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título:  amor profundo
data de publicação: 08/10/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #profundo
personagens: ronaldo

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão, e hoje eu vou contar para vocês a história do Ronaldo. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha] 

O Ronaldo ele gosta muito, muito, muito de jogar futebol. — Sabe essas coisinhas de alugar quadra, e aí você forma equipe e jogar, sei lá, duas vezes na semana e nã nã nã… — E o Ronaldo é um cara que joga muito bem e é fissurado por futebol. E aí ele alugava essas quadras, né? E ele estava em três equipes, gente, de tão solicitado o Ronaldo. — Três equipes. — E aí, vai, de terça ele jogava em uma, de quinta ele jogava na outra e de sábado na outra. E aí na equipe de quinta-feira ele conheceu um cara… Conheceu um cara, percebeu o cara olhando muito para ele assim, meio que dando mole e o Ronaldo é o cara que há muito pouco tempo se assumiu gay, então ele tinha várias questões dele e tal. — E eu já falei aqui o quanto eu acho horrível gente que tenta tirar outras pessoas do armário. Então cada um tem seu tempo, né? —

E o Ronaldo não estava preparado para se assumir aí na sociedade como um homem gay. Então, nessa época, ele fazia ali o hétero no futebol, porque fora dali ele já namorava alguns caras, mas no futebol, como era um meio ali super hétero, — Segundo o Ronaldo — ele não queria dar essa pinta. Mas de repente tinha esse cara olhando muito para ele, né? E ele falou: “puts, será?”, não quero dar essa brecha aqui e tal, vai me complicar, o futebol… Mas o cara estava sempre olhando ele ali de uma maneira… — Sensual. [risos] 

Aí um dia o Ronaldo estava indo embora e tal de carro e esse cara tava de carro atrás dele. E a buzinou, o Ronaldo não conhecia o carro dele, o Ronaldo não parou, né? E mais pra frente o cara ultrapassou o Ronaldo, meio que parou do lado e falou: “oi, sou eu e tal, dá uma encostada” [efeito sonoro de carro]. E aí o Ronaldo encostou, eles começaram a conversar ali dentro do carro do Ronaldo mesmo e acabaram se beijando. E aí, assim, o Ronaldo meio que ficou apaixonado por esse cara, e esse cara também tinha essa questão de se dizer hétero ali no meio do futebol. Tanto o Ronaldo quanto esse cara nunca tiveram um relacionamento com mulheres e tal, mas ali no meio do futebol eles não queriam assumir. — Que eles eram gays. —

E eles tinham uma vida, assim, discreta. O Ronaldo disse que, tipo, na firma dele ninguém perguntava se ele tinha namorada, se ele tinha esposa, nada, ele fazia o trampo dele e evitava esse tipo de pergunta e tal, que ele realmente não queria tocar no assunto e beleza. E aí eles começaram a namorar escondido. — Esse cara e o Ronaldo. — E o Ronaldo cada vez mais apaixonado ao ponto de falar: “não, agora eu acho que eu tenho que me revelar mesmo e assumir pra sociedade que eu sou gay”, de tanto que ele estava apaixonado por esse cara. 

E esse cara ele tinha uma frase, [risos] ele sempre falava assim pro Ronaldo: que o amor dele pelo Ronaldo era um amor profundo. “Ai, tudo, porque, não, o meu amor por você é um amor profundo”. E toda vez que o Ronaldo ouvia isso dava aquele frio na barriga, enfim, tô sendo amada e nã nã nã. E uma das conversas que eles tiveram — E que partiu deste cara. — foi assim: que como eles não eram assumidos e o relacionamento dele era escondido, esse cara gostaria que o Ronaldo não saísse com mais ninguém. — Então ele queria um namoro monogâmico. — Ele foi direto em relação a isso e foi muito claro, ele falou que ele não curtia relacionamento aberto e nã nã nã, que ele queria o Ronaldo para a vida toda, só pra ele, porque ele tinha um amor profundo. — Então tá, né? — 

Esse amor profundo aí foi crescendo, eles passavam praticamente a semana juntos, assim, um dormindo na casa do outro. — Ambos moram sozinhos, né? — Ambos morando sozinhos ali… E era um relacionamento que o Ronaldo falou: “Andreia, eu era praticamente casado com esse cara, né?” e o futebol rolando. Futebol e futebol e amor profundo… — E nã nã nã, é tudo perfeito. — Até que um dia… [risos] — Eu adoro quando eu falo “até que um dia”, porque a gente já sabe que lá vem, né? — Ele está na turma de futebol de sábado… O Ronaldo era da turma de quinta. — O carinha lá era da turma de quinta e Ronaldo ia de terça, quinta e sábado. — 

Ele está ali na turma de sábado, e depois que os caras jogam e tal, eles tomam uma cerveja ali, comem uns belisquetes e fica por ali. E ele estava numa mesa com uns caras conversando e tal, e ele estava bem do lado assim de um cara, e ele viu quando entrou uma chamada para esse cara… Sabe quando você tem… Quando alguém te liga, vai, por exemplo… — Eu só tenho a foto da minha prima cadastrada no telefone, nos contatos, então quando ela me liga, aparece a foto dela. — E esse cara que estava do lado atendeu uma ligação, e quando estava tocando o Ronaldo viu a foto do praticamente marido dele. E ele meio que ficou sem entender, né? Mas estava ali todo mundo no futebol e de repente o cara tá ligando pra, sei lá, marcar uma pelada. [risos]

Só que quando o cara atendeu o telefone, ele atendeu ali do lado do Ronaldo e entendeu assim: “oi, amor”. — E, gente, não tinha como ser outra coisa… Era a foto do dito cujo e era o outro cara chamando ele “oi, amor”… Oi, amor. — E aí esse cara que atendeu o telefone também tinha ali uma pegada hétero. [risos] E atendeu: “Oi, amor” e, assim não deve ter reparado que o Ronaldo viu a foto e tal, saiu de perto para conversar. E o Ronaldo ficou ali na mesa tremendo… Tremendo. Falou: “Déia, eu não conseguia tirar a minha mão do meu colo para pegar o copo de cerveja de tão tremendo que eu tava”. 

E aí ele pensou, ele falou: “Meu Deus do Céu, será que eu estou sendo traído aqui mesmo no futebol?”, e aí ele ficou mal. Ele não teve coragem de confrontar o cara, mas ficou meio esperto e acabou contando para uma amiga dele. — Uma amiga do Ronaldo. — E aí essa amiga falou: “Não, com certeza ele está te traindo. Não, vamos descobrir. [risos]”. E aí essa amiga dava umas dicas assim pra ele do que ele tinha que fazer… E aí o Ronaldo foi achando tudo muito complicado. Ele falou: “Andréia, vocês mulheres têm um jeito de, sei lá, pegar e pescar coisas de detetive assim que pra mim não estava dando, tava over”. — E, viu, Ronaldo, acho que isso não tem a ver com ser mulher ou ser homem, não. Tem gente que tem mais habilidade para ser detetive e tem gente que não tem. Eu não tenho, por exemplo, eu não tenho a menor habilidade. [risos] —

E aí o Ronaldo cansou e falou: “quer saber? Eu vou chamar o cara e vou perguntar”. E aí em sábado ele chamou o cara e perguntou, e esse cara ficou assustado, mas esse cara acabou contando para ele que ele tinha um relacionamento sério com o carinha lá, o amor profundo… [risos] Que ele tinha um relacionamento sério com amor profundo já de quase um ano. — Quase um ano. — E aí o Ronaldo acabou abrindo para ele que também tinha um relacionamento sério com o amor profundo e eles ficaram em choque ali juntos… Só que os dois gostando muito do amor profundo, então, ao mesmo tempo que um ficou sabendo do outro, eles meio que pararam de conversar sobre isso porque ninguém tinha coragem de terminar com o amor profundo. 

Só que esse outro cara acabou ficando mais esperto que o Ronaldo e acabou descobrindo um outro cara — Do futebol. — que também saía com o amor profundo. E aí, gente, no final das contas, o Amor Profundo estava saindo com quatro caras… — O Ronaldo e mais três do futebol. — Ele só pegava os caras que não se assumiam, porque aí sabia que iam manter o relacionamento ali no sigilo, e para todos ele cobrava a fidelidade, exclusividade e ficava em cima e tal e ele ficava aí passeando de cara em cara. E pra todos ele falava esse negócio de amor profundo. [risos] — Não é um filho da [som censurado]? — 

E aí o Ronaldo ficou mal, terminou com ele… Mas os dois caras — Inclusive aquele que ele conversou primeiro e mais um… — não terminaram. Continuaram meio que um fingindo que não sabia do outro e continuaram se relacionando aí com o Amor Profundo. Hoje o Ronaldo ele já se assumiu, já mora com um cara e tal, já está tudo bem melhor na vida dele e ele parou de frequentar aquela quadra — E achou outras equipes. — e foi jogar futebol em outro lugar, já avisando que ele era gay. Deu certo também, ele está numas turmas boas aí de futebol. — Né, Nenê? [risos] E é isso, gente. Ainda bem que o Ronaldo está bem, né? Se livrou aí desse embuste. — Que a gente não deu nem nome. —

Mas você vê que coisa? O cara se aproveitava, né? Ali de uma coisa íntima dos caras, que os caras não queriam contar ainda que eram gays, para ele tirar vantagem. Então olha que pessoa escrota, né? Então é isso, gente, deixem lá uns recados para o Ronaldo, ele está bem, tá ótimo, tá casadíssimo… 

[trilha]. 

Assinante 1: Oi, Déia, Oi, pessoal do Não Inviabilize, tudo bem? Eu sou Alexandre Nunes, eu falo aqui de São Paulo. E, Ronaldo, meu Deus, que bom que você está feliz… Que bom que você está o que? Vivendo a sua vida, assumido, sendo quem você é, casado… Fico muito contente. Mas ai, que ódio, quero falar palavrão… Que ódio… Eu tô revoltado com essa história desse Amor Profundo, esse cara era realmente profundo, né? Ele mantinha quatro pessoas, gente, na vida dele. Como que é isso? Eu não consigo manter um relacionamento às vezes com um carinha, imagine quatro na minha vida? Misericórdia, entendeu? Eu fico mais revoltado que ele usava do artifício “não estou pronto para assumir, para contar para o mundo e eu quero ser monogâmico porque eu te amo e o amor profundo” pra o quê? Para ter quatro relacionamentos. Assim, os dois que continuaram, beleza, entendo chegaram ali em uma conclusão, amor vai além da monogamia, mas, por favor, seja sincero deste começo… Agora, ser filho da… Desculpa. Gente, eu me revolto, eu estou revoltado… E, Ronaldo, que bom que você se livrou, fico muito feliz por você, muito contente… Vida que segue. Isso é o que? Aprendizado, vida que segue [risos]. 

Assinante 2: Oi, Não inviabilizers, aqui quem está falando é Priscila Armani, aqui de Belo Horizonte. E eu só tenho a dizer que eu estou bem feliz que o Ronaldo saiu desse relacionamento que não estava fazendo bem para ele. E que o que a gente precisa destacar com relação ao comportamento desse rapaz que a Déia nem deu o nome para ele, é que ele não tinha direito de cobrar das pessoas algo que ele mesmo não praticava. Como que você cobra um relacionamento monogâmico, estabelece e coloca isso como uma condição se você mesmo não está disposto a retribuir para a pessoa aquilo que você está cobrando, sabe? Eu acho que dinâmica de relacionamento é algo que as duas pessoas precisam ver o que elas querem, conversar muito sobre e ver se os interesses coincidem, mas mentira, enganação e manter relacionamentos paralelos sem conversar com as pessoas sendo que esse não era o acordado entre todos os envolvidos, é muito triste, muito sujo, né? Então eu fico feliz que o Ronaldo saiu dessa dinâmica e que hoje ele consegue ser feliz sendo quem ele, né? Não tendo mais restrições, não tendo mais medos, não tendo mais amarras. A gente não pode esquecer que o Brasil é um dos países mais violentos contra pessoas LGBTs e eu fico muito feliz que o Ronaldo conseguiu encontrar um ambiente que ele possa ser confortável sendo quem ele é. 

Déia Freitas: E é isso, um beijo. 

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.