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título: canivete
data de publicação: 13/12/2022
quadro: luz acesa
hashtag: #canivete
personagens: jandira

TRANSCRIÇÃO

Este episódio contém conteúdo sensível e deve ser ouvido com cautela.

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]


Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. E cheguei pra um Luz Acesa. — E, bom, nem todas as histórias que eu conto aqui são de assombração, né? Às vezes tem história de premonição, intuição, enfim, e essa é uma história nessa vibe. — Eu vou contar para vocês a história da Jandira. Então vamos lá, vamos de história.


[trilha] 


Essa história tem muito, muito, muitos anos, a Jandira era ainda uma jovem e ela trabalhava numa padaria. Era uma época que você estudava ali até a quarta série, quinta série e depois tinha que trabalhar para ajudar em casa. E ela foi crescendo, trabalhando nessa padaria… Quando ela estava com 16 anos, o chefe dela da padaria, o dono da padaria, passou ela para um horário que ela sairia mais tarde. — Sairia e já estaria mais escuro. — E não tinha o que fazer, precisava trabalhar, precisava que fosse aí no horário que, enfim, o cara determinasse. E aí Jandira ia, na ida não tinha nenhum perigo, mas na volta ela sempre voltava muito, assim, tensa, né? Porque já estava noite tal, e ela sozinha, jovenzinha na rua… Os pais trabalhavam, os irmãos trabalhavam, então não tinha ninguém pra ir buscar a Jandira na porta da padaria.


E a Jandira o que ela ganhava ali trabalhando ela entregava tudo para a mãe, né? Porque eles precisavam, enfim, uma família pobre… E ela tinha a vantagem de ganhar coisas da padaria. Então, ah, vai fechar a padaria, agora que ela estava no horário de fechamento ali, né? Sobrou pão que não dá para aproveitar no dia seguinte? Os funcionários podiam levar. E aí a Jandira levava também. — Então já dava mais uma força para a família. — E o que a mãe dela fazia? Ela pegava o salário dos filhos pra ajudar nas despesas e dava um pouco de dinheiro pro filho gastar ali no que quisesse. Então a Jandira gastava… Gostava de comprar coisas de papelaria, coisinhas assim que ela gostava mais, assim, coisinhas de fofura.


E aí chegou esse dia que ela deu salário para mãe, a mãe dela deu ali uns trocados para ela, do próprio salário dela para ela ir comprar o que ela quisesse. E ela estava querendo muito ali comprar um caderno que ela tinha visto que tinha umas flores, assim, perto das linhas ali de pauta, né? E ela queria muito esse caderno, ela tinha juntado o dinheirinho ali pra comprar o caderno e ela foi até o bazar comprar esse caderno. Chegando lá no bazar, era um bazar pequeno também, mas assim, simples também, né? Da Dona Almira. E aí, dona Almira já sabia que ela queria aquele caderno, que ela estava juntando… E aí foi uma felicidade entregar o caderno pra Jandira e tal… E dona Almira, quando estava fazendo o embrulho do caderno, ela teve um mau pressentimento. Ela sentiu uma coisa ruim assim… E aí ela estava conversando alegre com a Jandira, ela parou e ela parou de embrulhar o caderno, ela virou, foi até o fundo ali da loja onde tinha um balcão mais no fundo e era um balcão que tinha ali coisas mais cortantes também que ela vendia e tal… E ela pegou um canivete. 


Um canivete que, primeiro que Jandira nunca tinha pensado em ter um canivete e segundo que Jandira não tinha dinheiro, né? E aí, a dona Almira falou: “Olha, tá aqui o seu caderno. Você leva seu caderno, você pagou pelo seu caderno e isso aqui eu vou te dar de presente”. — Era um canivete. — [efeito sonoro de tensão] E a Jandira ela gostava muito de usar vestido, sabe? Mesmo trabalhando na padaria, como ela ficava ali mais de ajudante geral das coisas e tal, ela usava uns vestidos compridos assim até o meio da canela assim, midi, né? — Aquela que já da o tamanho do vestido, né? [risos] — E era uma meninota, enfim… E aí dona Jandira falou assim pra ela: “Daqui pra frente você vai trabalhar todo dia de calça comprida…”. E era uma época em que era mais difícil pra mulher usar calça comprida. Usava, mas assim, né? Mas a Jandira tinha a possibilidade de usar o mesmo uniforme que o pessoal da padaria. O dono já tinha falado pra ela que ela podia usar se ela quisesse e ela sempre falava que não. 


E aí, quando a dona Almira falou isso, falou: “Ó, daqui pra frente você vai usar todo dia calça comprida pra trabalhar e você vai botar esse canivete no bolso da sua calça”. [efeito sonoro de tensão] E aí a Jandira ficou sem entender. — E era uma época assim que a gente respeitava mais os mais velhos e tal, não questionava tanto. — E aí a dona Almira falou: “Não é pra você me perguntar mais nada, é pra você fazer”. E aí ela chegou em casa com o caderno, todo mundo sabia que ela queria comprar o caderno e ela contou para o pai e pra a mãe. Falou: “Ó, a dona Almira”, que era muito conhecida deles ali, né? Falou: “Ela estava conversando comigo normal, de repente ela ficou muda e aí ela foi lá no balcão, pegou um canivete, me deu e falou que daqui pra frente é pra eu trabalhar de calça com o canivete no bolso”. [efeito sonoro de tensão] E aí os pais da Jandira falaram: “Bom, se dona Almira falou, ela deve ter porquê… Então você faz isso, você vai trabalhar de calça”. Ninguém nem ficou muito preocupada, assim, do que pudesse acontecer. 


E aí, no dia seguinte, a menina Jandira já foi, chegou na padaria e falou lá pro patrão dela que ela queria o uniforme. E aí ele prontamente deu, ela foi lá, se trocou no banheiro e começou a usar essa vestimenta da firma, esse uniforme e voltar pra casa de uniforme. Então ela voltava de uniforme, com o avental ainda por cima, enfim… Já com a roupa do trampo. Passou um mês, dois, três… Menina Jandira trabalhando, saindo à noite do trabalho ali pelas sete e meia, oito horas do trabalho, voltando pra casa sozinha, às vezes com um pãozinho, às vezes sem nada… Também não vinha esperta, ia só meio preocupada, mas não muito alerta. E depois de uns três meses, quase quatro, Jandira estava voltando para casa e, pra chegar da padaria na casa dela, era como cruzar um bairro, assim… Ela demorava uns 15 minutos andando pra chegar em casa. E num dos lugares que ela passou tinha uma escola, e aí o muro da escola… Só que o muro da escola era feito de alambrado, então não era um muro, né? Era um alambrado, uma cerca…  [efeito sonoro de cachorro latindo] A cerca da escola e tinha uns furos ali, uns pedaços furados da cerca.


E quando ela está passando pela calçada da escola, ela sente uma mão… [efeito sonoro de tensão] Um homem saiu dali, de dentro da escola, daquela parte que era tipo um mato e puxou a Jandira pelo buraco da cerca pra dentro ali daquele mato da escola… E aí a Jandira meio petrificado, meio sem entender, o cara jogou ela no chão… — E como que ele segurou a Jandira? — Ele segurou ela pelo antebraço aqui, assim… Quase pelos cotovelos, assim, presa no chão, então ela só tinha mobilidade na parte debaixo do braço. Eu não sei as partes do braço, gente… [risos] E aí a única mobilidade que ela tinha era da mão ali e um pouquinho do braço… E aí ela lembrou que ela estava com um canivete no bolso… E ela tinha como, ela estava com a mão ali perto e, nessa hora, que a gente já sabe que o cara provavelmente ia abusar da Jandira, ela conseguiu pegar o canivete enquanto ele estava ali preocupado em soltar o cordão da calça dela e segurar ela, assim… — Ele jogou o corpo dela em cima dela, sabe? — 


E ela conseguiu tirar o canivete do bolso, abrir, que era só você apertar assim, né? E aí ela começou a esfaquear o cara na lateral. Ele não esperava, né? E aí ele virou assim e ela deu, assim… Ela acha que ele uns dez golpes até ele virar de lado e cair de lado gritando e ela saiu correndo com o canivete na mão ainda e correu até em casa. Chegou com a mão toda ensanguentada, mas era sangue do cara, né? E aí os irmãos, mais o pai e os vizinhos voltaram lá naquele buraco… Não acharam o cara. Só que no dia seguinte, a história correu e acharam quem era o cara que estava machucado, porque ela deixou o cara bem machucado, pegou bem assim na lateral dele e furou bem. E aí esse cara foi preso… E ele tinha cometido vários crimes ali pelos bairros  — no entorno e tal —  e aí saiu até uma notinha no jornal.


E aí a mãe da Jandira foi lá no bazar e falou: “Então, Almira, você deu o canivete… Se não fosse o seu canivete, a Jandira estava morta, né?”. E o que dona Almira falou? Que quando ela tava embrulhando o caderno… Porque a menina Jandira estudava naquela escola que ela passou na frente, né? Já tinha estudado lá… Quando ela foi embrulhar o caderno, ela viu a menina Jandira na escola. Assim, a primeira visão que ela teve na escola… E aí, como dona Almira era uma pessoa que tinha visões, ela pensou: “Bom, a Jandira estudou lá, né? De repente, o caderno remete a…” Tudo isso em segundos… “Remete a escola”. Só que, na sequência, ela viu a menina Jandira morta… [efeito sonoro de tensão] No matagal da escola, do lado da escola. E aí as cenas foram aparecendo na cabeça da dona Almira ali e ela resolveu dar o canivete, porque ela sabia que se ela desse o canivete para para Jandira, ela ia ficar viva. E aí ela deu… — E o canivete era uma coisa cara e tal… — E ela fez isso e salvou a vida da Jandira, né? Pensa… — 


E aí o pai dela ficou com medo, foi lá conversar na padaria e colocaram a Jandira de novo no horário da manhã, que aí o pai dela conseguia ir junto… — Que era cedo, né? Você trabalhar também em padaria de manhã, você tem que acordar quatro horas da manhã, enfim… — Mas aí o pai da Jandira conseguia ir com ela, porque ele ia para o trampo, já deixava a Jandira lá e depois pra voltar, ela saía ali uma da tarde e estava cheia a rua, tudo, né? Então foi um acontecimento, assim, um crime que teve bastante repercussão ali no bairro, no entorno de onde Jandira morava na época, e o cara foi preso porque descobriram quem era o cara que estava machucado. Olha que louco isso… Uma visão, uma premonição de dona Almira salvou a vida de Jandira. Fiquei chocada… 


[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, aqui é a Júlia de São Paulo. Eu fiquei muito feliz que ela conseguiu se salvar graças ao canivete, mas eu vim aqui dar algumas dicas. O canivete não é a melhor arma pra a gente ter numa situação dessa, porque é muito fácil dele dobrar pra dentro, a gente perder o controle da faca e também da gente ser desarmada por ele. Então, se for optar por faca, talvez seja melhor um outro tipo de faca. Também é legal ter uma sprayzinho de de pimenta, de álcool… Um sprayzinho bem pequeno pra você andar na mão. Mulheres, por favor, por favor, não andem perto de muros grandes que não têm casas, enfim, coisas pouco iluminadas… Vai pela rua mesmo. É melhor você andar pela beiradinha da rua e, se vier um carro, você pula pra calçada do que você andar perto de muros. Por favor, isso é muito importante para nossa segurança, tá bom? Vamos ficar unidas e que bom que deu tudo certo nessa história. Um beijo. 

Assinante 2: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers. Jandira, com certeza você foi muito protegida e muito guardada. A sua vida foi amparada pelos seus guias, protetores, Deus, enfim, como você quiser chamar. Fico muito feliz que o desfecho dessa história foi bom pra você e para as outras meninas que poderiam ser vítimas desse criminoso. Um grande beijo. 

[trilha]

Déia Freitas: Então, essa é a história de hoje, não teve fantasma, mas pra mim foi mais assustadora porque envolve aí um certo tipo de crime que a gente está muito propensa a acontecer, está muito vulnerável. E é isso… Um beijo e eu volto em breve. 

[vinheta] Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.