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título: sem amor
data de publicação: 26/05/2021
quadro: ficção da realidade
hashtag: #semamor
personagens:  alyesha, boris e zhenya

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Ficção da Realidade. [vinheta]

Déia Freitas: Oi gente… Cheguei. E cheguei pra uma novidade, vocês lembram lá atrás, ano passado que eu falei pra vocês de um quadro chamado “Ficção da Realidade”, que eu tinha criado pra gente dar uma pirada? Contar umas histórias de ficção, com uns finais interativos, a gente até fez um teste no começo do ano passado, não sei se vocês lembram. Então, esse quadro vai começar hoje, tô bem animada e não começo sozinha, obviamente, que meu parceiro querido Telecine tá junto comigo nessa. E o Telecine me convidou pra escolher mais um filme pra contar pra vocês, e dessa vez eu escolhi um filme meio tenso assim, um filme que fala de relações familiares, de abandono, um filme duro, sabe? Um filme de muito desamor assim, inclusive, o nome do filme é “Sem Amor”, é um filme russo, indicado a vários prêmios, é um filme importante, e que dá pra levantar vários debates assim, várias questões. Então eu vou contar um trecho desse filme pra vocês e, no final aqui do episódio, além de ter aquele link mara do Telecine, né? Pra quem quiser aí um mês de assinatura grátis, duas pessoas, dois assinantes aqui do canal que vão dar aí as sugestões de final pra esse filme, o que eles acham que aconteceu, ou que eles gostariam que tivesse acontecido nesse filme. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]

Bom, esse filme Sem Amor, ele trata ali da relação de um casal que está se divorciando, é a Zhenya e o Boris, e o filho deles de doze anos, um garoto chamado Alyesha. O casal ainda mora junto, apesar de já ter relações paralelas, então a Zhenya namora um cara cheio da grana, um cara mais velho e que já tem filhas criadas crescidas e tal, e o Boris tem uma nova namorada que tá grávida, então ele meio que se divide entre o apartamento dessa mina e o apartamento que ele tem com Zhenya e o filho Alyesha. E logo no começo do filme eles colocam o apartamento pra vender, já dá pra ver a relação que a Zhenya tem com Alyesha, que é péssima, ela trata ele muito mal. — Muito mal, você percebe que não é uma coisa assim, só por causa do divórcio… — É o jeito que ela trata ele mesmo, ela não tem o menor sentimento pelo Alyesha, e o Boris por outro lado, é um cara meio sonso, sabe? Que também não é um cara bacana assim, mas que meio que espera que a Zhenya tome as piores decisões assim, que faça a parte suja das coisas. 

Logo no início do filme eles tem uma discussão, além da venda do apartamento, eles só tem uma pendência, qual que é a pendência deles? Quem vai ficar com o Alyesha, o Boris não quer ficar com o Alyesha, muito menos a Zhenya, e ele insiste pra que ela fique porque ela é mãe, ele diz que: “Ah, vão comentar, nã nã nã”, e ela diz que não, que ela já fez muita coisa que ela não queria e que o Alyesha ia pra um orfanato. E aí eles começam ali a ter uma discussão de quem vai contar para o Alyesha que ele vai pra um orfanato, porque ela fala que: “Ah, ele vai pra um orfanato, ele tá com doze anos, ele vai ficar uns anos lá e depois já tem o exército. Ele vai acostumar”. E é uma relação que assim, gente, não tem o menor afeto ali, primeiro que eles se ofendem, eles não têm respeito mais, nenhum, um pelo outro. E, pelo andar do filme, a gente percebe que parece que nunca tiveram assim, além de só daquele início de namoro, depois a coisa foi ladeira abaixo. 

Só que enquanto eles discutem quem vai contar pra ele que ele vai pra um orfanato, já que a mãe da Zhenya também não quer ele, o Alyesha está atrás da porta ouvindo e ele ouve tudo… E ele passa, gente, a noite chorando, chorando sentido assim, uma coisa… — Nossa, só de lembrar assim, até o meu couro cabeludo arrepia, quando eu fico mal assim, eu tenho esse arrepio no couro cabeludo. — E aí ele passa a noite chorando, de manhã ele tá na mesa tomando café, né? Pra ir pra escola e a Zhenya tá em pé, o Boris já tinha saído pra trabalhar, e aí ele não tá com fome, né? E a Zhenya fala: “Ah, o que você tem?” — Mas é muito assim, é uma relação muito tosca. — E ele fala que ele não quer comer, que ele tá bem, e aí ele pega o casaco dele e tá um inverno… — É russo, é um filme russo. — Um inverno, um inverno… Ele pega o casaco dele, a mochila dele e vai pra escola. 

E aí depois que o Alyesha vai pra escola, a gente conhece as relações paralelas do casal. Tem a Zhenya com esse cara rico que trata ela muito bem, eles tem uma vida paralela muito boa, de muita cumplicidade, de muito sexo e a Zhenya, — O Alyesha é um menino — a Zhenya fala pro cara assim, que quando ela era criança, ela amou a mãe dela, e aí foi crescendo, a relação foi se desgastando e hoje em dia elas se odeiam, e que a única pessoa que agora ela estava percebendo que ela amou na vida era esse cara, então assim, nem o Alyesha… — Ela não fala nem do Alyesha, do filho, né? — Que o único amor da vida dela era esse cara que ela estava agora. E do outro lado, tem ali uma boa relação do Boris com essa nova namorada que tá grávida e eles também tem uma vida que parece de muita cumplicidade, de sexo, então quando você vê o Boris e a Zhenya juntos você fala: “Meu, que horrível, né? Que casal horrível, realmente não tem que ficar junto”, e quando você vê os dois separados ali levando relações paralelas, você fala: “Bom, parece que estão se acertando”, só que os dois querem começar uma vida nova e ninguém quer o Alyesha, porque o Alyesha faz parte de uma vida que eles não querem mais, e pra eles é muito fácil e dispensável o filho. 

E isso é muito dolorido de se ver assim, que realmente eles não têm amor pelo Alyesha. E o Alyesha aparece um menino doce, um menino bacana assim, né? É o que dá pra perceber. Além disso tudo, o Boris ainda tem mais uma questão, ele trabalha numa empresa que os donos são religiosos, então quem é divorciado, quem é separado, não trabalha lá, eles demitem. Só que aí os funcionários tem um esquema, porque nunca que eles sabem quem é a esposa, quem não é, então o Boris ia ter que apresentar essa nova namorada dele como se fosse a esposa de sempre e que estava grávida e tal, e também nessa vida nova, — De mentira da empresa — o Alyesha também não cabia… E aí, — Pra vocês terem uma ideia — o Boris já não dormia todos os dias na casa, mas aí a gente percebe que também a Zhenya passa algumas noites com esse cara rico que ela tá namorando, e o Alyesha fica sozinho no apartamento. 

Então depois desse dia que a gente vê o Alyesha saindo triste, arrasado indo pra escola, passa-se um período de dois dias. E aí o telefone toca, quem tá ligando? A professora da escola, a diretora da escola, alguém da escola do Alyesha pra perguntar porque que fazia dois dias que ele não ia na escola, porque além dos dois não ficarem o tempo todo em casa, quando eles chegavam ninguém ia ver se o Alyesha estava no quarto, se não estava, dar um beijo de boa noite… — Nada, gente. — Então eles só perceberam que o Alyesha tinha desaparecido quando a escola ligou. E aí começa um empurrar para o outro e eles começam a procurar o Alyesha, então eles vão na delegacia, a delegacia também pouco se importa porque fala que: “Ah, ele já é um garoto de doze anos, vai ver que fugiu, vai ver que tá, sei lá, no centro aí fazendo pequenos furtos”, então a polícia não dá muita atenção também. 

E os dois ficam nessa briga, porque o Alyesha ter desaparecido acaba que meio que atrapalhando a vida nova que eles criaram, né? Que eles têm. E aí eles começam a procurar o Alyesha, tem um detalhe também que a Zhenya ela não sai do celular nunca, então quando ela tá discutindo, quando ela tá falando com Alyesha, quando ela tá quebrando o pau com o marido, quando ela tá com o cara que ela gosta, não importa, ela tá sempre no celular, então a maioria das vezes que você vê, ela tá olhando pra tela. — É uma coisa que poxa, a gente meio que faz também hoje em dia… — E isso começa a incomodar também, essa relação da Zhenya com o celular… — É o tempo todo. E aí eles começam a procurar o Alyesha e nada, não acham de jeito nenhum, e aí tem um grupo de voluntários, que eles fazem buscas por pessoas desaparecidas, e aí é esse grupo de voluntários. — Nesse grupo de voluntários que eu fiquei um pouco esperançosa, tipo, de encontrar o Alyesha logo ali, lá na primeira meia hora do filme. —

E aí esse grupo começa realmente a fazer um trabalho sério pra procurar o Alyesha e, às vezes, dá a impressão que o cara que é o coordenador desse grupo de buscas, quando ele liga para os pais, pro Boris ou pra Zhenya, que ele tá incomodando, tipo… — Sabe? Fica uma coisa no ar do tipo “Ah, procura aí o Alyesha e tal”. — E aí o filme vai se desenrolando, tem a Zhenya que vai procurar o Alyesha na casa da mãe, e é uma relação horrível e ela também fala que nunca que ela ia querer aquele garoto, enfim, e aí ela vai embora. E tem mais uma discussão com o marido no carro, é horrível. Ele põe ela pra fora do carro e vai embora, ele não tá nem aí, ela também não tá nem aí. E o filme vai se desenrolando nisso, gente, assim, mostrando a vida paralela deles e procurando, essa equipe de busca procurando o Alyesha e o Alyesha tem só um amigo, então esse amigo do Alyesha diz que eles tinham um esconderijo na floresta e tal, e podia ser que o Alyesha estava ali. 

E aí eles vão procurar, é uma hora também que a gente fica com muita esperança de encontrar e também com aquela preocupação, tipo, vai encontrar o Alyesha como? Como que ele já tá? Porque já passou alguns dias e estava muito frio, né? E aí a gente fica naquela tensão e é um filme desconfortável. E aí passa mais um tempo e nada do Alyesha. Aí esse Boris, que a namorada dele estava grávida, você vê a criança brincando ali já com, sei lá, uns dois aninhos e a criança tá brincando, eles já se divorciaram, né? Então a Zhenya já mora com esse cara rico e o Boris mora, casou com aquela que era namorada dele. E a criança já tinha nascido, e aí a criança tá brincando com ele, ele tá assistindo TV, a criança tá tentando brincar com ele e ele se irrita, pega a criança e põe no cercadinho, praticamente joga a criança E aí você percebe que pelo lado da mãe, não, mas a relação que ele vai ter com esse novo filho, provavelmente vai ser igual que ele tinha com o Alyesha. E aí a gente fica naquela, né? Cadê o Alyesha? Cadê o Alyesha?

Aí tem uma cena do IML, que é único momento que, sei lá, parece que a Zhenya tem lampejo assim de humanidade, mas é muito rápido também, e o filme vai se desenrolando assim, gente, nessa vibe de… Cara, desconforto, de desamor, de relações péssimas e truncadas. Com uma criança no meio, uma criança que está desaparecida e a gente quer encontrar, e a gente quer abraçar, e aí eu vou até aí com vocês nesse filme. E o quê que vocês acham que aconteceu com o Alyesha? Ele é encontrado? Como ele é encontrado? Onde ele estava esses anos todos? Passaram ali uns dois anos. E, nossa, é um filme que é assim, a hora que acabou, eu fiquei um tempo assim olhando para o teto, sabe? E eu não sei, eu acho que todo mundo tem que assistir esse filme. O nome do filme é “Sem Amor”, tem no Telecine, eu comecei assistir legendado e tive muita dificuldade porque eles falam rápido, né? Tive dificuldade com a língua mesmo e as legendas ficaram rápidas, e aí tem dublado, então eu assisti dublado, comecei com ele legendado e assisti dublado, recomendo que assistam dublado. E agora eu vou deixar pra vocês aí, dois finais de dois assinantes que comentaram sobre o filme.

[trilha]

Assinante 1: Oi Déia, aqui é a Larissa e eu falo de Curitiba. Bom, do pouco que eu conheço do cinema russo eu percebo que os diretores e diretoras não tem pena das pessoas que vão assistir o filme, muito menos dos seus protagonistas, então costumam ser firmes bem duros, né? Eu imaginei três finais, um deles é que encontram a criança morta mesmo, e ela deve ter morrido de frio ou de fome, e aí imagina um final com um velório bem pequeno, impessoal, sem muito sentimento mesmo… Como se a família tivesse fazendo aquilo pra cumprir um protocolo, e aí vão pra sua casa e continuam levando suas vidas. O segundo é que não tem desfecho, não descobrem o que aconteceu e também não continuam pesquisando, ou procurando, porque quando uma criança desaparece, as buscas só seguem por muitos anos quando a própria família continua indo atrás, né? E pelo que você fala não é esse o caso, eles não parecem estar realmente preocupados em descobrir o que aconteceu com o filho deles. 

E, por último, eu imagino um plano subjetivo, que é quando a câmera simula, né? O olhar daquele personagem, e a gente vê pra onde ela tá olhando, vê através dos olhos da personagem, ou a câmera assim num plano over the shoulder, quando ela se posiciona logo atrás junto dos ombros da personagem, e a gente vê esse rapaz olhando pra aquela casa e vendo que o ciclo continua se repetindo, assim como ele foi uma criança sem amor, sem carinho, sem nenhum tipo de atenção do pai e da mãe, essa nova criança que eles tiveram também tá tendo esse tipo de tratamento. Então é isso, eu acho que o filme, de alguma forma, acaba mostrando que apesar de terem perdido um filho, a vida deles continua do mesmo jeito, eles não aprenderam nenhuma lição e não mudaram seus comportamentos. Não é muito otimista, mas é realmente o que eu acho que aconteceu. Agora eu vou assistir o filme pra ver se eu acertei ou cheguei próximo. Um beijo, tchau.

Assinante 2: Oi, gente. Aqui é a Ina da Alemanha e, assim, eu sou fã de finais felizes mesmo assim, daqueles forçados, tipo filme de super-herói à novela mexicana, sabe? Mas assim, como esse quadro é Ficção da Realidade, eu fui procurar a realidade sobre crianças desaparecidas e, pra Rússia, eu encontrei uma estimativa de 2016 sobre esses casos, cerca de quarenta e cinco mil desaparecimentos de crianças e adolescentes ao ano, no Brasil eu achei uma estimativa de que entre 2018 e 2020 oitenta e duas mil pessoas desapareceram e, desse total, quarenta por cento são crianças e adolescentes. Obviamente estima-se que há uma grande subnotificação em relação à esses dados. Baseada nisso que eu pensei no meu final, e ele tem três partes… Na primeira delas, o Boris e a nova família vão desenvolver uma relação cada vez mais fria, mais distante, ele vai perdendo o interesse na esposa com o passar dos anos e vai ficando cada vez mais indiferente em relação a essa segunda criança. A mãe então vai se apegar um pouco mais ao filho de forma que ao menos entre eles haja esse laço de amor, mas a terceira ponta desse triângulo, o Boris, ele continua nessa relação apenas por conta do trabalho dele, e o filme, de repente, sugere que o Boris tenha uma ou outra amante, mas assim, que ele não consegue criar laços afetivos verdadeiros. 

A segunda parte, pra mim, a Zhenya teria uma vida feliz, normal assim, ela e o namorado estão bem, vão morar juntos, estão satisfeitos com a vida que eles levam e assim como na cena do… Como chama? Do Instituto Médico Legal, por assim dizer, às vezes e bem rápido, quando as filhas vêm visitar o pai, ela se pega pensando como a Alyesha estaria crescido ou como seria se, de repente, ele aparecesse, mas assim, como se ele fosse uma lembrança de algo que passou há muito, muito tempo, e logo esse pensamento também já desaparece. E a terceira parte, pra mim, o Alyesha continua desaparecido, ninguém mais procura por ele, se ele está vivo, se ele já morreu, não faz diferença alguma na vida das outras pessoas e, na verdade, as únicas pessoas que se importam com ele somos nós, que vimos essa história e que ele ainda vai nos visitar por muito tempo, sempre que nós fomos parar pra pensar. Quantos Alyeshas ainda estão por aí nesse mundo? Sem rosto? Sem identidade? E sem amor? 

Déia Freitas: E é isso, gente, vamos assistir, depois vamos comentar lá no grupo, porque assim, eu queria muito conversar sobre esse filme, sabe? É um filme que eu comecei assistir assim, não esperando muito, eu não gosto de ler crítica antes de ver o filme, nada, então eu só li ali a sinopse e falei: “Bom, é um filme sobre uma criança desaparecida, um suspense, então… Um suspense com drama, então vamos ver, né?”. E, nossa, saí assim olhando para o teto, passada com várias questões e querendo conversar sobre. Então se vocês quiserem conversar comigo sobre o filme Sem Amor, a gente tem um grupo no Telegram e é isso, gente. Eu espero vocês, um beijo. 

[vinheta] Ficção da Realidade é um quadro do canal Não Inviabilize [vinheta] 

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.