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título: engajado
data de publicação: 01/09/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #engajado
personagens: lúcia

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente. Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão. E assim, indignada. — Indignada, [fungando o nariz] um pouco resfriada — Bom, hoje eu vou contar pra vocês a história da Lúcia e um cara aí. — Não vou dar nome pra esse cara, então já viu, né? — E a Lúcia é quem me escreve, então vamos lá, vamos de história.

[trilha]

Bom, a Lúcia conheceu aí — Uma criatura — um cara numa ação social, ela foi com uma amiga dela entregar uns alimentos e esse cara estava lá, ele fazia parte dessa ação e ele estava lá todo envolvido, recebendo as coisas, nã nã nã. Aí precisava de gente, né? De voluntários pra ficar lá também e ajudar a organizar, e ela e a amiga acabaram ficando. E aí a Lúcia conheceu esse fulano, eles trocaram telefones ali, no mesmo dia ele mandou mensagem falando que “Nossa, ela era muito gata, que ele ficou feliz que ela foi”. — Ele nem conhecia ela, nunca tinha visto, nada… — Que “Ah, muito legal conhecer gente na mesma vibe que eu, nã nã nã”, “Vamos sair”, e aí a Lúcia também estava interessada, né? E ela topou sair com esse cara e eles começaram a ficar. E aí ele era muito engajado. — O engajadão, sabe? — Ai, o engajadão, tudo que tinha de ação social ele fazia, ONG que ele participava, ele chamava a Lúcia, e aí eles começaram a namorar sério. 

E passaram realmente aí a namorar e a Lúcia conheceu várias pessoas com quem ele trabalhava nessas ações sociais e tal, e o namoro foi correndo. Um ano de namoro, um ano e meio de namoro, até que ele e a Lúcia, eles vão participar de uma ação que era pra arrecadar brinquedos ali e outras coisas pra crianças com câncer, e a Lúcia ficou muito mexida, muito mexida… — Quem não ficaria, né? — E ali dentro dessa ação tinha várias ONGs e vários grupos de várias coisas, e ela fez amizade, viu tudo que tinha ali, conheceu algumas questões que ela não sabia, não tinha ideia e tal, e passou. E ela ficou com isso na cabeça, que era uma causa que ela queria atuar mais, né? — Ali, que era a questão das crianças com câncer. — E ele achou o máximo, né? — Ele achou o máximo. — Porque era tudo que ele queria. E a Lúcia ali super envolvida, resolveu fazer uma coisa que era muito importante pra ela. — Além de ser um ato de desprendimento, ia ajudar uma outra pessoa. —

A Lúcia foi lá, pegou o cabelo dela que era no meio das costas, foi num cabeleireiro, fez uma trança, cortou e doou. — Eu já fiz isso, já tive o cabelo bem curtinho e é muito bom, gente, é bem libertador assim, né? — E nossa, ela ficou muito feliz. Além de ter ficado muito linda de cabelo curtinho. Naquela ação que ela foi, ela tinha conhecido outras ONGs, e tinha uma ONG que fazia peruca pra crianças com câncer e era exatamente isso que ela queria. E aí ela entregou o cabelo dela mega feliz e ela postou, né? Ela de cabelo curto, foi aquela coisa, né? Todo mundo “Nossa, que linda, não sei o quê…” — Ela fez uma produçãozinha, né? Um batom legal e tal. — E aí, assim que o fulano viu a foto da Lúcia, ele pegou o telefone e ligou pra ela. — E aí vocês vão pensar “Nossa, né? Ligou e falou: “Ah, que legal o que você fez” — Porque ele era o engajadão, né? — Lembrando que a gente está falando aqui do engajadão — Não, gente. — O engajadão simplesmente estava aos berros no telefone “O que você fez? Você cortou o cabelo sem falar comigo?” — Oi? [riso] Como assim? “Sem falar comigo?” — “Sem eu ter opinado, eu odiei. Você tá ridícula”, — Desse jeito… — aos gritos no telefone. 

E a Lúcia não estava esperando mesmo. — Como que você vai esperar um negócio desse óbvio? É óbvio que, ah, pode ser que seu namorado não goste de você de cabelo curto e eu vou dizer pra você que o problema é dele se ele não gosta, foda-se ele. Tem muito cara que é assim, né? Inclusive eu já namorei um que falava que “Ah, se você cortar o cabelo não vou gostar de você”, [risos] amado? Mas aí na prática, né? Quando eu cortei o cabelo o cara continuou comigo, achou bonito, não falou nada, porque também se não quisesse continuar, é um problema só dele, eu não estou aqui pra servir de… Sei lá o que pra homem nenhum. Não gostou do meu cabelo, paciência, né, amore? — E ela jamais pensou nisso, né? Ainda mais vindo do engajadão, né? E ela tendo cortado o cabelo ali pra uma causa muito bacana, né? Que era pra fazer uma peruca pra uma criança com câncer, então tipo, o que o cara tá gritando? 

E aí ele falou horrores, horrores pra ela… — Olha só as ideias… — “Que mulher tinha que ter cabelo comprido”, — Os argumentos — “Que ele gostava de pegar ela pelo cabelo”. — Olha, vou nem falar nada… — E falou um monte pra ela, desligou na cara dela. — Aos gritos… — E aí ela ficou abalada, né? — Porque você não tá esperando uma atitude escrota dessa, né? Do cara que você namora faz tempo, e que ela já até… Ela falou pra mim assim: “Déia, eu já até tinha comentado com ele que eu queria cortar pra participar, né? Pra doar meu cabelo, na época ele meio que deu uma risadinha só assim, mas não falou nada, mas mesmo se ele tivesse falado ‘Não faz’, eu ia fazer, porque era uma coisa que eu queria. Então ele não ia conseguir me parar”. E aí, gente, este homem passou três dias sem falar com ela, sem atender ligação, sem mandar mensagem, sem nada. E aí depois de três dias, esse fulano apareceu. Esse fulano apareceu e ele apareceu com ideias. — Porque lógico, né? Que ele não tinha ideias… Qual que era a ideia dele? — Qual que era a ideia dele? — que ela colocasse cabelo, colocasse um mega hair. — Sério? —

Que ela colocasse cabelo, porque ele não estava… — Olha só que fofura… — Ele não estava conseguindo ver a Lúcia com aquele cabelo curto, parecia que ele nunca tinha namorado com ela, que ele nunca tinha estado com ela. Por quê? Porque ela cortou o cabelo. Então ela mudou, né? — Virou outra pessoa? Olha só… — E aí que ele estava angustiado e que ele já tinha visto lugares que botava cabelo. E ela… Ela ficou tão assim, atordoada, que ela cogitou botar cabelo. — Ela cogitou. — E aí ela foi conversar com a mãe dela, falou: “Mãe, então, o fulano lá, ele tá me pressionando, falou que não me reconhece mais como namorada de cabelo curto, quer que eu coloque cabelo, não sei o quê”, aí a mãe dela falou: “Lúcia, ouve as suas palavras, veja se tem algum cabimento, um cara que te namora, pedir pra você botar cabelo porque você cortou o cabelo querendo cortar o cabelo e ele tá assim”, a mãe dela falou assim pra ela: “Então, você foi lá, você viu as crianças que precisavam de peruca e tal, e você foi lá e ajudou. Agora imagina você, Lúcia, se você fica doente e perde os cabelos, esse cara vai ficar com você? Se a importância que ele dá para os cabelos, você acha que esse cara vai ficar com você? Eu acho que é nisso que você tem que pensar. E ele tá ameaçando terminar com você porque você não vai colocar uma extensão de cabelo?” — E, gente, palavras de mãe, né? Palavras de mãe pelo amor de Deus, tem coisa que a gente tem que ouvir e tem que parar pra pensar, né? — 

Só que a Lúcia ela gostava muito dessa criatura e ela não tinha força pra terminar. E aí ela arrastou, gente, mais três meses de namoro com esse cara, falando que ela estava ridícula, que o cabelo dela era feio, que ele não tinha tesão nela. Então esse tempo todo que eles ficaram juntos depois que ela cortou o cabelo, ele não encostou mais nela. — Então nem era um namoro, né? — E aí ela chegou num dia que ela ficou muito pê da vida, que ele falou um monte pra ela e chamou ela de “João”. — E ela, sabe o que ela fez? — Fez um post numa rede social aí contando o que estava acontecendo com ela. — Tipo, explanou o cara lindamente assim, e aí gente… — Toda aquela… Aquela vibe dele de ação social, de carinho, o engajadão, veio por terra, porque a partir desse post, 4 meninas procuraram a Lúcia e eram meninas que estavam envolvidas com ele. Enquanto ele namorava com a Lúcia ele tinha mais esses 4 relacionamentos. — De-ta-lhe… — Sendo que 3 — 3, 3, 3… — Das meninas tinham o cabelo curto. — É, elas tinham o cabelo curtinho, três delas. — Só uma que não tinha, tinha o cabelo mais assim, no ombro, e só a Lúcia que tinha o cabelo comprido e cortou. 

E aí quer dizer, ela conseguiu descobrir num desabafo que ela postou e ela pensou até em apagar depois, mas nem deu tempo, porque ela descobriu que esse cara tinha várias namoradas — Várias namoradas… — por aí. E aí pra cada uma ele falava uma coisa, né? E ele participava de várias ações, em vários lugares e ele engajava todas as namoradas nas ações. — Como ele fazia com a Lúcia. — E ele falava pra todas que elas eram únicas, né? Que ele estava namorando firme, uma era do interior… Sabe assim, espalhadas? Como que o cara consegue ter 5 relacionamentos? Um já é difícil manter, né? Mas como eles colocavam num pedestalzinho de pessoa que faz muita ação social, que é o engajadão, que é o ser iluminado, ninguém questionava, tipo, ninguém sabia também, mas ninguém assim, achava estranho algumas atitudes que ele tinha, né? Porque nossa, dava a vida pelas causas que ele milita, né? — Militava, sei lá. —

E aí ali ela já sabia que ela não ia voltar mesmo, ela não apagou o post, ele pediu pra ela apagar, ela não apagou, porque… Bom, porque ele é um cretino, né? E aí a gente pensa: Acabou. O tempo passou, 2 anos o cabelo da Lúcia cresceu e, a partir do momento que o cabelo da Lúcia cresceu, esse infeliz… — Provavelmente devia estar monitorando as redes dela — escreveu pra ela, que “Ah, que já tinha se passados dois anos, que ele tinha evoluído muito, que ele era uma nova pessoa, que agora ele sabia dos erros dele”. — Só agora, filhão? — “E que isso, que aquilo…” e pediu mais uma chance pra Lúcia, óbvio que a Lúcia não deu e bloqueou ele em todas as redes. Mas olha a cara de pau, cheio dos relacionamentos, se relacionando com outras meninas de cabelo curto, mas a Lúcia ele fazia da vida dela um inferno. Olha, eu não quero nem comentar mais. 

[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, pessoal. Nossa, porque que homem é assim, né? Eu já tive um namorado, e eu nunca me importei com o que ele fazia no cabelo dele, até quando ele quis descolorir pro réveillon, eu ajudei e ficou horrível. [risos] E mesmo quando eu não gostava de um corte, eu guardava todos os comentários pra mim, porque eu entendo que o cabelo é dele. Aí quando eu decidi começar a minha transição, eu cortei o cabelo na altura do ombro, até porque eu nem tinha o cabelo muito comprido e antes de cortar eu comentei com ele, ele disse: “Ah, mas se você cortar muito curto eu não vou gostar”, “Ah, porque a mulher tem que ter cabelo comprido”, nossa, eu fiquei puta, porque eu nem tinha pedido opinião. Aí passou uns quatro meses, a gente terminou e a primeira coisa que eu fiz foi cortar o cabelo mais curto ainda. Todo o meu processo de transição também foi um processo de livramento desse traste. 

Assinante 2: Oi Déia, meu nome é Camila, eu falo aqui de São Paulo e eu queria deixar um recado, dizer que isso é um claro sinal de uma pessoa tóxica, de um relacionamento abusivo, quer dizer, o cara fazia com a direita, né? E descobria com a esquerda… Muito feio. É… Até suja, né? A imagem de outras pessoas que fazem trabalho voluntário seriamente, enfim, mas a questão maior aqui é que ele não é uma pessoa de confiança, né? Ele te traía, te enganava e além de tudo ainda queria mandar em você, em como você deve se comportar e isso é inadmissível. Um beijo, viu? 

Déia Freitas: Então é isso a história, boa semana. Um beijo.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.