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título: mar azul
data de publicação: 30/04/2021
quadro: amor nas redes
hashtag: #marazul
personagens: mariana e seu joão

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Amor nas Redes, sua história contada aqui. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para contar uma história muito bonita para vocês, uma história de amor. E vou tentar… [risos] Porque vocês sabem que eu sou uma pessoa chorona, né? E hoje eu vou contar pra vocês a história da Mariana e do seu avô João, é a Mariana que me escreve, então vamos lá, vamos de história.

[trilha]

Antes de entrar na história da Mariana, eu preciso contar um pouquinho da história do Seu João. O Seu João ele sempre morou, a vida toda, numa cidadezinha do interior da Bahia. Então, assim, ele nunca foi de viajar, mesmo porque não tinha condições financeiras, né? Ele conheceu uma senhora, a Dona Rosa, se casou com a Dona Rosa, teve quatro filhos com a Dona Rosa e aí quando a dona Rosa teve o último filho, quando ele estava ali com um aninho, ela teve um problema de saúde e faleceu. E o Seu João ficou com uma escadinha de filhos, um de um, outro de dois, outro de três e outro de quatro. E ele — Foi a luta, né? — foi criar os filhos dele sozinho.

Então essa cidade era muito pequenininha, todo mundo ajudava, né? Foi criada ali uma rede de apoio para ajudar o Seu João. Ele não quis se casar de novo, ele gostava muito da Dona Rosa e ele foi criando os filhos dele, ali trabalhando na cidade. Seu João vendia milho, mas não coisas de milho, aquelas coisinhas gostosas de milho, não, ele vendia a espiga. — Que também é maravilhosa. — Vendia espiga de milho e vendia bem e tal e vivia disso, de vender milho. Tinha dia que dava melhor, tinha dia que era ruim e assim a vida foi passando. Os filhos foram crescendo, os netos vieram. Os filhos se casaram, né? Os netos vieram… E ele sempre falava da esposa que tinha falecido, da Dona Rosa.

Assim, o sonho dele era ter levado a Dona Rosa para conhecer o mar, eles queriam muito conhecer o mar, os dois. E aí ela faleceu e ele não pode realizar esse sonho, né? E aí ele tinha assim ele sempre gostava de folhinha, sabe esses calendários de colocar na parede? Com a temática do mar. Ele gostava de ficar olhando, gostava de ficar imaginando o dia que ele conseguisse ir ver o mar e tal… E aí os filhos crescendo também acabaram casando e ficando ali pela cidade mesmo, e aí vieram os netos. Vieram os netos, os netos foram crescendo… Entre os netos, a Mariana, a Mariana estudou, conseguiu vaga numa universidade federal ali na Bahia mesmo, mas em outra em outro lugar. Foi lá, se formou, conseguiu um bom trabalho, juntou um dinheiro e resolveu levar o avozinho dela — [voz de choro] Eu já tô chorando. — Pra conhecer o mar.

E nesse meio tempo, enquanto Mariana fazia faculdade e trabalhava, muitos anos ali se passaram e o Seu João, ele tinha ficado doente. Ele tinha uma rede de apoio dos filhos na cidade, ele era muito bem cuidado, mas o Seu João ficou diabético e, com o diabetes, veio a cegueira. Seu João ficou cego. Foi duro, né? Mas ele conseguiu se adaptar, então ele morava na casinha dele sozinho, um idosinho forte, sabe? Aqueles idosinhos forte, que faz tudo. Ele se virava super bem, cozinhava… Ele sempre cozinhou para os filhos, né? Depois que a Dona Rosa morreu, era ele quem cozinhava. Ele se virava muito bem, só que ele tinha ainda esse sonho de conhecer o mar, só que agora ele ficava mais triste que agora ele não poderia ver o mar, só sentir, chegar perto, entrar… Mas ele não poderia ver o mar.

Então, já era um ponto que deixava a Mariana muito triste, mas ela queria realizar o sonho do avô, porque a vida toda ela ouvia histórias que o avô dela contava sobre o mar, sem nunca ter visto, sem nunca ter ido perto… E aí ela conseguiu juntar grana ali para levar o avô dela numa praia. E aí não era perto, ela não tinha carro, mas conseguiu na cidade ali um assessor de vereador que tinha um carro e falou que podia ir com o carro… Que não era o carro da prefeitura, mas era um carro do assessor. Tudo assim, a cidade se mobilizou meio que para realizar isso do Seu João, porque todo mundo sabia que era o sonho dele conhecer o mar.

E aí eram horas e horas de carro, uma viagem longa, mas o Seu João era muito forte… E lá foram eles. Mariana falou que Seu João parecia uma criancinha de cinco anos assim, ele queria que fosse contando tudo para ele do que estava acontecendo na estrada, onde eles estavam… E a Mariana ia narrando tudo pra ele. A viagem foi longa, mas foi divertida ele contou “causos”, eles riram e chegaram. Finalmente era o dia que o Seu João ia conhecer o mar. Eles chegaram na cidade muito tarde, e aí a Mariana tinha reservado um hotel para os dois. O cara que tinha levado eles, voltou de viagem, não ia ficar mesmo, e aí ela falou pra ele: “vô, amanhã a gente vai pra pra praia, né?”

Só que, assim, era um hotel que estava uns dois quarteirões da praia e o Seu João, como ele agora não conseguia enxergar, ele tinha um ouvido muito bom. Ficou mais aguçado, né? Você vai treinando… E ele conseguia ouvir o mar, e ele conseguia sentir o cheiro. Então ele ficou doido assim, ele falou: “quero ir agora, quero ir agora”, mas como estava a noite, ela falou: “Não, agora noite não dá”. Aí eles foram para o quarto, quarto duplo ali e Seu João a noite toda falando e perguntando pra ela quantas horas faltava ainda pra eles irem para a praia, que ele queria ir pra praia, porque ele não ia para a praia de cueca — Ele chamava sunga de cueca. — ele ia de bermuda, porque ele tinha trazido a bermuda dele, porque isso, porque aquilo…

E aí ele dormiu muito pouquinho, Mariana também não conseguiu dormir, né? Porque o avô dela não parava de falar. [risos] E aí no outro dia cedinho, seis horas da manhã, Seu João não quis tomar café, nada, tomou os remedinhos dele ali, comeu um pedacinho de queijo e lá foram eles para a praia. E aí, assim, ele não conhecia nada dali da cidade, então pra andar pelas calçadas com o Seu João, já era mais difícil, porque ele ficou estabanado, ele queria muito chegar na praia. Então foi aquela luta para Mariana ir guiando o avô até à praia… Chegou no calçadão ali, ela falou: “Vô, agora a gente vai descer aqui, o senhor vai botar o pézinho na areia e a gente vai até o mar”.

E a hora que o Seu João botou o pézinho dele ali na areia, ele começou a chorar. Ele não aguentou e ele caiu de joelhos ali na areia da praia. — O grande sonho da vida dele era esse. — Aí a Mariana ficou ali com ele, ele muito emocionado… Ela ajudou o Seu João a levantar, quis brincar um pouco com o pézinho na areia, e aí falou: “filha…” — Ele chamava a Mariana de filha. — “Filha, me leva até a água”, e eles foram caminhando ali devagar, ele sentiu a areia úmida e aí já começou a gritar: “Mariana, Mariana, eu estou ouvindo as ondas… Tô ouvindo as ondas”, e foi andando devagarinho, molhou e ficou só até a canela ali de água… Mas ele ficou tão emocionado, tão emocionado que a Mariana ficou com medo. Eles ficaram um pouquinho, e aí eles saíram da água. E tinha um lugar ali que alugava as cadeiras e tal, e ela foi falando pra ele: “Vô, o senhor precisa ficar mais calmo. A gente está aqui, tá no mar… A gente vai ficar aqui dez dias e o senhor vai poder curtir tudo. Vamos com calma, né?”.

E ele ficava falando que ele não conseguia ver os peixinhos, mas que ele sabia que tinha peixinho… — E ali na orla não dava para peixe. — Não tinha peixe, mas aí ele falava tanto disso que a Mariana falava: “sim, os peixinhos estavam ali perto do senhor”. E era o que ele queria, o sonho dele era aquele mar azul que ele via nas folhinhas, nos calendários. E como ele não enxergava mais, era aquilo que ele estava vendo, né? Ele estava sentindo o cheiro do mar, estava sentindo a água, o sol e estava tudo perfeito. Esse primeiro dia foi mais complicado, porque a Mariana ficou com muito medo assim, dele ter um treco. E ele diabético, só tinha comido um pedacinho de queijo… Aí voltaram pro hotel para ele tomar café, pra medir glicemia e a Mariana muito preocupada. Mas aí deu tudo certo, eles voltaram pra praia e era muito difícil tirar o Seu João da praia. E ele curtiu tudo o que ele podia curtir. Tudo.

E aí eles fizeram alguns passeios, a Mariana ia descrevendo as coisas para seu João, as pessoas do passeio… Porque o Seu João é um senhor muito simpático, um senhor muito alegre, e as pessoas iam descrevendo as coisas, né? — Porque quando você vai em passeio assim, vai mais gente, né? Você contrata o passeio ali e vai mais gente. — E as pessoas iam descrevendo também as coisas pro Seu João, e aí ele ganhou conchinha… Parecia uma criancinha mesmo, ele estava muito feliz. E, com oito dias que eles estavam ali na praia, — Fazendo tudo certinho, medindo glicemia, tudo… — ele começou a falar muito da Dona Rosa. “Porque a Rosa tinha que estar aqui, porque a Rosa…” Desde o começo, né? Ele falava que “a Rosa tinha que estar aqui, eu tinha que ter conseguido trazer a rosa, porque isso…” E aí começou a contar as histórias de como ela conheceu a Rosa, que ele estava vendendo milho e que ela odiava milho, e aí ele foi oferecer milho pra ela e ela disse que não, que ela odiava milho…

E ele ficou intrigado, tipo, uma moça que odeia milho? Como alguém odeia milho? Ficou meio ofendido… [risos] E aí eles começaram a conversar, ela a explicar ali porque ela não gostava de milho, e aí rolou um namoro e eles se casaram… E ele ficava contando as histórias da Dona Rosa e, no oitavo dia, ele começou a dizer que a Dona Rosa estava naquele mar. Ele sentia que a Dona Rosa estava ali, ele sentia o cheiro da Dona Rosa. E eles fizeram os passeios, eles voltaram para o hotel, todo mundo do hotel já amava o Seu João, porque tudo o que ele fazia de passeio, ele voltava contando e eram mil coisas e ele sempre dizia que: “ah, não, hoje eu tenho certeza que o mar tá muito azul”, e não tava… Não era uma área de mar que era azul, mas para ele era tudo azul, ele não enxergava… — E era azul, gente, era felicidade. —.

E aí, no nono dia, já estavam em todos os passeios programados, a noite o Seu João já quis saber para onde eles iam, o que eles iam fazer, que isso e aquilo… E ele beijava muito assim a Mariana, abraçava muito… E ela estava muito feliz de ter conseguido realizar esse sonho do avô, né? E ele falou pra ela: “Mariana, eu não vou embora daqui, não. Vai dar dez dias, você pode ligar lá, falar para venderem minha casa, que eu quero uma casinha aqui. Eu quero morar na praia”. Ele ficava falando isso, que ele não ia embora. E aí no nono dia, quando a Mariana acordou, que ela foi acordar o seu João… Não conseguiu acordar o Seu João. Seu João tinha falecido. [voz de choro] Seu João morreu dormindo, gente.

A Mariana disse que estava com uma cara ótima, assim… Do jeitinho que ele dormia, ele dormia de barriga para cima assim, com a cabeça meio de lado e roncava. Foi uma noite que ele não roncou e, de manhã, quando ela foi chamar ele para ir para os passeios, geralmente ele já estava acordado, ele dormia muito pouco, ele queria passear. E aí ele tinha falecido no hotel. E foi uma correria, né? Um trauma pra Mariana, porque, por mais que ela tenha feito tudo, não era isso que ela esperava. E como tinha sido no hotel, tinha sido em outra cidade, foi pedido legista e tal, enfim… Alguém lá da cidade do Seu João também ligado a um vereador conseguiu essa liberação do corpo, conseguiu levar o corpo pra cidade. O velório do Seu João teve muita comoção assim, todo mundo gostava muito dele e ele foi enterrado no cemitério da cidade e a Mariana ficou traumatizada, óbvio. Com tudo.

Eles tinham conversado muito na noite anterior, ele falou muito da Dona Rosa e falou muito que não ia embora, que não queria ir embora, que queria ficar naquela cidade. E a Mariana ficou com isso na cabeça. E aí Seu João foi enterrado, mais uns anos ali se passaram, a Mariana terminou os cursos que ela estava fazendo por aí, casou, voltou para a cidade com o marido, ela não tinha filhos ainda. Hoje ela tem dois. E ela voltou na época que seria… — Lá na cidade do Seu João, o cemitério é público, então você fica um tempo enterrado e… Igual aqui na minha cidade. Depois exuma e, se a família não quiser comprar um túnel particular, vai pro ossuário geral. É assim que acontece. — Depois da exumação do avô, ela conseguiu levar os restos mortais, os ossos dele para uma cidade que tinha crematório.

O Seu João foi cremado e a Mariana voltou naquela praia, se hospedou naquele hotel com o marido dela e jogou as cinzas [voz de choro] do Seu João no mar. Ele não tinha pedido isso pra ela, nem sabia, nem imaginava… Não rolou esse papo de: “Ah, se eu morrer…”, mas de um ano antes dela fazer isso, ela vinha sonhando demais com o Seu João. Demais. E ele falava no sonho, — Provavelmente coisa na cabeça dela, né? Vocês sabem que não acredito muito nisso… — falava que ele queria voltar lá… — Pera aí, já volto, gente… Voltei. — Ele falava que queria, no sonho, ele falava que queria voltar na praia que eles tinham ido, porque agora ele conseguia enxergar de novo e, se ela levasse agora ele lá, ele ia ver o mar. E aí, nossa, ela ficou atormentada com isso, ela passou um ano guardando dinheiro e ela conseguiu cremar o Seu João e jogar as cinzas dele no mar que ele tinha conhecido.

E ela falou: “Andréia, eu tenho certeza, meu avô tinha um cheirinho gostoso assim, de idosinho gostoso… Quando eu joguei as cinzas dele, eu senti o cheiro do meu avô o dia todo assim. E a gente ficou na praia, a gente ficou conversando sobre ele, porque o meu marido não chegou a conhecer e eu fiquei contando as histórias do que tinha acontecido ali na praia…” E aí parece que o ciclo fechou, né? Infelizmente quando a Dona Rosa morreu não tinha recurso nenhum, ela foi aí pra um ossuário geral, porque se eles tivessem uma sepultura particular, provavelmente ela tinha cremado a avó também e levado a avó.

E aí, é uma coisa muito bonita, é que a mãe dela, os irmãos, os filhos do Seu João deram as alianças, a aliança do seu João e aliança da Dona Rosa que o Seu João guardava com muito amor assim, pra Mariana. E aí quando ela casou, ela casou com as alianças do avô e da Dona Rosa. E aí outro dia eu volto aqui pra contar a história de amor da Mariana e do marido, que também é uma história muito bonita, que tem as alianças do Seu João — E Dona Rosa — e que eu faço questão de contar para vocês num outro dia. Então é isso, Seu João foi ficar no mar, que era onde ele queria ficar.

[trilha]

Assinante 1: Meu nome é Matheus, eu moro na Flórida, nos Estados Unidos. E eu gostaria de agradecer a Mariana, imensamente, por ter compartilhado essa história conosco, por ter nos permitido entrar para a família dela, nem que seja através dessa história. Foi muito especial, foi muito emocionante e eu espero que, eu seja para os meus avôs, um pouco do que a Mariana foi pro Seu João, com todo esse amor, carinho e dedicação. Um abraço, Mariana. Fica bem.

Ei, Mariana, aqui é Jaque. Jaqueline de Belo Horizonte. Eu só tenho a dizer que seu avô, literalmente, morreu de felicidade. Que história bonita, que forma linda de fechar o ciclo. Fiquei muito emocionada, obrigada por compartilhar essa história conosco.

Déia Freitas: Um beijo e eu volto em breve.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Amor nas Redes é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.