título: neon
data de publicação: 12/08/2022
quadro: picolé de limão
hashtag: #neon
personagens: tina e marcinha
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão. — e hoje treta entre vizinhos. — Eu vou contar para vocês a história da Tina e da Márcinha. Quem me escreveu foi a Tina, ela mora numa cidade, numa pequena cidade… — Bem pequena mesmo. — Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]E, antes de entrar aí na treta realmente, eu tenho que contar um pouco das famílias, né? — De como é essa dinâmica da rua onde a Tina mora. — A Tina e a Márcinha elas se conhecem desde a infância, hoje elas estão aí na casa dos trinta e poucos anos e sempre foi, assim, uma rua toda muito harmoniosa, assim, as pessoas… — É aquele tipo de rua que faz festa — Cada um leva um prato e fecha a rua ali mesmo, bota bandeirinha quando é junho, pinta a rua com bandeira do Brasil quando é Copa do Mundo… Esse tipo de coisa. E Tina e Márcinha ali unidas, — muito unidas — crescendo juntas, estudando juntas, indo as festinhas, os bailinhos juntos e nã nã nã, tudo certo. Do lado da rua, morando Tina e, em frente, bem em frente do outro lado, morando Márcinha. E ali na rua, mais ou menos as pessoas fizeram a mesma coisa, então assim, quando a Tina casou, o pai da Tina construiu em cima, então virou tipo um prédinho. — A Tina é filha única. — Eles subiram a casa mais um andar e hoje a Tina mora em cima da casa dos pais. — Então, embaixo moram os pais de Tina e, em cima, Tina. —
Do outro lado da rua os pais da Márcinha fizeram a mesma coisa, só que os pais da Márcinha não moram lá. Os pais da Márcinha foram pra uma chácara. — Na mesma cidade. — Então, como ficou a configuração ali? Morando em cima ali, dois andares, morando em cima, ficou o irmão de Márcinha… Só que o irmão de Márcinha ele não fica lá… — Ele estuda, faz medicina… — O apartamentinho ficou ali pra ele, mas ele mora em outra cidade, o apartamento ali fica fechado, quando ele vem pra cidade ele fica ali. Embaixo ficou morando Márcinha… — Só que o que Márcinha fez? — Márcinha foi morar na parte de trás do imóvel e, na parte da frente, o marido dela fez um comércio, uma floricultura… — Que a gente vai chamar de Pônei Flores. —
Retomando: de um lado da rua, na casa de baixo, Tina. — Como se fosse um apartamento térreo, e a família os pais da Tina. — Em cima, Tina com o marido no primeiro andar. Do outro lado da rua, na parte da frente do imóvel a Pônei Flores, — que é de Márcinha e marido e, em cima, o apartamento do irmão de Márcinha. — Que tá fechado. — Então essa é a configuração. — E como que veio a Pônei Flores? — A Pônei Flores ela nasceu na pandemia… E nasceu num contexto trágico. — Como que rolou isso? — Bom, começo de pandemia muitas mortes, muitos sepultamentos… A cidade pequena ali… — que a gente pode chamar de Pôneilópolis. — A Pôneilópolis muito pequena, com um cemitério muito precário, começou a não dar conta, não tinha floricultura, enfim… O pessoal queria pelo menos mandar uma coroa, porque não tinha, né? Por causa das mortes na Covid não tinha velório, então as pessoas queriam encomendar coroa e tinham que encomendar coroa na cidade vizinha. Então, o marido de Márcinha resolveu fazer ali em Pôneilópolis a Pônei Flores para este fim.
Então, a Pônei Flores começou fazendo coroas de flores para as pessoas que morreram em decorrência da Covid—19. E aí, as outras cidades pequenas ali ao redor também não tinham floricultura, então o marido de Márcinha, — que até então Márcinha não estava envolvida na floricultura, hoje ela também faz parte — falou: “Poxa, eu posso também entregar, né? Eu tenho aqui uma Fiorino, eu posso entregar essas coroas nas cidades próximas”. Então o negócio — de flores, infelizmente para enterros — do marido de Márcinha prosperou… E prosperou bem. Todo mundo feliz, ele lá trabalhando pra caramba com a coisa da flor, porque tem que buscar flores e nã nã nã, aí começou a fazer arranjo… Aí muita gente esse ano agora voltou a casar… — Então ele está no ramo das flores forte, assim. — Marido de Márcinha está no ramo das flores forte. E a Tina ali torcida, né? Achando tudo perfeito.
Até que chegamos a maio deste ano… Como a Pônei Flores cresceu muito ali em Pôneilópolis e queria ficar mais bonita, né? Um ambiente mais bonito, receptivo aos clientes, o marido de Márcinha teve uma ideia… — Qual foi essa ideia? — Essa ideia foi de colocar um neon, — um enorme — enorme letreiro de neon escrito “Pônei Flores”. E a Pônei flores ela tem um serviço 24 horas. Então, se você quiser flor em qualquer horário, o marido de Márcia acorda e vai levar. Só que, assim, isso não acontece, né? Mas ele queria que o serviço dele fosse 24 horas. Então ele botou esse neon — imenso — que fica vermelho, fica pink e fica laranja… O neon é muito, muito, muito forte e ele clareia toda a casa da Tina de tão forte que é esse neon imenso escrito “Pônei Flores”. E ele tem um barulhinho, faz um “tsss” assim, sabe? — Que também incomoda… — Que incomoda a vizinha, no caso, do lado da Márcinha.
E aí o primeiro dia do neon, colocou-se o neon ali durante o dia, beleza… Só que a noite esse neon atrapalha pra Tina dormir, atrapalha os pais da Tina também e a Tina foi lá pedir, né? “Olha, de dia tudo bem esse neon, tá ótimo, maravilhoso… Pônei Flores cresceu, tá incrível. Só que a noite essa luz vermelha, pink, laranja piscando ela está entrando direto lá no nosso quarto e, mesmo quando fecha tudo ainda vaza essa luz, tá muito forte”… A rua lá é uma rua estreita… — Então, assim, ele pôs um letreiro desproporcional. — Ficou uma coisa… Ficou em cima, logo em cima da porta da Pônei Flores e pegando quase até a janela do apartamento do irmão. Só que o irmão não mora lá, né? E aí a tina foi reclamar e o marido da Márcinha não desligou o neon, falou: “Não, não vou desligar… Porque eu sou 24 horas, se eu desligar o neon…”.
E aí a Márcinha respirou fundo e falou: “Bom, deixa pra lá. Vamos tentar, vamos pôr… Vamos ver o que a gente faz”. Só que está atrapalhando muito os pais, são idosos, né? Os pais da Tina… Atrapalha mais do que a Tina. Então a Tina foi lá pedir de novo e o cara de novo falou “não”. Aí o marido da Tina, — que a gente vai chamar aqui de Roberto — Roberto falou: “Bom, se eu for lá, eu não vou conversar, eu vou já dar soco na cara desse cara”. E aí a Tina com medo disso acontecer falou: “Não, então deixa eu ver com a Márcinha”. Aí chamou a Márcinha lá pra casa da Tina e falou: “Ó, veja você com seus próprios olhos. Parece que essa luz vermelha tá dentro da minha casa, tá muito forte. Sabe? Se tivesse uma menos forte, ou sei lá, né?”. E aí a Márcinha falou: “Bom, eu vou falar com ele e nã nã nã”, mas assim, parece que ela não deu muita atenção também e não resolveu.
Aí a Tina antes que o Roberto fosse lá dar na cara do marido de Márcinha, entrou na Justiça… Entrou na Justiça, anexou foto, conseguiu um advogado… — Quer dizer, teve que gastar dinheiro, né? — [barulho de interruptor] E conseguiu que o letreiro ficasse desligado durante a noite. Então, quando desse ali 20 horas, teria que desligar o letreiro, ele poderia só ser ligado de novo 6 da manhã. E aí o marido de Márcinha ficou puto da vida e, nesse meio tempo, o irmão de Márcinha veio ficar uns dias no apartamento e falou também pro cunhado, falou: “Esse neon não dá… O barulho e a luz está dentro do meu apartamento”. — Porque sobe, né? — A janela do irmão de Márcinha está bem ali. E aí também o irmão de Márcinha brigou, falou: “Olha, sem contar esse letreiro ficou horrível aí na frente, cafona e nã nã nã”, brigaram…
A vizinha do lado, por causa do barulho… Então, pensa, tava escrito “Pônei Flores”, a vizinha botou uma escada, a vizinha do lado de Márcinha botou uma escada e, com a vassoura, ela destruiu a letra P. [efeito sonoro de vidro se quebrando] [risos] [Aí ficou “Ônei Flores”. [risos] Destruiu de tanto ódio… E aí a treta foi tão grande, que aí os vizinhos começaram… Todo mundo começou a ficar solidário ali a Tina e a vizinha do lado… — Que a gente não conhece, né? Quem me escreveu foi a Tina, então eu não sei a história da vizinha do lado que destruiu a letra P e transformou a Pônei Flores em Ônei Flores. [risos] — Todo mundo começou a ficar do lado das duas e acabou que o marido de Márcinha tirou o letreiro. Ele tirou o neon e colocou um letreiro pintado, normal, e só um neonzinho na porta escrito 24 horas, assim, “24h” em neonzinho na porta. — Tá ótimo já, né, gente? Mesmo porque a porta ficar fechada. —
Só que agora, a Márcinha não conversa mais com a Tina… Rompeu. Porque ela acha que foi a China que mobilizou os vizinhos e todo o mundo até que o Ônei Flores — porque o P já tinha sido arrancado — fosse tirado do letreiro de lá. E a Tina falou que ela não mobilizou ninguém, né? Ela só não queria que os pais dela e ela tivessem aquela perturbação pra dormir. — E ela tá certa, gente, sabe? Ela tá certa, não tá errada. — Só que Márcinha agora não olha pra ela, não fala com ela. — E o marido de Márcinha a gente já sabe que é um babaca, né? Então não dei nem nome pra ele. — Agora, a Tina queria muito retomar essa amizade com Márcinha, só que Márcinha não quer e marido de Márcinha menos ainda, né? Eu não sei, tô achando difícil… Pelo menos agora que aconteceu — tudo isso por causa de um letreiro, uma brigaiada… Mas que eu dou toda razão a Tina, aos pais da Tina e a vizinha que quebrou a letra P. Porque, realmente, né? Se você não consegue dormir, aquela luz colorida piscando e o barulho… Complicado, né? E o cara podia sim desligar depois das 20 horas e ligar às 6 horas da manhã. Liga até 8 da manhã, né? Porque, enfim… —
O que fez mais o cara arrancar mesmo o letreiro foi o irmão da Márcinha quando ele veio, que ele falou: “Não, vai tirar… Vai tirar… Porque também o imóvel não é só seu e está me atrapalhando, enfim…”. Então a Tina acha que, assim, o que surtiu efeito mesmo foi o irmão da Márcinha quando veio aí umas vezes e surtou, assim, fez um barraco mesmo com o cunhado. E a Tina escreveu pra gente porque ela gostaria de retomar essa amizade com a Márcinha. Ela já tentou, chamou pra conversar, mandou WhatsApp e Márcinha bloqueou ela em tudo… Mas elas moram uma de frente para outra… E a Tina tenta, fala: “Márcinha, conversa comigo, vamos conversar” e Márcinha não quer saber. Então, eu acho, sei lá, dá esse tempo pra Márcinha, né? — Vai fazer o que? Vai ficar perseguindo Márcinha também? Se Márcinha não quer, Márcinha não quer, né?
[trilha]Assinante 1: Olá, Não Inviabilizers, aqui é a Michelle de Belo Horizonte. Tina, eu me solidarizo muito com a sua situação, porque eu passei por algo um pouco parecido com isso, eu estava no meu período de pós parto e tinha um bar aqui na rua da minha casa que tocava umas músicas muito altas, uma caixa, uma daquelas máquinas de som e nós vizinhos a gente reclamava e não mudava… Até que a gente começou a chamar a polícia e, assim, quando a conversa não resolve, a gente tem que tomar as medidas cabíveis. E dá um tempo pra sua amiga, uma hora ela vai acabar percebendo que você só fez por você mesma o que você tinha que fazer. E acreditar em você ou não sobre o complô com os outros vizinhos fica a critério dela. Um abraço.
Assinante 2: Oi, Déia, oi, Tina, meu nome é Jéssica, eu sou de Fortaleza, mas eu falo aqui de Recife. E, Tina, não tem muito o que fazer nessa situação, né? Nenhuma amizade vai pra frente se as duas partes envolvidas não tão botando a mesma energia em fazer dar certo. Eu acho que a gente precisa entender também que em alguns momentos as pessoas tão numa vibe diferente da nossa e que tá tudo bem. Então, assim, deixa Márcinha, ela escolheu apoiar o marido dela. Talvez essa distância é a forma que ela pode fazer isso e você tem que entender também. Então, fica bem, segue a vida.
Déia Freitas: Então, gente, deixem seus recados pra nossa amiga Tina lá no nosso grupo Telegram e eu volto em breve. Um beijo.
[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]