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título: boneca
data de publicação: 15/10/2020
quadro: luz acesa – especial halloween
hashtag: #boneca
personagens: dona neide, boneca e filhas

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei pra mais um Luz Acesa e, hoje, quinta-feira, é dia de recado. Então hoje a minha indicação de história é uma história chamada “Insone” de um podcast que eu fiquei conhecendo essa semana, eles me mandaram o link e eu adorei. E o nome do podcast é “Rolando Histórias”, então, eu vou deixar o link aqui no episódio e aí depois eu vou colocar essa hashtag Insone lá no grupo pra gente comentar esse conto. Então, vamos de história.

[trilha]

Hoje a história que eu vou contar pra vocês é a história da Dona Neide e… Como é que eu vou explicar? Como uma pessoa que tem o dom do benzimento pode transmitir esse dom para outras pessoas da família, no caso aqui seria para as filhas, e o nome da história é “A Boneca”, então vamos lá.

[trilha]

É uma história que se passa no Espírito Santo em mil novecentos e setenta e cinco, o ano que eu nasci, a Dona Neide ela era uma benzedeira muito famosa na cidade dela, então assim, tudo de ruim que acontecia com as pessoas da cidade, as pessoas recorriam à Dona Neide, até o prefeito, então, era todo mundo mesmo, ela era assim aquelas benzedeiras porreta, sabe? De fazer reza e o caramba. E ela já tinha uma certa idade, ela tinha alguns filhos e, entre essas filhas, ela tinha uma filha chamada Rosália, e ela dizia que a Rosália tinha o mesmo dom que ela, e a Rosália tinha que aprender pra seguir com esse dom que é tipo um chamamento, uma obrigação, a Dona Neide dizia. Então ela dizia: “Olha, Rosália, você tem que aprender, você tem que ver como eu faço as coisas pra quando eu me for, você fazer”, e a Rosália por mais que o dom passe de mãe pra filha e de família, não era a praia dela, ela não queria saber.

Então mil novecentos e setenta e cinco ali, ela estava felizona, ela queria mais saber de festa, dos caras e de passear, ela não queria saber de aprender a benzer ninguém. E o tempo foi passando, a Rosália nem aí, Dona Neide ali na função dela, então o quê que a Dona Neide fazia? Por exemplo, você estava com um encosto, você ia lá benzer e ela notava que tinha alguém com você. Ela tinha duas formas de te ajudar, primeiro era com uma boneca de barro, então ela mesma fazia as bonecas, as bonecas eram ocas e durante o benzimento ela conseguia trazer esse espírito que estava com você pra essa boneca de barro, e aí o quê que acontecia com essa boneca? Depois que você ia embora com muita reza e mais os procedimentos que ela fazia, ela quebrava [efeito sonoro de objeto sendo quebrado] essa boneca e o espírito [efeito sonoro assustador] se libertava e seguia o rumo, era encaminhado [inicia trilha sonora assustadora de piano] pra onde tinha que ir.

Então, esse era um tipo de benzimento que ela fazia, o outro era quando ela notava que você tinha algo pior, que você tinha junto com você, ou que tinha numa casa, não importa, um espírito que era um espírito maligno. Quando o espírito era maligno, Dona Neide tinha um outro tipo de boneca, ela fazia umas bonecas de pano, e aí ela conseguia colocar esse espírito maligno nessa boneca de pano, mas ela sabia que era um tipo de espírito que ela não ia conseguir encaminhar.

Então ela fazia as bonecas de pano, ela durante o benzimento ali, ou se ela fosse fazer um procedimento numa casa, ela conseguia aprisionar o espírito dentro dessa boneca, ela amarrava [efeito sonoro torcendo algo] essa boneca de algodão também com barbante de algodão e colocava dentro de uma lata. Então sabe antigamente essas latas de manteiga? Ou lata de café? Ela deixava lá. E aí conforme o tempo passava, ela tinha o dia certo, a hora certa de fazer o ritual pra poder exterminar esse espírito, [efeito sonoro de voz murmurando] ou pelo menos afastar, e esse [efeito sonoro de algo sendo queimado] ritual ele envolvia fogo, então ela meio que jogava essas bonecas no fogo, fazia o que ela tinha que fazer que não me foi revelado aqui, e tinha gente que participava disso e dizia que, [efeito sonoro de gritos de mulheres] algumas bonecas gritavam no fogo. Então, conforme ela queimava a boneca, a boneca se batia e a boneca gritava no fogo ali. Então, Deus me livre, né, gente? Medo.

E aí o tempo passou, Dona Neide faleceu de causas naturais e a Rosália não tinha aprendido nada, ela não aprendeu nada, ela não tinha interesse, e depois que a mãe morreu o projeto da Rosália era o quê? Mudar pra uma cidade maior, né? Ter uma vida mais bacana e tal. E ela começou [efeito sonoro de coisas sendo empacotadas] empacotar as coisas, só que a Dona Neide morreu e ela tinha deixado uma boneca na lata e, conforme a Rosália fez a mudança ali, ela pegou as coisas, foi jogando várias tranqueiras no lixo… E ela se mudou pra casa de uma prima dela, então ela ia ficar um tempo na casa dessa prima até mudar pra cidade grande e seguir a vida. E na mudança ali foi uma lata com uma boneca. E, se ela tivesse visto, ela tinha jogado no lixo, porque ela não acreditava em nada, não queria nem saber, ela tinha jogado a boneca no lixo e, quem achasse teria que resolver isso aí. Só que ela não viu e a boneca foi na mudança dela pra casa dessa [efeito sonoro de carro sendo ligado e saindo] prima dela. 

Então agora nós estamos em mil novecentos e setenta e seis, um ano depois, na casa da prima da Rosália e o nome da prima da Rosália é Gorete. Então, a Gorete, ela tinha duas filhas, a Fabiana e a Eliana, e a Rosália foi morar lá, então ela ficou um tempo lá e depois se mudou, ela levou algumas coisas porque não conseguiu levar tudo, e o restante ela falou pra Gorete: “Ó, Gorete, pode jogar isso no lixo, [efeito sonoro assustador] pode jogar essas coisas aí, umas tranqueiras pode jogar no lixo”. E a Gorete fazendo uma faxinona ali, no meio dessas tranqueiras, achou a lata que tinha a boneca, [efeito sonoro assustador] e ela viu uma bonequinha ali amarrada na lata, que era uma boneca de pano, que quem fazia era a própria Dona Neide, e o que ela pensou? Essa boneca aqui deve ser de uma das minhas filhas, ou é da Fabiana, ou é da Eliana, o que ela fez? Ela tirou a boneca da lata e ela desamarrou a boneca. [efeito sonoro assustador de criança rindo] 

Sim, a Gorete sem saber de absolutamente nada, desamarrou boneca e colocou a boneca ali no quarto das filhas, [efeito sonoro assustador de criança rindo] achando que, né? Uma das filhas dela que tinha brincado, amarrado e colocado a boneca na lata, não passou nada pela cabeça dela que fosse algo de benzimento, nada. E o dia passou tranquilo, a Gorete terminou de arrumar as coisas ali, as filhas dela estavam na casa da avó, na mãe dessa Gorete e ela foi buscar, chegou com as meninas. E quando ela chegou, ela reparou que a boneca estava no meio da sala, [som de violino tocando] ela tinha colocado a boneca lá no quarto, ela tinha guardado lá, ela chegou com as meninas, então não tinha ninguém na casa. Só que também, sabe aquela coisa? Achei que coloquei no quarto e não coloquei, só que ela tinha colocado. E aí as crianças viram a boneca no meio da sala acharam que era uma novidade, ninguém nem falou pra mãe: “Ai, boneca nova”, nada, foram, brincaram com a boneca um tempo ali e deixaram a boneca de lado.

O marido da Gorete trabalhava viajando, então ele ficava muito pouco em casa, então era ela e as duas meninas. E as meninas ali brincando, fazendo as coisinhas delas e tal, lá na sala, a boneca ela não tinha visto mais, ou estava no quarto, ou estava na sala e ela fazendo ali a comida. De repente, [efeito sonoro assustador] a Gorete sentiu um bafo quente assim, [efeito sonoro como um sussurro] atrás dela, com um cheiro esquisito e ela olhou pra trás [efeito sonoro assustador] e não tinha nada, ela olhou assim na altura dela, né? Quando ela olhou pro chão, a bonequinha estava lá no chão, e ela achou que era uma corrente de ar e, da boneca estar no chão, ela achou que fosse as crianças, né? As crianças que deixaram a boneca ali. Aí ela deu uma bronca nas meninas dizendo que não era pra espalhar os brinquedos pela casa e tal, deu o jantar, que ela tinha acabado de fazer para as meninas, deu banho nas meninas, colocou pra dormir e foi tomar banho. [efeito sonoro do registro do chuveiro sendo aberto]

E o box da Gorete era daquela box de cortina plástica, aqui em casa é igual também, então é aquela cortina plástica, mais grossinha, e num determinado momento ali do banho a cortina levantou inteira, quando bate o vento numa cortina ela dá uma sacudida, por mais que o vento seja forte ela não sacode, né? E ela deu um tranco assim, como se alguém tivesse levantado a cortina do box com tudo. E a Gorete assustou, então assim, ela tomava banho com a porta ali meio aberta, por causa das meninas e do lado de fora do banheiro, mas assim meio atrás da porta que espiando ela, ela viu um homem [efeito sonoro assustador] e o homem ele tinha um cabelo ralo, tinha umas falhas assim no cabelo, os dentes muito podres. E ela foi descendo, ela foi olhando assim assustada pro cara, então assim, ela viu a cara do cara, né? Viu a cabeça do cara e foi descendo, conforme ela desceu até o ombro, depois da cintura pra baixo, meio que do meio do peito pra baixo, ele não tinha mais corpo, ele era uma massa disforme assim, que encostava no chão como se estivesse escorrendo.

E o cara olhou pra ela assim, com olhar ruim, aqueles dentes podres e ele deu uma risada assim alta e desapareceu no corredor. [efeito sonoro assustador] A Gorete ali tomando banho pelada, se enrolou numa toalha e saiu correndo atrás do homem sem pensar, porque o quê que ela pensou? Ela pensou nas filhas dela, porque o cara foi em direção ao corredor, que dava… O banheiro era no final ali do corredor, então ele ia passar pelo quarto das meninas, ela pensou apavorada ali que ele ia parar, e ia pegar as filhas. E ela correu e viu esse cara passar reto pelo quarto das crianças, então ele diminuiu quando ele estava chegando perto da porta das crianças, mas ele passou reto e foi em direção da cozinha, conforme ele passou pelo quarto das meninas, ela ficou mais tranquila, mas ela foi atrás, ela continuou indo atrás porque o intuito dela era passar pela porta do quarto das meninas e continuar ali pra defender as meninas, né? Então ela pra frente da porta, o cara teria que passar por ela pra chegar nas crianças. 

E conforme ela passou, a porta do quarto das meninas sempre ficava aberta, viu que as meninas estavam bem e estavam dormindo. E esse cara, essa criatura, foi pra cozinha e estava com a cabeça enfiada na lata de lixo, como se tivesse comendo mesmo ali os restos de comida das coisas do jantar, e ele olhou pra Gorete de um jeito assim [efeito sonoro como um sussurro/murmúrio] com tanta maldade, com tanta maldade, que por um segundo ela fechou os olhos, mas ela ficou firme ali em pé na porta da cozinha bloqueando o acesso ao quarto das filhas. Mas ela fechou os olhos, sabe quando dá aquele pavor? Quando ela abriu de novo [pausa da Déia e efeito sonoro] ele não estava mais e o lixo da cozinha estava todo espalhado pelo chão e a bonequinha estava ali, [efeito sonoro assustador de criança rindo] debaixo da mesa da cozinha, toda suja de lixo.

E de onde ela estava, ela via que a boneca parecia que ela estava quente assim, que saía tipo de uma fumaça, e só aí a Gorete conseguiu gritar [efeito sonoro de mulher gritando] ela gritou, gritou muito, os vizinhos vieram e, pasmem, mesmo ela gritando que nem uma louca pedindo socorro, as crianças não acordaram, [trilha de piano sendo tocado rapidamente] as crianças não acordaram. E aí a Gorete contou pra algumas vizinhas o que tinha acontecido, uma vizinha passou um café e elas falaram que iam ficar ali com a Gorete até amanhecer, né? E duas outras vizinhas dela que eram bem assim carolas da igreja, sabe? Da Igreja Católica, levaram a boneca pro padre do bairro. E o padre não deu muita atenção, tipo [tom de desprezo] “Ah, uma boneca, tá bom” e elas largaram a boneca lá com o padre e foram embora, tipo, “Ah, seu padre, vê o que o senhor faz, essa boneca tem um demônio” e ele não acreditou, mas a boneca ficou com o padre.

A Gorete ainda apavorada queimou o barbante que a boneca estava enrolada, que ela tinha largado ali pela casa. E antes disso, quando as filhas acordaram, porque elas não viram nada, não ouviram nada, né? A primeira coisa que elas comentaram com a mãe foi: “Ah, essa noite a gente teve um sonho estranho, parecia que alguém estava tentando entrar no quarto, mas a gente não conseguia ver porque a vó Neide estava no quarto”, e elas disseram que a vó Neide estava no quarto na frente delas, na porta do quarto e elas não conseguiram ver quem estava tentando entrar no quarto, elas acharam até que podia ser a mãe, mas a pessoa desistiu porque a vó Neide não deixou ninguém entrar e cantou uma música pra elas e elas dormiram. Então as meninas não viram nada e não escutaram nada, porque a vó Neide que era aquela benzedeira que faleceu, impediu que a criatura entrasse no quarto e cantou uma música pra elas ali pra elas adormecerem.

Um mês depois de tudo o que tinha acontecido, [som de sino da igreja] o padre… Lembra do padre lá da igreja que a boneca ficou lá e ele não deu atenção? Ele foi afastado da paróquia porque uma noite ele começou a gritar, [efeito sonoro de homem gritando] se arranhar, arrancou um dente com alicate. Enlouqueceu, o padre enlouqueceu. E com a Gorete nada mais aconteceu, né? E ninguém soube mais de nada. E quem me mandou a história foi a filha da Gorete, foi a Fabiana, então a mãe dela, que a Gorete contou a história pra elas e ela lembra da vó Neide no quarto com elas cantando a musiquinha. E a Gorete sabia que a vó Neide tinha morrido, mas as meninas muito pequenas nem tinham essa noção, né? Então doideira, né, gente? Eu não sei explicar nada, vocês sabem, né? Eu só tenho medo e duvido de tudo, às vezes, falo: “Ah, não acredito”, mas aí eu fico aqui contando a história pra vocês e fico cismada olhando pros [efeito sonoro assustador de criança rindo] lados, sabe? De aparecer essa criatura aqui pra me dizer que é verdade? E aí o que vocês acham que é isso? Vocês acreditam? Amanhã, história de amor, em homenagem ao podcast Afetos. Então um beijo e até amanhã.

[vinheta] Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta] 

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.