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título: vinho
data de publicação: 15/12/2022
quadro: luz acesa
hashtag: #vinho
personagens: ana, dona filomena e dona glória

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. E cheguei pra mais um Luz Acesa. E hoje eu vou contar para vocês a história da Ana. — Essa história é uma história do final ali dos anos 60. — Então vamos lá, vamos de história.


[trilha]


O ano era 1969 e Ana ia se casar. Como seria esse casamento de Ana? Seria na Igreja Católica e, do lado da igreja, tinha tipo um pequeno salão, assim, onde ela receberia somente os padrinhos e os pais ali pra uma coisinha, tomar um vinho, comer uns docinhos e só. — Por quê? — Porque a família da Ana não era uma família de posses. A família do marido dela, do futuro marido ali, era uma família de dinheiro. Só que quem bancava tradicionalmente a festa de casamento eram os pais da noiva. Então, o pai da Ana não tinha muita grana, então ficou combinado que seria só um vinho ali, o bolo e alguns docinhos… Somente mesmo para os padrinhos e para os familiares mais íntimos. E estava tudo certo.


Acontece que a sala pra se arrumar, onde a Ana ia colocar o vestido e tal… — Era uma coisa mais simples, não tinha dia da noiva, essas coisas, nada… — Era antes do salão, então tinha a sala que ela ia se arrumar, ela atravessava um pedaço do salão e entrava na igreja, saía ali na porta da igreja e já entrava e começava o casamento. Quem estava ajudando a Ana — além da mãe dela — era a avó dela, dona Filomena. E aí ajeitaram ali a roupa da Ana, né? O véu… E tinha uma uma tradição… — Que eu não sei se hoje em dia tem, mas eu já ouvi muito falar disso, que as moças solteiras, os rapazes solteiros também que quisessem casar, podia colocar um papelzinho com o nome na barra do vestido da noiva que isso trazia sorte. Quando eu era jovenzinha, me foi aí oferecido [risos] algumas barras de vestido por aí, né? Algumas amigas que casavam: “Ai, Déia, quer que eu coloque seu nome na barra?”, eu falava: “Pelo amor de Deus, não bota”. Primeiro porque, sei lá, eu não acredito e, sei lá, acho estranho a pessoa casar cheia de nome na barra do vestido. Acho estranho. —


Só que, segundo dona Filomena, esses nomes eles têm que ser costurados na hora ali, um pouco antes da noiva entrar na igreja. Então, assim, dona Filomena fez… Pegou os nomes… — Eram só de moças, né? — Das moças que pediram e botou ali e deu uns pontinhos, né? Na barra do vestido. — Pontinho mais frouxa pra depois soltar, enfim, tirar os nomes… — E assim foi feito. Então Ana ficou pronta e, com a ajuda da avó e mais duas mulheres ali, amigas, né? A mãe já estava lá no altar e tal, Ana foi caminhando até a porta da igreja. Então, lembrando: ela teria que atravessar uma parte do salãozinho ali, onde teria recepção depois, né? Depois do casamento. Quem ia servir ali os convidados depois eram os próprios parentes da Ana. — Não tinha essa de garçom… Eles não tinham dinheiro pra isso, era tudo muito inacessível na época e tal. —


Então, o que os parentes fizeram ali? Os tios da Ana… Colocaram as garrafas, as caixas de vinho, eram poucas caixas, no chão… E, conforme a Ana passou — de uma maneira inexplicável, gente — e uma das garrafas de vinho estourou. [efeito sonoro de vidro estilhaçando] — Estourou… — E ela estava em uma caixa de papelão, né? Mas mesmo assim, foi um estouro tão grande, que alguns cacos de vidro e um tanto de vinho pegaram na barra ali do vestido da Ana… [efeito sonoro de tensão] E aí a Ana ficou desesperada. As duas pessoas que estavam ali, as duas mulheres ajudando também ficaram desesperadas, já correram pra pegar pano, água, enfim, né? Pra dar um jeito… E dona Filomena estava chorando, chorando desesperada. [efeito sonoro de pessoa chorando] E aí a Ana viu que a vó dela ficou muito desestabilizada e falou: “Vó, não tem problema… Mesmo que não saia a mancha, eu vou me casar, não tem problema”. E assim foi feito. Passaram um pano ali, deram uma disfarçada, mas ficou marcado de vinho o vestido da Ana.


[marcha nupcial] A Ana entrou na igreja, muitas pessoas notaram a mancha e tal, né? E aconteceu o casamento e ela foi receber os cumprimentos ali na porta da igreja… E aí algumas pessoas que perguntavam, ela falava: “Ai, eu passei e uma garrafa de vinho estourou e nã nã nã”, contava meio por cima e ficou tudo bem. E aí foram para a festa, só que dona Filomena estava muda… — Pálida e muda. — E aí a mãe da Ana, que a gente pode chamar aqui de dona Glória, dona Glória, foi perguntar para mãe, que é dona Filomena: “Mãe, por que você está assim? Deu tudo certo. O vestido está manchado, mas a gente ajeitou na hora das fotos, nem vai aparecer nas fotos, enfim”. E aí a dona Filomena disse que a hora que a garrafa de vinho estourou e ela viu os estilhaços e ela viu o vinho, uma cena apareceu na cabeça de dona Filomena… Era o marido de Ana todo ensanguentado, caído no chão e, do lado ela via via somente o pulso de uma mulher que também estava deitada no chão, toda ensanguentada, e ela falou: “É a Ana, porque eu vi ali um laço de amor e eu vi os dois mortos”. 


Aí Dona Glória ficou passada, mas falou: “Mãe, que é isso? Você está louca? Onde já se viu pensar numa coisa dessas, eles acabaram de casar”. Só que dona Filomena não curtiu ali a pequena recepção, ficou mal… E ninguém, óbvio, comentou isso com a Ana. E a gente está falando aqui de uma época que não existia divórcio… — Vocês sabiam que o divórcio ele só é ali meio que quase no final dos anos 70? Antes disso, era “desquite”. E você se desquitava e continuava casado com a pessoa, tipo, qualquer relacionamento ou filhos que você tivesse com outra pessoa, eram ilegítimos. Por que eu estou falando isso? — Porque o casamento da Ana, quando foi chegando ali há um ano, foi ficando estranho. Só que era uma época que as mulheres aceitavam tudo, né? Então, algumas vezes passou pela cabeça da Ana ali pedir o desquite? Até passou, mas era uma coisa muito complicada. Ela ia ficar marcada para sempre, não ia poder casar de novo… — Só como ela disse “se amasiar”, “se amigar”. Essas palavras estranhas, mas na época era assim, né? Que as pessoas se referiam. “Alá, ela é amasiada, ela é amigada”. — Então ela não queria ficar marcada ali, no bairro ou na sociedade… Enfim, né? E aí ela foi levando esse casamento mais um pouco.


Até que um dia, Ana acordou e o marido dela tinha deixado um bilhete. O que estava escrito nesse bilhete? Estava escrito: [efeito de voz grossa] “Ana, me perdoe, por favor… Eu estou apaixonado pela Fulana de Tal e estou indo embora com ela”. Por mais que o casamento dela não estivesse tão bom, ela jamais imaginou que ela estava sendo traída, né? E ela ficou muito mal. — E por que ela ficou pior? — Porque o cara tinha fugido com uma das amigas. Não era melhor amiga, mas era uma das amigas dela, cujo nome estava na barra daquele vestido… — Naquele vestido que o vinho foi derrubado. — E aí a Ana correu pra casa da mãe dela chorando e ficou por lá… E um dia inteiro se passou e, no dia seguinte, chegou o tio do então marido. — Porque por mais que ele tenha fugido e que ele pedisse o desquite, ele continuaria sendo marido da Ana. —


Chegou o tio do marido da Ana lá na casa dos pais da Ana — onde ela estava — pra avisar que o cara… Ele tinha avisado a família dele também que ele ia embora, tipo, pra Goiás com a moça, né? E todo mundo foi contra, enfim, um escândalo… Mas ele resolveu, pegou a moça e foi… Só que na estrada, gente, eles sofreram um acidente e… — Como é que eu vou explicar isso? — Eles saíram da estrada e bateram num galho de árvore e ele tinha um carro que era um carro conversível. — O cara riquinho… — E o galho arrancou a cabeça deles… Ele ficou ainda com uma parte da cabeça grudada no pescoço, mas a moça não. Então, aquela cena que dona Filomena viu e que ela sentia que tinha amor verdadeiro, não era com a Ana… Era com essa amiga dela que traiu a Ana, enfim, foi embora com o marido da Ana. 


E aí a Ana ficou em choque. — Porque por mais que tudo fosse horrível e ela sabia por que ele tinha ido embora e todo mundo sabia, era marido dela, né? — Então ela ficou mal, ela fez o enterro… Dona Filomena ficou super aliviada e ainda ficou… — Feliz não é a palavra, mas ficou tranquila. — Porque agora Ana era viúva, então mudou o cenário. Ela não seria uma desquitada, ela era uma viúva. Então, a viúva tá aí, tá pra jogo e está dentro da lei, né? [riso] E aí [risos] dona Filomena deu uma comemoradinha nisso, né? E Ana, ali nos primeiros dias ela chorou bastante, mas também fez muita oração para o marido. — Reparem: Ela fez muita oração para o marido, mas ela praticamente esqueceu da amiga. Ela esqueceu da amiga… — E aí nessa época ela tinha… Ela casou com esse cara e tinha parado de trabalhar, porque ele tinha dinheiro e ela também acabou ficando com um pouco de dinheiro depois que ele morreu, só que ela não queria ficar parada. Então ela arrumou, ali perto da casa dela, um escritório pra ela trabalhar ali de datilógrafa… E ela estava indo para esse escritório, eram umas sete e meia da manhã…


E ela me explicou que, assim, ela morava num bairro mais afastado, nem todas as ruas tinham asfalto e tinha uma parte que ela passava que tinha mato. Então, como era mais perigoso, as moças elas passavam meio juntos assim, né? Tinham um horário e todas iam indo… E ela estava indo, ela não conhecia essas moças porque ela estava começando, né? Mas ela ia perto das moças, pra ir tipo um comboiozinho… — Mesmo porque você não conheça ninguém, você gruda ali e meio que vai, né? Não na turma, mas, sei lá, dez passinhos para trás, cinco passos para trás. — E, conforme ela estava andando, que ela olhou para o lado, que era mato dos dois lados, para um dos lados, ela viu a moça… [efeito sonoro de tensão] Que era amiga dela… E a moça estava… — Ai, até arrepio… — [efeito sonoro de pessoa chorando] Estava toda ensanguentada, mas estava com a cabeça… E estava chorando. Chorando, chorando, chorando… E essa moça começou a seguir a Ana.


Então a Ana chegou no escritório e a moça foi com ela… E não era que, assim, a moça desaparecia, a moça ficou no escritório com ela, ela saiu para almoçar e a moça chorando, chorando, chorando… E quando a moça chegava mais perto, que ela falou: “Andréia, eu ficava na minha mesa e ela ficava em pé, assim, me olhando e o sangue pingando, mas eu olhava para o chão e não tinha nada”. E aí ela voltou pra casa, ela saía quatro e meia da tarde, voltou pra casa e já contou para a mãe dela e para dona Filomena. Dona Filomena falou: “Ah, pode ser coisa da sua cabeça e tal, mas vamos manda rezar sete missas pra ela e tal”. E aí foram lá e marcaram as sete missas e essa moça aparecia pra Ana dentro da casa da Ana… Não importava, ela aparecia chorando, chorando, chorando. E aí uma vizinha da Ana, que tinha mediunidade e não tinha nem tanto contato com a Ana, um dia chamou a Ana e falou: “Olha, eu não sei se você acredita nisso, se você não acredita, mas a sua amiga que morreu no acidente, ela está aqui na sua casa e ela veio te procurar para pedir perdão”. 


E aí a Ana ficou em choque, porque a Ana não tinha comentado absolutamente nada com essa vizinha e a vizinha falou pra ela assim: “Olha, você toma cuidado, porque, assim, ela pode aparecer pra você”. — Até então, a vizinha não sabia que Ana já via… — E a vizinha falou assim pra ela: “Pra mim, ela apareceu um dia, que foi o dia que ela me falou que ela veio pedir perdão pra você, ela apareceu com cabeça e agora ela aparece pra mim sem cabeça. Sem a cabeça… Eu não tenho medo, mas eu não posso fazer nada. Então, vá lá no túmulo dela, no cemitério, faço uma oração e diga que você perdoa, que você perdoa ela de tudo”. — Se sou eu… Já pensou, gente? Pelo amor de Deus, eu não perdoo ninguém… [risos] Ia ter que perdoar na marra. Ai, Deus me livre… [risos] Eu perdoou sim, moça. Não aparece pra mim não que eu te perdoo também. [risos] Está tudo perdoado. — 


E aí a Ana foi lá no cemitério que a moça estava enterrada e rezou por ela, falou que perdoava… — E a Ana realmente perdoava, né? Diferente de mim, a Ana tem um lado espiritual mais evoluído. — E aí a Ana disse que perdoava… Engraçado que a Ana disse que, no cemitério, a moça não entrou, ela ficou ali no portão do cemitério e a Ana entrou sozinha. Só que quando a Ana saiu, a Ana já não viu mais a moça. E aí chegou em casa e tal e não viu mais a moça. E dali uns dias, a vizinha veio dizer que que a moça agora já tinha conseguido ajuda. Então, ela precisava desse perdão, né? Porque, assim, o cara deixou um bilhete, né? Pedindo perdão e dizendo que amava a moça, e a moça amava ele, mas não teve tempo de conversar com a Ana, não teve coragem de conversar com a Ana… E começou a aparecer, sei lá, ficou perdida e começou a aparecer pra Ana pra pedir perdão. — Eu, hein? Ai, eu nem sei se ia ter coragem de ir no cemitério, gente, pelo amor de Deus… Com a moça andando junto, sabe? A vizinha vendo a moça sem cabeça, não tem condição… Não tem a menor condição. —


E aí dona Ana hoje já está com quase 73 anos e é uma senhorinha ótima. E até então ela nunca tinha pensado nisso, né? De ver assombração e coisa e tal. E ela falou: “Andréia, eu vi… Eu vi, minha vizinha viu e não adiantou a gente mandar rezar missa… Eu tive que ir lá no cemitério pra dar o perdão pra ela e ela ficar em paz”. Que louco, né? E o vinho? Que eu achei que estava representando sangue nessa barra do vestido… E dona Filomena não lembra, mas pegou na barra ali alguns nomes, né? E eu acho, ninguém sabe, né? Não tem como saber, que com certeza pegou vinho na barra do vestido da Ana onde estava o nome dessa amiga falsa aí, né? Com certeza… E aí dona Filomena viu a cena que tinha amor verdadeiro, mas o amor verdadeiro era entre o cara e a amiga da Ana. Olha que loucura… Que coisa, né? 

[trilha]

Assinante 1: Olá, todo mundo, aqui é a Ana, eu falo do Rio de Janeiro. E, olha, confesso que eu preciso aprender com a minha xará como ter um coração tão bom, viu? Por ue perdoar esse tipo de situação é pra poucos? Na hora do vestido eu já comecei a ficar nervosa pensando “o que vai rolar?”, mas o importante é que no final dá tudo certo, né? E a gente vê e percebe como a pessoa tem um coração bom, tanto que a outra volta do além só para ter o perdão da dona Ana. Então, assim é uma coisa muito incrível. Então é isso… Bom que deu tudo, tudo certo. E é isso… Um beijo e tchau tchau. 

Assinante 2: Olá, Não Inviabilizers, aqui é a Paula de São Paulo. Oi, Déia, oi, dona Ana, espero que a senhora esteja bem. Amei essa história, meio Picolé de Limão, meio Luz Acesa, né? Perrengue chique com o vinho no vestido… Mas a senhora é um ser de luz, hein? Porque, olha, perdoar o marido ou conseguir orar por ele para que ele tivesse paz e depois de um tempo ver aí a alma dessa amigo fura olho, pedir ajuda e conseguir essa ajuda… Olha, tem que ser muito desprendida, muito humilde, ter um coração muito bom. E é o que a senhora tem, né? Fez o que tinha que fazer, foi no cemitério e graças a Deus nunca mais foi assombrada. Um grande beijo dona Ana. 

[trilha]

Déia Freitas: Então, esse é o Luz Acesa de hoje, comentem lá no nosso grupo do Telegram. — E Deus me livre. [risos] — Um beijo, gente, eu volto em breve.

[vinheta] Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.