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título: servente de pedreiro
data de publicação: 13/09/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #servente
personagens: anderson, namorada e família da namorada

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para mais um Picolé de Limão. E hoje eu vou contar para vocês a história do Anderson. [risos] — Ê, Anderson. — Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]

O Anderson conheceu uma mocinha no cursinho e, assim, eles se interessaram, começaram a sair, a coisa foi ficando séria e o Anderson pediu a mocinha em namoro. E, ah, felicidade, “agora tenho uma namorada, ela é super fofa, ela é super incrível” e nã nã nã. E aí chegou o dia de conhecer a família da mocinha. E lá foi o Anderson, né? — Ele tinha 19 anos na época, essa história tem um pouco mais de 10 anos. — E ele se arrumou todo para conhecer a família da mocinha… 

Chegou lá, conheceu a mãe da mocinha, que era uma dona de casa, o pai da mocinha que era um cara forte assim, um pedreiro e o irmão da mocinha de 10 anos, também um menino, assim, alto para a idade, sabe? Parrudinho. E aí, assim, a família recebeu ele super bem, nossa, foi super bem. Só que a menina morava longe, — Bem longe. — E aí o Anderson tinha que ir e voltar no final de semana, sábado e domingo para ver a menina e tal na casa dela porque durante a semana ele já trabalhava, ali com 19 anos ele tinha um emprego assim que ele andava muito… — Então era cansativo, né? — E de final de semana ele ainda tinha que ir namorar na casa da mocinha. 

Até que um dia ele chegou num sábado, tipo na hora do almoço assim na casa da mocinha e o pai da mocinha chamou o Anderson e falou: “Olha, eu sei que é cansativo para você ir e voltar, por que você não dorme aqui? Você pode dormir no quarto do Parrudinho”. E aí esse é um detalhe. A casa da menina era uma casa grande, eram três quartos, uma sala grande, uma copa grande, cozinha… Porque o quintal era bem grande. Só que a casa não tinha acabamento e estava faltando, numa parte da casa, subir a laje. Porque o cara era pedreiro então ele foi construindo a casa aos poucos. — Como muitos pedreiros fazem, né? Trabalha mais na obra dos outros do que consegue trabalhar na obra em casa. —

E aí qual era a ideia desse cara? — Porque era tudo no térreo. — Era ainda subir, bater a laje ali e fazer mais andares em cima, então ia ficar super grande. E que ele queria fazer em cima? Porque a casa embaixo já era suficiente, era grande, mas não tinha acabamento, nada, precisa ainda pôr o piso, estava só no contra piso… — Aquele cimento no chão. — A ideia dele era subir pra em cima fazer dois apartamentinhos, um pra mocinha e outro pro Parrudinho. — Que é um menino de 10 anos… Como o o Anderson gostava muito de frisar, um menino bem alto para a idade dele. —Era essa a ideia do pai, o objetivo do pai. 

Aí como cada um tinha seu quarto ali o pai falou: “Olha, você pode dormir aqui, desde que seja no quarto do Parrudinho”, e o Anderson achou ótimo porque aí ele não precisava ficar indo e voltando, né? E podia ficar o final de semana com a namorada dele, curtindo. Ótimo. Chegou o próximo final de semana, lá foi Anderson, fez a mochilinha dele e foi pra casa da mocinha. Chegando lá na casa, tipo, umas duas horas da tarde do sábado e, assim, era tudo muito simples na casa da mocinha, mas muito acolhedor. Então ele chegou nesse sábado, já botou a mochila dele ali e o pai da mocinha falou para ele assim: “não, você vai ficar aí todo trocado? Bota uma roupa de ficar em casa”. — Eu sei que a maioria que me ouve deve ser classe C também, mas eu sei que deve ter aí alguns ricos entre nós e eu vou explicar uma coisa para os ricos: a gente [risos] tem roupa de ficar em casa e roupa de sair, essa é a real. A gente não usa roupa de sair, roupa boa para bater, pra ficar em casa, para lavar um quintal, para ficar andando ali pela casa. Não. A gente tem um roupais mais assim… Puída, sabe? Uma coisa mais do dia a dia que é para ficar em casa e, que talvez, você tenha aquelas de ficar em casa somente, que aí já é o final da roupa. É uma roupa que dali ela vai para o pano de chão. E você tem a roupa de ficar em casa, que dá pra você ir até o mercado, mas se for para sair e ir para um lugar mais longe, você não vai, você vai só no bairro. Então a gente tem categorias de roupa, o pobre é assim. E pra sapato é a mesma coisa. — 

Então o pai da mocinha falou “vai pôr uma roupa de ficar em casa, né? Vai ficar aí sentada no sofá com roupa boa?”, e aí ele foi, trocou de roupa e botou ali uma bermuda, uma camiseta e um chinelo que ele tinha levado. Quando ele ia voltando para sentar no sofá, [risos] o pai da mocinha falou: “bom, vem cá, deixa eu te mostrar um negócio”. E aí mostrou pro Anderson ali a parte de trás do terreno. —  Porque como eu disse, a casa tava sem acabamento, né? E o acabamento é a última coisa que você faz na casa. —  E ele mostrou ali que ele tinha, ele mesmo, pedreiro, tinha uma máquina de misturar cimento, que é uma coisa mais cara… Então isso é um upgrade assim, uma facilidade na vida do pedreiro. —  O Anderson tava me explicando, né? Quando você tem uma máquina de bater massa, você já precisa de menos ajudante, porque já tem ali a máquina que bate a massa pra você e tal… Você só vai enchendo as latas ali porque não tem ninguém para encher a lata, não existe uma máquina que encha chata e suba lata na laje pra você, a lata de cimento… —

E aí mostrou a máquina de misturar de misturar cimento, e a máquina estava misturando e tal… E aí ele falou: “é bom que que você tá aqui agora de final de semana que você vai poder me ajudar”. [risos] E aí o Anderson que também vinha ali de uma realidade pobre, né? Classe C, mas que nunca tinha ajudado em nada dessa coisa de pedreiro, ficou meio assim, né? Ele pensou: “Como que eu vou ajudar se eu não sei nada?” Aí o cara falou pra ele, falou: “Poxa, vamos me ajudar. A gente tá com a máquina aí, a gente enche umas latas, sobe um pedacinho da laje…” E o Anderson que nunca tinha trabalhado como pedreiro, como servente de pedreiro, nada, ficou ali na dúvida, tipo: “meu, vou estragar as coisas e tal”, mas o cara falou e ele foi e fez. 

Aí tá lá ele tentando fazer as coisas, né? Porque não sabia nada, e o pedreiro super rápido ali… Falava pro Anderson: “Vai lá, pega a pedra”, “levanta isso aqui”, “carrega essa lata”. — E, assim, é um trabalho pesado, né? — E no sábado o Anderson ficou morto. Morto, morto, morto… Mais aí à noite eles pediram uma pizza, e aí o Anderson ficou feliz porque estava ali com a menina que ele gostava. Beleza. No domingo, quando foi sete horas da manhã lá estava o pai da mocinha chamando o Anderson. [riso] Ele já estava dormindo no chão, né? Porque colocaram um colchão ali pra ele no chão, e era um colchão que o Anderson falou: “meio fino ainda”. [risos]. 

Não foi uma noite boa de sono, né? E aí sete horas da manhã o pai da mocinha já estava chamando ali o Anderson pra ajudar de novo. E aí, gente, resumindo: todo final de semana o Anderson ia pra lá para ser o servente de pedreiro do pai da mocinha. — E aí ele contando pra mim do de 10 anos, do Parrudinho, que ele tinha que carregar aqueles carrinhos de mão cheio de pedra. — O menino de 10 anos que já parecia que tinha uns 13, 14 o Anderson falou, queria sentar junto com as pedras, tipo assim, em cima do carrinho de mão ali como se ele fosse brincando de Rei Leão. [risos] 

E o Anderson falou: “Andréia, era um peso… Um peso… Eu tinha que carregar esse carrinho de mão com o menino em cima. Se eu falava que eu não ia carregar com ele, ele chorava… Um inferno”. E, gente, era todo final de semana isso. O Anderson ficava praticamente o dia todo com o pai da mocinha e só a noite de sábado e domingo com a mocinha. E ainda assim a mocinha queria ver série, mal beijava ele, mal ficava com ele assim. E aí ele ficou nessa rotina por um ano. — Um ano. — Quando deu um ano eles já tinham levantado a parte de cima da casa, que tinha, inclusive, cada casa eram dois apartamentinhos com banheiro e tudo, bem feitinho. [risos] — O Anderson disse que caprichou, né? Ele aprendeu bastante também, mas nunca na vida tinha sido intenção dele, né? De ser pedreiro. — Nesse um ano ele continuava fazendo cursinho, a mocinha já não tava no mesmo horário que ele, enfim… 

E aí ele falou: “bom, se eu passar para a faculdade, se eu passar no vestibular e tal, eu vou ter que dar um jeito de falar que não vou mais ajudar”. Só que a obra já estava ali na fase de acabamento, eles já estavam assentando azulejo, já tinham passado massa corrida ali em algumas partes da casa por dentro, já tinham também colocado piso… [risos] E aí quando faltava só o acabamento de fora, que era uma coisa que era mais preocupante assim, o próprio pai da mocinha falou que não ia contar com o Anderson porquê… — É só com andaime ali e é mais complicado, né? E aí, sei lá se o Anderson cai, enfim… — Então ele faz tudo que era por dentro, inclusive subir o andar de cima o Anderson ajudou. E quando eles terminaram de assentar o último azulejo ali — Já tinham feito em cima e agora estavam fazendo na casa mesmo, que eles moravam, que a mocinha morava. — 

O pai da mocinha fez ali um churrasquinho de comemoração e tal, só eles mesmo ali e comemoraram. A casa ficou muito bonita mesmo. Isso era um sábado e eles comemoraram… No domingo, que foi a primeira vez que o pai da mocinha não chamou mais ele, porque já não tinha mais o que ele ajudar, né? Agora só faltava ali o acabamento da parte de fora da casa que ele ia contratar um servente pra fazer. No domingo, quando ele acordou, que aí já acordou às 9 horas, delicia, né? Que ele saiu do quarto ali Parrudinho do Rei Leão, a menina já estava com uma cara estranha, e ele já falo: “ih, será que eu fiz alguma coisa, né? Não fiz nada. Pô, ontem a ente comeu pizza, estava tudo bem”… 

Aí chegou ali na hora do almoço, ele almoçou, foi tudo bem. Depois do almoço a mocinha chamou ele ali fora, no quintal e terminou. [efeito sono de piano] Ela terminou com ele. E o Anderson falou: “Eu não tô entendendo, tava tudo bem até agora, como assim terminar?” E aí ela falou pra ele: “ai, já vem de um tempo, eu já não tô gostando tanto de você. E agora eu quero focar nos estudos e tal, você também vai agora focar nos estudos e eu acho melhor a gente terminar”. E aí o Anderson ficou com a nítida impressão, por mais que ninguém falasse, que ela esperou só terminar a obra. [risos] — Que filha da puta. [gargalhando] — Esperou terminar a obra pra encerrar ali o namoro com o Anderson. 

Enquanto o Anderson passou um ano e pouco servindo ali o pai dela, trabalhando de servente de pedreiro, ela não pensou em terminar, assim que acabou a obra que aí o Anderson já estava craque em ser servente de pedreiro, falou que ele estava até mais forte assim, com o corpo definido, [risos] a menina terminou com ele. Aí ele ficou arrasado. Foi conversar com o pai da mocinha, porque agora ele já estava mais assim amigo do pai da mocinha e o pai da mocinha falou: “É, é assim mesmo. Bola pra frente, tem que tocar a vida.” — O que o pai dela não está errado, é assim mesmo, bola pra frente. Tem que tocar a vida. —

Assim parece que a família toda, até o Parrudinho, o menino alto tava assim, todo mundo olhando pra ela, tipo: “bom, agora que ela terminou com você, pega sua mochilinha e vaza”. Aí, gente, ele foi embora, tentou depois falar com ela uma ou duas vezes e ela não quis. E acabou. O namoro do Anderson durou exatamente o tempo que ele trabalhou na obra do pai da menina. [risos] E até hoje ele se sente explorado, obviamente, né? Porque, pô, ele tinha que ter tido um salário, né? De servente de pedreiro. Ele falou: “PÔ, tudo bem que todo mundo ali era pobre, mas eu também sou pobre”, e trabalhou de graça um ano e pouco. 

Então essa é a história do Anderson, a gente riu muito, porque agora ele já superou, mas na época ele ficou arrasado, né? Porque ele gostava da menina… Ele falou: ” tanta carriola que eu carreguei com aquele moleque em cima, cheio de pedra, tanta lata de massa, cimento… Pra isso, né?” Então fica aí a lição. Você vê, até numa classe C, seque você fala: “não vai ter isso, não vai ter essa exploração aí de mão de obra”, [riso] Sendo que a profissão de pedreiro já é uma profissão difícil, né? E aí o Anderson falou isso: “Andréia, se a profissão de pedreiro é uma profissão difícil, você não tem ideia do que é a profissão de servente de pedreiro”. — Que foi o caso dele. — Ele fazia mais o grosso, né? Porque quem sabia ali trabalhar mesmo era o pai da mocinha. 

Perceberam que eu não dei nome para família toda, né? Porque eu achei que, pô, foi muita sacanagem, né? A família toda foi sacana com o Anderson, eu acho. Mesmo de colocar ele pra trabalhar todo final de semana, um rapaz de 19 anos que não tinha ali como falar não, né? Você fica ali meio sem jeito por ser muito novo e tal, e acabaram aí explorando o Anderson por, sei lá, um prato de comida em uma pizza à noite, né? Que a real era essa. 

[trilha] 

Assinante 1: Oi, Anderson, aqui é a Daniela [inaudível] Londres. Não acredito que tenha sido de propósito desde o começo, acho que ela realmente se interessou por você, mas o pai interferiu, né? Jogou um verde ali e você colheu. Às vezes o cara fez isso para você realmente não ficar tão interessado na filha, achando que você ia largar, mas enfim, você não largou… E no momento que ela perdeu interesse, o pai, provavelmente, aconselhou ela a continuar e ir levando, só até você terminar na casa dele. E essa família pilantra, mas pelo menos você saiu sarado, com uma profissão e com esse aprendizado de vida que agora você está passando aqui pra gente. Graças a isso eu vou incorporar no meu imaginário a seguinte frase: “Não seja voluntária de…” Complete com o quee achar mais apropriado. Não seja voluntário de macho, não seja voluntário de, sei lá, o que quiser. 

Assinante 2: Oi, gente, meu nome é Bruna, sou aqui de São Luiís do Maranhão. E eu acabei de ouvir essa história e estou revoltada. Que família sacana. Ainda bem que a Déia não deu nome pra ninguém, porque ali ninguém merecia um nome. Mas Anderson, tu deixou que durasse um ano, Anderson? Eu tô chocada. Mas assim, serviu como aprendizado para você tanto, né? Tanto no aprendizado que o pai da menina deu pra você, como também o aprendizado de que: coloque limites nas pessoas. Aprenda a colocar limites, né? Outra coisa: os sinais estavam ali, de que possivelmente ia terminar com você, só que você não quis enxergar. Ou não sei… Né? Ela não beijava mais tanto você… E quando a pessoa não está na mesma vibe a gente percebe… Então é isso, fica bem e beijo pra vocês. Até a próxima. 

Déia Freitas: Então fica aí a lição, viu, gente? Não tem que ficar trabalhando aí pra sogra, para sogro, namorado, namorada, não, tá bom? Um beijo e eu volto em breve. 

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.