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título: rosto
data de publicação: 24/08/2020
quadro: luz acesa
hashtag: #rosto
personagens: sandra

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Bom, gente, esse é um teste, né, meu primeiro Luz Acesa narrado, não sei se vai funcionar, se vai dar certo. E, assim a gente vai tentar, né… Então eu vou contar hoje o relato da Sandra do Grajaú, São Paulo. Ela me escreveu já tem um tempo, eu tenho muitas histórias do Luz Acesa na fila, né, aí eu vou relatar para vocês o que ela me contou.

[trilha]

A Sandra trabalha numa balada, trabalha à noite, e chega em casa todo dia entre duas e quatro horas da manhã. Ela trabalha na chapelaria, ela reveza com outra moça, né, então, às vezes, ela consegue sair mais cedo e a outra moça fica até o final, e às vezes, ela que fica até o final. E a Sandra mora na frente de uma escola, mais precisamente na frente de um muro comprido de uma escola. 

A Sandra sempre volta para casa de táxi, a balada lá tem um convênio com alguns taxistas e eles levam os funcionários, e aí um dia, um belo dia, ela tá chegando três e pouquinha… O taxista encosta, ela desce e não tem muito que ficar, né, todo mundo tem medo de ser assaltado, e ela desce rápido do carro se despede do taxista e entra pelo portão da casa dela, portão de grade desses vazados, ela entra, se vira para trancar o portão [efeito sonoro de carro], o taxista arranca com o carro, né? Viu que ela já tinha entrado. E ela olha de frente para o muro, a Sandra ficou meio sem saber assim, se o que ela estava vendo era real ou era coisa da cabeça dela [trilha sonora de suspense se inicia]. Porque ela viu encostado no muro, chorando, uma criancinha [efeito sonoro contínuo de criança chorando]. Três horas da manhã uma criança chorando na rua? Ela não imaginou que pudesse ser uma assombração, um fantasma, alguma coisa, mas ela ficou com medo de sair, e ser alguma armadilha de bandido. É só isso que a gente pensa.

E ela gritou do portão, “menina, ei menina”, a Sandra disse que aparentava ser uma criança de uns 6 anos encostada no muro de costas para ela chorando, e ela repetiu: “ei menina, ei menina, você tá bem? Cadê sua mãe?”, quando ela terminou de falar “cadê sua mãe?” a menina virou. [efeito sonoro de susto] E aí ela viu que não era um rosto de menina, era um rosto de homem e um homem com uma cara de raiva, mas o corpo, o cabelo, a roupa, era de uma criancinha, de uma menina. Na hora a Sandra deu um grito, mas muito alto e ninguém saiu, quando ela estava chamando pela menina já era para algum vizinho ter saído, ou mesmo o pai dela, ou irmão dela, ninguém saiu… E quando ela viu aquele rosto de homem com raiva, ela gritou e fechou os olhos, quando ela abriu os olhos [efeito sonoro de susto] o cara estava de frente para ela, estava do lado de fora do portão, e ele veio, ele não veio andando, ele veio como se estivesse flutuando, mas muito rápido, e quando ela abriu o olho ele estava flutuando já bem perto do portão, na cara dela.

A Sandra prendeu a respiração e ficou com medo de virar de costas e ele agarrar nas costas dela. A Sandra tem um metro e setenta, e ele estava na altura dela e ela olhou para baixo e tinha um vão, porque era um corpo de uma criança, então para ficar da altura dela, ele estava flutuando alto. Ela foi correndo de costas, e a casa dela um sobradinho com uma pequena escada para entrar e ela caiu, bateu as costas na escada, só que ele não passou da grade, ele ficou encostado na grade olhando para ela com raiva, ela destrancou a porta e ela não conseguia não olhar para ele porque ela tinha medo de virar e ele ir para cima dela. 

A Sandra não sabe nem como ela conseguiu destrancar a porta, entrar e bater a porta. E aí ela começou a gritar, e aí a família dela acordou e achou que fosse bandido, né, a gente sempre pensa isso, e ela não conseguia falar, ela não conseguia falar e chorava, chorava e chorava, aí deram água para ela e aí ela falou: “olha, eu acabei de ver uma criança com rosto de homem flutuando atrás de mim”, o irmão dela riu, a mãe dela meio com sono voltou para o quarto, o pai dela deu uma bronca nela e assim foi. A Sandra paralisada ainda de medo não conseguia sair da sala, mas ela estava sozinha de novo na sala, e pra subir a escada pro quarto dela, ela ia virar e a escada ia dar de frente para janela da sala. 

E quando ela foi subir a escada, que ela olhou para a janela da sala, essa figura com rosto de homem com raiva estava na janela, já não estava mais lá fora no portão, estava na janela da sala da Sandra. A Sandra que costumava chegar, tomar banho, ainda dar uma olhada na internet para depois dormir, do jeito que ela estava ela tirou o sapato, deitou na cama e cobriu a cabeça… E não conseguia parar de pensar naquele rosto, naquele rosto, naquele rosto do cara. Mas aí ela pegou no sono e nada mais aconteceu naquele dia.

Chegou a noite da Sandra trabalhar de novo e ela estava com muito medo, muito medo mesmo, e ela resolveu que ela não ia dormir na casa dela porque ela ia ter que voltar de madrugada e entrar, e estava com medo daquela criatura tá lá no portão de novo da casa dela. E ela foi dormir na casa dessa amiga dela da chapelaria, então elas saíram, pegaram o táxi e foram para casa dessa amiga dela que era um apartamento. E aí lá ótimo, né, elas ficaram conversando, uma tomou banho enquanto a outra comia, depois a outra foi tomar banho, revezaram e tal. E na casa dessa menina, era uma kitnet, então um quarto só. Elas deitaram na cama, uma cama que não era uma cama de casal, mas tipo uma cama de viúva, sabe, maior? Então a Sandra dormiu com a cabeça nos pés da menina assim, uma para um lado e outra para o outro.

Depois de um tempo que a Sandra estava dormindo já, ela começou a se agitar na cama, como se ela tivesse tendo um pesadelo e a amiga dela deu uma chacoalhada e falou: “miga, você tá bem, tá passando mal, tá tendo pesadelo?”, e ela deu um resmungo e voltou a dormir. [trilha sonora de suspense ficando cada vez mais alta] E aí passou mais um tempinho, a Sandra acordou do nada, porque ela escutou esse barulho no ouvido [efeito sonoro de sussurro com batidas de coração], era uma espécie de sussurro com um coração batendo, um barulho de coração no ouvido dela, era uma coisa assustadora assim, ela sentia o barulho, né, do coração batendo e parecia que tinha alguma coisa quente perto dela. 

E aquilo foi dando um pânico na Sandra e ela tentava pegar o cobertor pra cobrir a cabeça para ver se aquele barulho parava e, conforme ela colocava a mão assim para procurar o cobertor que ela estava coberta, ela sentia como se tivesse alguém em cima dela. A Sandra não conseguiu rezar, não conseguiu pedir ajuda, não conseguiu se mexer direito, ela só ficou ali naquele momento de pânico tentando se virar, tentando se cobrir e não conseguia fazer nada, nada, nada, não conseguia chorar… E aquele barulho de coração, aquela sensação de coisa quente, mas um quente, ela não soube me explicar, mas ela falou que era um quente ruim, era como um mormaço de praia, sabe? E ela não conseguia fazer nada, mas ela teve a impressão que parecia ser uma coisa muito longa, mas ao mesmo tempo que foram, sei lá, minutos.

Quando finalmente ela conseguiu se livrar daquilo, porque o que estava em cima dela também não tinha peso, então ela não estava presa na cama, mas ela estava paralisada de medo e sentia que tinha alguma coisa em cima dela que só respirava e o barulho de coração. Quando ela conseguiu se livrar, que ela conseguiu virar para o lado da amiga dela, né, para agarrar a perna, alguma coisa assim, pedir socorro [efeito sonoro de susto], ela viu que ela estava sozinha na cama e a amiga dela em pé de olho fechado olhando para ela. Sandra não soube me explicar direito, mas ela disse desse jeito: “a minha amiga estava em pé de olho fechado, mas eu sabia que ela estava olhando para mim”, e ela não se mexia, ela tinha os braços grudados no corpo, assim, para baixo, como se fosse um soldadinho e na direção da Sandra respirando, mas a respiração forte da amiga dela não era igual a respiração e o coração batendo que ela sentiu no ouvido.

E aí ela ficou com mais medo porque ela não sabia se a amiga dela ia atacar ela, se a amiga dela estava em pé para proteger, de repente ela. E ela fez o quê? Cobriu a cabeça de novo, e não sabe quanto tempo passou, não sabe que horas a amiga dela voltou para cama, ela ficou de cabeça coberta tentando rezar e escutando aquele barulho no ouvido dela de novo e sabendo que a amiga dela não estava na cama, estava em pé de olho fechado, mas a Sandra disse que de alguma forma sabia que amiga estava olhando para ela. 

De manhã, quando a Sandra acordou a amiga ainda estava dormindo, ela pegou as coisas dela e foi embora, nem tchau pra amiga ela falou. E aí ela chegou na casa dela e começou a chorar, contou para a mãe dela, e a mãe dela, aí sim, ficou preocupada porque a Sandra já estava muito abatida, com olheira e com uma cara péssima. E todo dia acontecia alguma coisa, teve um dia que ela chegou e aí não tinha jeito, ela tinha que ir para casa dela, então o quê que ela pediu para o taxista? “Por favor, o senhor me espera entrar dentro de casa”, porque tinha escadinha, o cara conseguia ver ela subir e entrar na porta, aí o cara esperava e ela entrava correndo, trancava a porta, e ela já se sentia mais segura. E aí um dia ela chegou, estava na sala e ela escutou na cozinha o [efeito sonoro de fogão sendo ligado] “tec, tec, tec, tec” do fogão ligando, aí às vezes o pai dela esperava ela ou já estava acordado, né, tipo idozinho, acorda quatro e pouco.

E ela falou “hum, pai, vai fazer café, né?”, e nenhuma resposta e a cozinha apagada. E aí ela foi, acendeu a luz da cozinha, e o negócio fazia [efeito sonoro de fogão sendo ligado] “tec, tec, tec, tec” e soltava aquelas faísquinhas e não acendia. Sozinho, o fogão ligando sozinho. Numa outra vez, ela saiu de casa, ela saiu umas sete da noite para ir trabalhar, né, na chapelaria e ela estava chegando no ponto do ônibus, ela foi empurrada e caiu, e aí ela virou porque ela achou, de novo, a gente sempre pensa que é assalto, que era alguém empurrando ela para roubar a bolsa e que ela olhou não tinha absolutamente ninguém em volta, ninguém em volta. E aí ela não teve coragem mais de ficar no ponto de ônibus e andou [efeito sonoro de passos rápidos], assim, um sete, oito, quarteirões, rápido, rápido, rápido para chegar num outro lugar que tinha mais gente e que ela não ia ficar parada sozinha no ponto.

E ela falou que conforme ela andava, ela sentia que tinha alguém andando atrás dela, ela pensou que de repente era melhor ela ter ficado lá no ponto, né. E aí quando ela acelerava o passo ela sentia que alguém, essa pessoa, essa coisa, não sei, andava mais rápido também atrás dela e tentava, ela falando: “Andréia, não sei te explicar, mas eu sabia que essa coisa queria me agredir, queria me empurrar, queria me bater, alguma coisa assim”, e aí quando ela chegou nessa avenida, que ela chegou no ponto, ela entrou no primeiro ônibus que ela encontrou. 

A Sandra foi atormentada por essa criatura durante três meses, e só parou de ser atormentada o dia que ela foi num velório com a tia dela. Chegou uma hora no velório, todo mundo fica conversando de outras coisas, e ela lá sentada e ela olhou para o caixão e era uma outra senhora lá, amiga de todo mundo que tinha morrido, e ela pediu, não sabe porquê, ela pediu, olhou para o caixão e pediu “me ajuda, leva isso que tem comigo embora”, e aí ela começou a chorar e todo mundo achando que ela estava chorando pela senhorinha, mas ela falou que sentiu um alívio. E aí depois desse velório, depois que ela foi embora nunca mais aconteceu nada. Mas até hoje ela não sabe explicar, até hoje ela não consegue olhar para aquela escola, nem para o muro, nada. Ela chega, ela faz desse mesmo jeito, o taxista espera ela entrar, fechar a porta, e aí agora nem na sala ela fica mais, ela já corre para o quarto dela porque ela não sabe se isso pode voltar a acontecer ou não, mas não aconteceu mais. 

Tem um tempo já, né, eu não falei com ela mais também, só na época do relato. Fazia um tempo já, tipo um ano, um ano e pouco que não acontecia de novo. Bom, essa é a história da Sandra, né, o relato dela, não imagino o que seja isso, não tenho nenhuma explicação, não consigo duvidar, porque assim, só de contar a história dela aí eu fiquei com medo e, não sei, não sei o que era isso, não sei o que vocês acham que era isso, como que veio do nada? Porque ela sempre morou lá, como que foi embora do nada. Será que foi do nada, será que foi esse pedido que ela fez lá no caixão da idozinha? 

Enfim, coisa que só dá pra gente contar de Luz Acesa. Tô aqui com a casa inteira acesa contando isso para vocês e mesmo assim eu tô com medo. Comentem lá no nosso grupo, o nome do grupo é Não Inviabilize, o que vocês acham que era isso? O que aconteceu com a Sandra? É possível? Porque eu não tenho a menor ideia que uma entidade, uma criatura, não sei, consiga interferir em objetos ou empurrar pessoas? Eu sinceramente, não sei, o quê que vocês acham?

Bom, a gente encerra aqui mais um podcast do canal Não Inviabilize, lembrando que você pode enviar sua história para o e-mail naoinviabilize@gmail.com.

[vinheta] Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.