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título: bisnaguinha
data de publicação: 30/12/2020
quadro: picolé de limão
hashtag: #bisnaguinha
personagens: júlio, otávio e arnaldo

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei pra mais um Picolé de Limão, hoje pra contar a história do Júlio e do Otávio, quem me escreve é o Júlio. 

[trilha]

O Júlio conheceu o Otávio numa rede social, eles estavam na mesma página lá de uma causa e começaram a conversar num dos posts ali nos comentários e aí depois o Otávio mandou para o Júlio uma mensagem privada, e eles começaram a conversar. Conversa vai, conversa vem marcaram um encontro, os dois da mesma cidade e começaram a ficar, até aí tudo ótimo, né? O Júlio vinha de um relacionamento péssimo, então assim, ele estava super carente e o Otávio todo fitness, sabe aquele cara que toma whey, come granola, faz CrossFit? Todo da ginástica. E o Júlio — O Júlio é como eu — o Júlio gosta de comer batata. Eles tinham aí essa diferença de estilo de vida, que o Júlio não fazia nada, pra não falar que ele não fazia nada ele tinha uma amiga lá que quando fazia caminhada chamava ele. — Mas é aquela coisa, como eu assim, às vezes minha prima tá fazendo exercício ou me chama pra fazer alguma coisa junto o meu fôlego, já viu, né? [risos] e o do Júlio era igual. —

E o Otávio inicialmente nunca falou que isso seria um problema, né? E eles estavam se curtindo, estava tudo certo, e o relacionamento foi fluindo até que eles decidiram morar juntos, e aí as coisas começaram a mudar. Quando Júlio foi morar com o Otávio, ele que foi morar na casa do Otávio, ele já não podia, por exemplo, a casa era do Otávio, mas se ele chamou o Júlio pra morar, poxa, o cara também tem que ter algumas coisas dele, né? Então, por exemplo, se ele quisesse comprar um pacote de bisnaguinha. — [risos] Ai, gente, eu não aceito isso, sabe? A pessoa não deixar o outro levar um pacote de bisnaguinha pra casa? Sabe, Júlio, você achou que realmente ia ter futuro com um cara que não te deixa levar um pacote de bisnaguinha pra casa? Daquela de mandioquinha que é deliciosa? Não tem como, gente, dar certo. —

Então ele não podia levar a bisnaguinha, não podia, por exemplo, sei lá, levar um doce que ele quisesse, só se fosse escondido porque se Otávio visse já falava que ele estava acabando com a própria saúde, e o Júlio não é gordo, o Júlio tem um corpo ok assim, pra o que ele acha que é ok, entendeu? E a coisa foi ficando nesse pé. Então de manhã ele acordava, né? O Otávio já tinha acordado, já tinha feito lá as coisas que ele tomava, que ele comia lá com clara de ovo e não sei o quê, e aí ele já fazia, ele fazia o café da manhã do Júlio. — Aí vocês vão falar: “poxa, que romântico”, mas não, não era nesse nível. — Era assim tipo, ah, uma clara de ovo batida com… Eu vou falar aqui qualquer coisa, mas tipo, uma clara de ovo batida com aveia e chia e um suco verde, sendo que o Júlio só queria tipo, ah, um pãozinho com manteiga e um café com leite, sabe? Assim, uma pessoa que não é fitness. E aí se ele quisesse tomar um café e comer um pão com manteiga, ele tinha que ir na padaria. — Júlio por que você não ficou na sua casa? Não consigo entender. —

E aí no começo o Otávio falava pra ele que estava zelando pela saúde dele — Mas a gente já sabe o nome disso, né? — E aí a coisa foi ficando pior, na hora do almoço, por exemplo, se eles almoçassem juntos assim e fossem num self-service, ai do Júlio se pegasse dois tipos de carboidrato, sabe, o Otávio já ficava dando lição de moral, se ele pegou uma batata e um arroz fazia ele, sabe… Tipo, fazer a escolha no prato e deixar uma das coisas no prato. — Mas, ô, Júlio, enfia a batata na boca, mastiga e engole, entendeu? Vai deixar no prato porque o seu namorado mandou? Não dá também, né? — Depois das restrições alimentares começou o lance das ofensas, então aí ele falava assim pro Júlio “Olha como tá sua barriga, olha esse pneu em volta da sua cintura, isso é um pneu de trator, isso e aquilo.” — Super gordofóbico o Otávio. —

Depois das ofensas em relação ao corpo do Júlio, vieram as ameaças do tipo “Eu não gosto de namorar urso, eu não vou ficar com você se você continuar desse jeito”, depois das ameaças de romper, de ficar com outra pessoa, ele apontava outros caras com corpos mais parecidos com do Otávio que seriam ideais pra namorar com ele e não o Júlio. E aí o Júlio com a autoestima toda cagada foi aguentando isso, foi aguentando e não conseguia sair dessa relação abusiva, né? E chorava e comia bisnaguinha escondido, uma coisa péssima, mas ele gostava desse Otávio aí. E assim, enquanto ele estava namorando com o Otávio, ele conheceu alguns amigos do Otávio, entre os amigos do Otávio tinha um em especial. — Que a gente vai chamar de Arnaldo — Tinha o Arnaldo e o Arnaldo via aquilo e falava: “Júlio, por que você fica com ele? Eu gosto do Otávio, ele é meu amigo, mas como namorado ele é péssimo, olha o que ele tá fazendo com você, que isso que aquilo”, mas o Júlio ficava quieto e tal. 

E o quê que o Otávio fazia? O Otávio trabalhava numa importadora, então a cada três meses assim, ele ficava um mês fora, e tudo bem, eles se falavam, o telefone dele ficava desligado, mas assim, quando tinha wi-fi eles falavam pelas redes sociais, isso sempre, assim tipo, em um ano ele fazia umas quatro viagens. E aí numa dessas viagens, ele tinha acabado com o Júlio na frente de todo mundo, porque o Júlio ousou falar que gostava de nuggets, e aí, nossa, deu uma lição de moral e o Arnaldo ali ouvindo. O Arnaldo esperou o Otávio viajar e falou: “Bom, eu acho que tá na hora da gente ter uma conversa séria”. Uma coisa importante, no Instagram do Otávio era sempre assim com aquelas frases: “Se você se esforçar, você consegue”, “Você é o que o seu corpo é”. — Umas coisas bem idiotas, que eu não vou nem repetir aqui porque se você jogar na busca é capaz que acha de tão idiota, que só ele falava. Mas tudo assim, né? Como se ele, o corpo conquistado fosse um mérito e isso e aquilo. — 

E aí o Arnaldo chamou o Júlio pra conversar e eles foram numa lanchonete de fast-food. [risos] — Ai, Júlio, come batata frita à vontade meu filho. — E aí o Arnaldo contou uma coisa que o Júlio jamais — Jamais, jamais — esperaria. O Otávio viajava sim a trabalho, mas algumas vezes que ele viajava e ficava um mês fora, ele não saía de São Paulo, ele estava fazendo lipo. [risos] — Enfim, a hipocrisia, [risos] ele estava fazendo lipo, gente. — Então sabe todo aquele esforço, aquela coisa de não ter pneu, de não ter barriga? Era cano e aspirador, não tinha nada de força de vontade, sabe? — Olha esse cara, fazendo lipo… — Aí o Júlio falou que uma vez ele até lembra de alguns roxos assim nele depois de um mês, mas ele achou que era do CrossFit.[risos] — E era da lipo… — E aí o Arnaldo contou, e o Arnaldo falou: “Olha, se você falar pra ele que eu falei, a minha amizade com o Otávio vai terminar, eu não vou também te proibir de falar que fui eu, porque eu vou assumir qualquer responsabilidade porque eu não consigo mais te ver desse jeito, você não merece, e aqui tá o número do flat onde ele fica depois que ele opera e, se você quiser, aparece lá que você vai ver que ele tá lá todo enfaixado”. [risos] — 

O Júlio em choque, em choque, aproveitando também pra comer tudo que ele podia, [risos] resolveu que ele não ia enfrentar o Otávio, ia esperar o Otávio voltar, não ia lá no flat esperar o Otávio voltar e falar que sabia. Só que, nesse dia que eles conversaram, ele achou que o Arnaldo olhou pra ele diferente, o Arnaldo falou muito bem dele, o Arnaldo foi muito assim legal com ele, mas não era só isso assim, parecia que tinha mais coisa e aí ele já ficou pensando no Arnaldo… — Ai, meu Deus, ê, Júlio, né? Também precisa trabalhar essa autoestima porque nem saiu do Otávio ainda já tá de paixonite. — E aí ele esperou o Otávio voltar e confrontou… — Detalhe… — Ele comprou um pacote de bisnaguinha e deixou lá. — Eu ia colocar o título dessa história de maromba, mas eu acho que eu vou pôr bisnaguinha, porque bisnaguinha é muito símbolo dessa história? —

Aí ele deixou o pacote de bisnaguinha lá, o Otávio chegou, viu o pacote de bisnaguinha, mas ficou, assim, só olhou, acho que estava cansado, sei lá, e aí quando ele deixou as malas lá no quarto, as malas, tinha duas malas e voltou, o Júlio falou pra ele, falou: “Olha, eu recebi fotos, eu recebi prints”. — E é tudo mentira, né? — “Mas eu sei que você foi fazer uma lipo, e aí?”, a veia do pescoço do Otávio parecia que ia explodir, ele ficou ao mesmo tempo surpreso e puto. — Puto… — E aí ele não falou nada, ele ficou olhando pra cara do Júlio com ódio e falou para o Júlio assim: “Pega as suas coisas e sai da minha casa agora”, e o Júlio ficou meio com medo, né? Porque ele estava com uma cara péssima, mas não ameaçou de bater, né? Só estava com a cara horrível.

E aí o Júlio teve que fazer ali as malas, ele não falou nada, nem que sim, nem que não, né? Que tinha feito a lipo, e aí o Júlio pegou as coisas dele. — A gente tá falando de uma história que é pré-coronavírus, né? Antes da pandemia. — E aí ele pegou as coisas dele e foi pra onde? — Pra casa de Arnaldo. — Foi pra casa de Arnaldo e Arnaldo recebeu ele muito bem, ele ficou lá um tempo na casa do Arnaldo e, nesse tempo, eles se conheceram melhor e eles começaram a namorar, Arnaldo e nosso amigo Júlio. E aí era outra coisa, né? Ele podia comer bisnaguinha, [risos] podia comer o que ele quisesse, uma relação normal. Aí sim, né? Uma relação saudável, mesmo que ele comesse batata frita — Sempre — era saudável. E aí o Otávio, óbvio, ficou pê da vida e desconfiou que quem contou da lipo foi o Arnaldo, né? — Que o Arnaldo que deve ter dado a ficha. —

E aí, gente, o Júlio estava com o Arnaldo já há quase dois anos e aí veio a pandemia, lembrando, gente, o Otávio sempre foi amigo do Arnaldo e, mesmo depois que o Arnaldo começou a namorar o Júlio, Arnaldo e Otávio conversaram, Arnaldo explicou porque que contou a verdade, Otávio entendeu e eles continuaram amigos. Então amizade Otávio e Arnaldo era uma coisa, relacionamento Arnaldo e Júlio era outra. — Eu acho meio… Não sei se eu ia conseguir ficar perto do Otávio se eu fosse o Júlio, mas, né? — E aí o Otávio na pandemia perdeu o emprego porque ele trabalhava lá com importação, exportação e perdeu o emprego, precisou devolver apartamento e, adivinha, gente, onde ele foi morar na pandemia? Na casa do Arnaldo. — Ai, olha, não sei, se o Arnaldo sei lá, gostasse mesmo do Júlio ele… É que ele também é amigo do Otávio. Bom, enfim, foi morar lá. —

Foi morar lá no quarto de hóspedes e até que estava tudo certo, porque ali não podia falar das bisnaguinhas do Júlio, né? Não podia restringir nada. Um detalhe, como ele estava na casa do Arnaldo, obviamente, todos os comportamentos abusivos que ele tinha com o Júlio ele não apresentava. — Mas na minha opinião, é porque ele estava em outro ambiente, ele não estava no ambiente dele, mas para o Júlio… — Mas para o Júlio ele mudou. E aí vem a pior parte da história, o Júlio [suspiro] está voltando a se apaixonar pelo Otávio. — Gente, eu não consigo entender, não consigo entender — e o Otávio tá dando mole pra ele, tudo isso dentro da casa do Arnaldo. — Que eu acho uma falta de respeito com o cara que abrigou os dois, eu falei isso para o Júlio, falei: “Júlio, eu vou contar a sua história, mas eu acho que você tá errando demais”. —

Eu nem vou me alongar nesses pormenores, mas ele não ficou ainda de novo com o Otávio, mas estão de gracinha na casa do Arnaldo. — Muita falta de respeito. — E aí ele quer saber de vocês se ele deve largar tudo e dar uma chance para o Otávio, o Otávio já chamou ele, tipo, “Ah, vamos fugir”. — Vão fugir e vão morar onde? Porque vocês estão fazendo um bico aqui, um bico ali, mas vocês vão morar onde, né? E outra, poxa, o Arnaldo? — Aí agora o Otávio, olha só o que o Otávio tá falando, que o Arnaldo inventou a história da lipo só pra separar os dois, mas o Júlio sabe que isso não é verdade, porque na época não quis ir confrontar o Otávio, mas ele foi atrás, ele sabe que é verdade a lipo. Então, quer dizer, ele já tá sabendo que o Otávio tá mentindo e vai querer arriscar em nome do que nem ele escreveu lá pra mim “Ai, em nome do amor, será que eu não tenho que viver isso?”, que viver isso? Você não podia comer bisnaguinha, sabe? Você não podia comer bisnaguinha, e aí agora você quer voltar com esse traste? O anti-bisnaguinha, sabe? 

Então a minha opinião é: não. Cria vergonha, sabe, terapia online, faça. Não tem como voltar com esse Otávio. E a mancada que você tá dando com o Arnaldo. A amizade Arnaldo e Otávio eles que se entendam também, porque Otávio, pelo jeito, é um traíra de tudo quanto é lado, odeio. Então é isso, gente, deixem seus recados lá pro nosso amigo Júlio, sejam gentis, né? Sejam sensatos e amenos, né? Vamos levar isso aí com leveza. Mas é sério a história, né? Não tem que voltar com o Otávio. O Otávio não tem família? Vai morar com a mãe, sabe? Bom, é isso. Um beijo e daqui a pouco eu tô de volta, tchauzinho. 

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.