Skip to main content

título: trigêmeos
data de publicação: 09/06/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #trigemeos
personagens: júlia e um cara

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi gente, cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão e hoje eu vou contar pra vocês a história da Júlia. Na semana passada, no Twitter, eu estava ali comentando algumas coisas que estavam passando ali na timeline, e acabei convocando aí as mães cansadas pra que elas me escrevessem sobre a relação delas com os filhos, com os maridos, ou ex-maridos, enfim. E eu recebi bastante história de mãe cansada, então é uma história de mãe cansada que eu vou contar pra vocês, a história da Júlia. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]

A Júlia conheceu aí uma criatura, um cara, numa festa de casamento de uma amiga dela, e aí assim, né? Tudo lindo no começo, eles começaram a namorar e aí depois de dois anos eles casaram. E, nossa, a Júlia estava no céu, né? O cara era perfeito. A Júlia tinha acabado de terminar a faculdade, tinha conseguido um emprego bacana e o cara começou a pedir um filho pra ela, “Não, porque a gente tem que ter um filho, porque meu sonho é ter um filho, um filho, um filho”, e aí a Júlia falou: “Bom, eu também quero ter um filho, mas eu não queria agora”, “Não, porque a gente tem que ter filho logo, pra gente ser pais novos, nã nã nã”, os dois ali na casa dos vinte e cinco anos, e aí foi que foi que foi um ano, e eles não conseguiram, né? A Júlia não engravidava. Aí ele começou a falar que a Júlia devia ter algum problema que ela tinha que ir no médico e a Júlia sempre foi à ginecologista dela, né? A cada seis meses certinho ela ia, e ela sabia que não era nada com ela, e aí ela começou a falar pra ele ir no médico, e aquela resistência ele não queria ir porque não queria, acabou indo e acabou descobrindo que o problema ali, a questão médica estava nele. 

Mas tudo bem, era uma coisa que dava para resolver, — Dava para resolver como? — ali com uma gravidez assistida ali, com uma inseminação, só que isso custa dinheiro e eles não tinham dinheiro, então o quê que eles fizeram? Eles fizeram um empréstimo pra poder financiar aí essa meta dos dois, porque até então era dos dois, a Júlia queria mais pra frente, mas ela também queria um filho, né? E aí fizeram um empréstimo, um empréstimo no nome da Júlia, porque a Júlia estava com o melhor salário ali, nã nã nã” e tudo perfeito. Júlia engravidou, a gravidez foi correndo, ali no pré-natal eles descobriram que a Júlia ia ter trigêmeos, então veja só, o cenário muda, né? — Você sair de um bebê para três bebês. — Mas era tudo felicidade, era tudo o que a criatura queria, três crianças. [efeito sonoro de bebê chorando] E aí nasceram, nasceram lindos, fortinhos, três bebezinhos, duas meninas e um menino, três bebezinhos. E nossa, as duas mães, a mãe dele e a mãe dela ajudaram, então foi menos difícil, mas pra Júlia foi muito difícil porque ela não tinha leite para os três enfim, as coisas iam sendo resolvidas — Porque assim, né, gente? Vai aparecendo coisa, você vai resolvendo e vai levando ali a vida como nova mãe, novo pai. —

Dois meses, no segundo mês aí as mães já voltaram pra suas casas e a Júlia ficava sozinha durante o dia com os três, — Imagino a correria — e a noite que o presente de Deus — A criatura — devia ajudar, né? — Ajudar, não é ajudar, né? É fazer a parte dele como pai, 50% do trampo. — O cara falava que chegava cansado e que precisava dormir. E aí a Júlia foi ficando ressentida e cansada também, né? E ela não dava conta, porque às vezes, ela falou pra mim: “Andréia, às vezes chorava um, e aí os outros dois acordavam, e era uma choradeira”, ela falou que teve dia de vizinha dela, vizinha, vir ajudar no meio da madrugada porque viu que ela não estava conseguindo, estava desesperada e a vizinha bateu na porta e falou: “Eu vim te ajudar”, porque o traste que queria tanto ser pai não ajudava. — Não ajudava. — E aí com três, três meses — Três meses… — de bebês nascidos o cara foi embora, a alegação dele é que ele sempre quis ser pai, mas ele não achou que fosse ser desse jeito. — É fácil assim, né? — Que ele achou que não fosse ser desse jeito, que o juiz podia determinar a pensão que fosse vinculado ao salário dele ali que ele pagava, mas que ele não conseguia mais viver naquele ambiente — Palavras dele — que não tinha harmonia. 

E o que era não ter harmonia? “Ah, os bebês choram demais”, “Ah, porque quando dá comida pra um tem que trocar a fralda de outro”, “Ai, eu não, não dou conta, não dou conta dessa dinâmica”. — É fácil assim, né? “Ah, quero filho, quero filho, quero filho”. — E aí o cara voltou pra casa da mãe, a mãe morando em outro estado, então quer dizer, ele não acompanhou o crescimento dos bebês, ela ficou com o empréstimo sozinha, não conseguiu pagar mais, ficou com o nome sujo, não conseguiu pagar o aluguel porque ele saiu e parou de pagar o aluguel e falou que ia pagar a pensão que o juiz determinasse, ela teve que sair do apartamento e voltar pra casa da mãe dela com os três bebês, isso ali, em um mês isso, no quarto mês já estava toda encalacrada sozinha. E aí foi a mãe dela e a irmã dela que ajudaram a criar as crianças e esse cara passou nove anos sem ver os filhos. — Nove anos. —

Aí veio forte aí Facebook, Instagram, e aí ele quis fazer post de reencontro com os filhos. — E fez, porque ele tinha direito, né? De encontrar os filhos. — E foi muito curtido, muito aplaudido como pai. E aí um detalhe, gente, agora eles estão morando novamente na mesma cidade e ele ficaria com as crianças a cada quinze dias. — Sabe o que ele faz quando chega a vez dele de ficar com as crianças? — Ele vai lá na casa da Júlia, ele fica um pouco com os três e pra casa dele ele só leva o menino, as meninas ele fala pra Júlia que não precisa, que as meninas é melhor ficar com a mãe, então as meninas elas ficam muito chateadas assim… — Muito tristes, né? — E o menino vendo as irmãs tristes ele não quer ir também. E é assim que esse pai retornou aí pra vida das crianças, ele faz vários posts no Facebook, no Instagram, faz as fotos quando ele chega na casa da Júlia, então se você olhar o cenário é sempre a casa da Júlia. — Porque ali ele está com os três. —

E aí faz textos de como ele é um pai abençoado, nunca deu problema de pagar pensão, mas por outro lado é um cara que trata os filhos desse jeito assim, só com fotinho no Instagram, não tá nem aí pras meninas, nem aí mesmo. E já chegou a falar pra Júlia numa das discussões que eles tiveram em relação a isso… — Porque hoje as crianças estão grandes, elas não dão trabalho pra ele, ele pode muito bem levar os três. — Ele já falou pra Júlia que ele só queria um filho, que os outros dois ele não pediu, como se a Júlia tivesse tido trigêmeos de propósito aí pra atrapalhar a vida do bonitão. E é isso. [suspiro] A Júlia — Com toda razão — tem muito ódio desse cara porque ela vê os posts e só ela, e a mãe dela, a irmã dela sabem o que foi criar trigêmeos, porque não deve ser fácil, né, gente? Aí ele fica pedindo foto das crianças bebês, ela não dá, ela fala: “Ué, você não estava aqui, por que você não estava aqui pra tirar as fotos? Eu não vou te dar foto nenhuma”. — Aí sabe o que esse cara faz? — Agora ela trancou todas as redes, mas ele pegava as fotos das redes dela, das crianças de bebês pra postar com textinho de “Ah, como é ser pai de trigêmeos”. — Daqui a pouco tá aí com um blog de pai de trigêmeos. — Pai que ele nunca foi. Eu teria tanta coisa pra falar, mas eu não vou falar porque eu tenho medo de ser processada. Então eu queria que vocês acolhessem a Júlia no nosso grupo, muitas mensagens de amor porque é o que ela merece. 

[trilha]

Assinante 1: Olá, o meu nome é Cíntia, eu falo do Rio de Janeiro. Que presentinho de Deus, hein, Júlia? Bem, se eu estivesse no seu lugar, gravaria um vídeo e postaria nas redes sociais contando a verdadeira faceta do papai, fica a dica. 

Assinante 2: Oi, meu nome é Priscila, eu sou do Goiás. E olha, eu sou mãe de duas crianças, duas meninas, cada uma de um relacionamento e eu super entendo a Júlia. Porque no primeiro relacionamento, quando eu engravidei da minha primeira filha, ela agora tem treze anos, né? Eu era muito nova, tinha vinte anos e eu não queria ser mãe, porque eu sabia que o fardo da maternidade, reconheço que até hoje é, é muito pesado, e aí eu ouvi do pai dela de que eu não tinha amor pela minha filha porque eu não queria ser mãe, e isso não era verdade… Então eles sempre querem os filhos, mas na hora de cuidar eles não cuidam. Agora ele visita a menina obrigatoriamente a cada quinze dias porque o juiz determinou, esse é o padrão dos homens que querem ser pais, que querem ser super pais, mas só são pra postar na internet mesmo. 

Déia Freitas: E é isso, gente, até breve.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta] 

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.