, tinha dia que ela não tinha vontade de voltar pra casa. Ela tinha irmãos, ela tinha pai, ela tinha mãe, ela não tinha briga em família… Ela queria andar sem rumo. Ela pegava o metrô sentido a casa dela, mas às vezes descia 6 estações antes e ficava andando sem rumo até uma hora ela chegar na casa dela. A família já estava até acostumada, que andar a esmo assim, sem rumo, aliviava um pouco dessa tristeza, dessa angústia que ela sentia. E aí você me pergunta: “Desde quando Kátia tinha essa tristeza que ela não sabia explicar?”. Ela não lembra desde quando, ela lembra que um dia quando ela era criança, de repente ela ficou assim, ficou triste. — Então, Kátia tinha essa mania de sair andando por aí pra qualquer lugar. —

Um dia, ela desceu do metrô muitas estações antes da casa dela — e quando ela chegava no metrô ali perto da casa dela, ela tinha que andar ainda um tanto — e ela andou, andou, andou, até escurecer… Era umas quase 19 horas. Quando ela saía andando, ela saía meio que andando pelos mesmos lugares, passando o bairro a bairro até chegar na casa dela. Às vezes, dava uma volta no quarteirão, entrava por uma outra rua pra ver onde ia sair… Tinha uma rua — vamos chamar, sei lá, Rua Pônei de Almeida — que se ela fosse direto aqui, ela ia pra Pônei de Almeida, e se ela fosse pro outro lado, ela ia na Pônei de Barros. Só tinha essas duas ruas: ou você ia pela Pônei de Barros ou você ia pela Pônei de Almeida. Acontece que quando Katia chegou nesse trecho que ela teria que escolher pela Pônei de Barros ou pela Pônei de Almeida — que era o mais curto — tinha uma terceira rua… Era uma rua asfaltada com casas…

Kátia: “Nossa, eu nunca reparei nessa rua” e não era uma rua estreita, uma viela que você não viu, era uma rua… Mas se ela tivesse parado para reparar um pouco mais, ela ia perceber que a única coisa que tinha igual ali era o asfalto, porque era uma rua que os carros não estavam entrando, passando por ela e as casas elas eram estranhas, parecia que as casas eram do avesso. Kátia foi andando por aquela rua, tinha as casas e não tinha ninguém na rua. Kátia foi andando, no final dessa rua tinha uma espécie de uma praça, mas também a praça parecia do avesso, era estranho… Os bancos da praça, eles estavam tombados. não dava para você sentar. Tinha algumas pessoas em pé, mas ninguém estava conversando com ninguém, ninguém estavam olhando para lado nenhum… As pessoas estavam paradas na praça, espalhadas. E aí ela foi andando e um homem muito estranho, mas que tinha uma aparência humana mesmo, mas tinha uma pele que parecia uma borracha, mas não era uma borracha, era uma textura diferente da nossa pele, mas ela via que era um homem, um ser humano…

E aí ele falou para ela: “Você não é daqui, o que você está fazendo aqui?”, “eu estou andando, eu só estou andando, estou andando aqui e vou para a minha casa”. Daqui você nunca vai achar a sua casa, se você continuar andando por aqui, você nunca mais vai achar a sua casa”. Kátia assustou, era tudo muito estranho. Quando ela foi se afastando, ela não quis dar as costas para esse homem, né? Ele virou para Kátia e falou: “Você pode ir, mas ela fica” e, quando a Kátia olhou para o lado, ela falou: ” Andréia, a hora que ele falou pra mim isso, eu tinha realmente a sensação que, desde que eu entrei naquela rua, tinha alguém comigo”, era uma criança, uma menina, assim, uns nove anos, com aquela mesma pele, com um vestido azul meio surradinho, assim, e sorrindo pra Kátia, mas assim, um sorriso estranhíssimo e com aquela textura de pele estranha e tal… E ele voltou a falar pra Kátia: “É, depois de tantos anos, você trouxe ela de volta”, nesse momento, Kátia teve um déjàvu… 

Kátia voltou na infância dela e ela lembrou daquela rua… Kátia lembrou que um dia ela estava brincando na rua sozinha — era uma época que as crianças podiam brincar na e apareceu essa rua na frente dela — e ela entrou com uma bola e tinha uma criança e ela trouxe essa criança com ela… E foi a partir desse momento que a Kátia passou a sentir essa tristeza, que ela não sabia identificar. E aí ela olhava em volta e tinha outras ruas e ela falou: “Mas o que é aqui?”, “é uma vila… aqui é uma vila, mas você não pertence a essa vila. Você tem que ir embora. Deixa ela aqui e vá embora. Vá embora rápido”. Ali deu um desespero na Kátia e ela saiu andando, assim, rápido. A menina ficou lá na praça parada, perto do cara, mas sem conversar com o cara, assim, parada… Ninguém da praça olhando pra ela, e ela foi voltando e vendo aquelas casas que pareciam do avesso, muito estranhas. Quando ela entrou nessa rua, foi muito rápido pra ela chegar na praça e agora que ela estava tentando sair, ela andava, andava, andava nessa rua e ela não conseguia sair. Aparecia mais casas, mais ruas, e ela se via dentro daquela vila…

Ela falou pra mim: ” Andréia, eu não sei quanto tempo eu andei, mas assim, pra entrar naquela rua, por exemplo, era umas 7 horas da noite, sei lá, 07:05 eu estava na praça. Quando eu fui sair, eu andava, eu andava, eu andava, as casas iam mudando, mas a rua não terminava… Mas, lá embaixo, eu via a Ponei de Barros, que era a rua que dava pra ver melhor, assim, que fazia tipo uma bifurcação ali”. Kátia andou muito… E quando ela saiu daquela rua, já estava um silêncio… Ela reconheceu tudo, ela estava no caminho, só que agora estava tudo muito escuro e muito silencioso. Por quê? Porque já era mais de duas e meia da madrugada. A família já tinha rodado hospital, já tinha chamado a polícia, os amigos já tinham postado… Sabe quando você fala “minha amiga tá desaparecida, se alguém souber, não sei o que lá”? Ela andou por horas pra conseguir sair daquela vila e ela não conseguia sair. Kátia acredita que aquela vila que ela encontrou é em Setealém. 

— Depois de todas as histórias que ela já ouviu sobre, ela acha que ela esteve em Setealém. — Ela tem certeza que não foi a primeira vez, foi a segunda vez. Ela esteve antes como criança, e ela não lembra se demorou esse tanto, mas ela saiu com uma criança de Setealém. — E essa criança, por muitos anos, sei lá, deve ter ficado com ela, porque era essa tristeza que ela sentia. — Depois de passar todo o perrengue, a família brigou com ela… Ela não sabia explicar onde ela estava. Os pais levaram no PS, sabe aquelas coisas assim? Ninguém entendia nada, muito menos a Kátia. Depois que passou esse susto, ela não sentia mais aquela angústia, aquela tristeza que ela sentia… Ela tem certeza que era a menininha do vestido azul. A Kátia fala: “a cada relato que eu ouço de pessoas falando sobre Setealém, eu tenho certeza que eu estive em Setealém”, que aquela vila é uma vila de Setealém e que aquelas pessoas que estavam lá realmente não pertencem ao nosso mundo aqui, mas estão, sei lá, vivendo num mundo paralelo. — Gente, eu tenho horror a Setealém. Eu contei já uma história aqui, se você não ouviu ainda, procura no nosso site, coloca lá a palavra “Setealém” que você vai achar. Escreve tudo junto, tá? Setealém. — Quanto mais eu ouço sobre isso, mais apavorada eu fico. O que vocês acham? 

[trilha]

Assinante 1: Oi, galera do Não Inviabilize, meu nome é [Memora] e eu falo de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Eu tive uma vizinha que o irmão desapareceu misteriosamente, sem deixar nenhum rastro. Ele saiu pra ir na lotérica pagar umas contas e simplesmente nunca mais voltou. Não houve nenhum roubo, nenhuma movimentação nas contas bancárias dele depois disso… A última imagem que tem dele nas câmeras no centro da cidade, ele tá caminhando normalmente, como se estivesse indo em direção à casa dele…Depois de ouvir essas histórias do podcast de Setealém, eu sempre fico me perguntando se esse guri não entrou numa dessas ruas e simplesmente não conseguiu sair mais de lá. Essa história já tem cinco anos e, infelizmente, nunca mais ninguém teve notícia dele. E sobre essa vontade que a Katia tinha de andar na rua, sem rumo, eu me pergunto se não era essa criança tentando achar o caminho de volta pra casa. 

Assinante 2: Oi, nãoinviabilizers, eu sou a Luísa de Montreal, no Canadá. Eu tô chocada. A hora que a Déia falou que surgiu uma rua que as casas eram do avesso, eu já pensei: “puts, Setealém.. Setealém”, eu fiquei pensando se eu continuava ouvindo ou não, porque, apesar de Luz Acesa ser o meu quadro preferido, porque eu acho que, como eu disse, Shakespeare: tem muito mais entre o céu e a terra do que pode prever a nossa vã filosofia, Setealém é tipo outro nível, assim, eu tenho muito medo e eu tô chocada, Katia, com a sua calma, assim, em conseguir resolver, em conseguir fazer perguntas sobre… Eu tenho muito medo de um dia entrar em Setealém e me desesperar e não conseguir sair. Então, que bom que você conseguiu deixar a menina lá, que você conseguiu sair com calma e você se livrou dessa tristeza. Muito bom ouvir o final da sua história. Um beijo.

[trilha]

Déia Freitas: E essa é a história da Kátia… — Não vou nem de falar muito, gente. Setealém é um negócio que realmente eu tenho pavor, de estar andando, sei lá, de acordar e tô em Setealém ou tá mesmo, sei lá, indo viajar e, de repente, eu tô em Setealém. Tenho pavor… Acredito? Não, mas quero evitar Setealém. — Comentem lá nosso grupo Telegram, sejam gentis aí com a Kátia. Um beijo e eu volto em breve. 

[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]