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título: estava escrito?
data de publicação: 25/05/2023
quadro: amor nas redes
hashtag: #escrito
personagens: soraia, helena e um cara

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Amor nas Redes, sua história é contada aqui. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra uma história do nosso quadro Amor nas Redes. E hoje eu vou contar para vocês a história da Soraia. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]

A Soraia ela é uma nutricionista que trabalha em hospital, ela é especializada em comida de hospital. — Que delícia… Diz Soraia que comida de hospital também pode ser boa e tal… — E ela não trabalha em esquema de plantão, porque quando é hospital a gente sempre pensa, mas tem algumas funções dentro do hospital que não tem plantão. Então ela trabalha de segunda a sexta lá, num horário comercial, normal. E no hospital — que ela trabalha — ela conheceu um cara, médico, e começou aí a namorar esse médico… E médico, né? Já tem uma vida mais corrida, plantão e tal, mas foi dando certo ali e eles acabaram combinando de morar junto. E, com quatro meses morando juntos, eles resolveram se casar. [efeito sonoro de sino de igreja] Esse cara, quando foi pra oficializar o casamento, ele contou uma coisa para Soraia que ele devia ter contado no primeiro dia: Ele contou que ele tinha um filho. — Sim… — O cara tinha um filho e passou aí praticamente um ano, porque do tempo que eles namoraram até ir morar junto e depois até casar, sem falar que tinham um filho e sem visitar o filho. 

O filho desse cara médico — que a gente vai chamar aqui de Arthur — com 8 anos de idade. Então, desde que o Arthur tinha sete anos e pouquinho ali, esse cara não pegava o menino… Só pagava a pensão e falava com o menino por telefone. E a Soraia sabia que ali entre os plantões dava sim pra ele pegar o menino, e aí ela ficou meio horrorizada, porque, assim, ela formalizou o casamento com o cara que escondeu dela que tinha um filho de 8 anos, né? — Isso pra mim já é motivo de anulação. — Só que a partir daí, a Soraia falou: “Bom, se você tem um filho, ele tem que fazer parte da sua vida, né? Então vamos combinar essas visitas, ele tem que vir para cá”. E o cara ficou de cara amarrada porque ele contou para Soraia que tinha um filho não assim numas de “Ah, agora meu filho vai ter que vir para cá” numas de “só para você saber”, manja? 

Ele ficou meio a contragosto, e aí ela quis saber mais, quis saber tudo, quis ver foto, enfim, era um mundo novo que ela… — Pô, o cara escondeu que tinha um filho. — E, praticamente, ninguém no hospital sabia que ele tinha um filho, né? E aí ficou combinado então de que ele ia falar com a ex dele. — Que a gente pode chamar aqui de Helena… — Ela é uma professora… — Por isso que eu pus esse nome, Professora Helena, em homenagem. [risos] — E aí ele falou com a ex — a professora Helena, [risos] amo… — e combinou as visitas. Então, no primeiro dia ali pra buscar o garoto, esse cara pediu pra Soraia ir junto, ele não queria pegar o garoto sozinho, falou que não tinha intimidade com o garoto… — Filho dele, hein? — Que não tinha intimidade com o garoto, que ele trabalhava muito, ele nunca pegava o garoto, enfim… Em 8 anos tinha feito só alguns passeios… 

Então, lá foram eles na casa da Helena buscar o Arthur com 8 anos. O Arthur estava muito feliz de estar com o pai… — Mesmo depois de anos de abandono emocional, né? Porque não é só pagar pensão… Pensão tem que pagar, isso é fato, isso é lei, mas também afetivamente você tem que estar presente, né? É seu filho, caramba. — E aí o cara meio assim, a Soraia já foi, se apresentou, se apresentou pra Helena, a Helena com uma cara feia… Soraia sem entender, porque nunca, né? Não tinha nem contato… E a Helena estava com um outro menino, Thiago, de 6 anos, mais novo que o Arthur, que era de um outro relacionamento que ela teve. E o Thiago estava ali, do lado da mãe e tal… E aí pegaram o Arthur… Esse cara remanejou os plantões pra não ter que ficar muito em casa com o garoto. Mas a Soraia adorou o garoto, adorou o Arthur… E ele se deu muito bem com ela, então eles fizeram passeios e tal e o Arthur estava feliz de ver o pai um pouco e de ficar com a Soraia, ele gostou. 

Porque, assim, a professora Helena ela não tinha tempo e nem grana para fazer uns passeios legais ou pra sair com o Arthur de final de semana… Então ficou combinado que a cada 15 dias ia rolar essa visitação aí, muito a contragosto dessa criatura, que seria o pai aí do Arthur. Na segunda vez, o cara foi junto com a Soraia buscar e estava lá menininho Arthur e menininho Thiago, e professora Helena meio de cara feia com a Soraia, e menininho Thiago triste, muito triste… E a Soraia até brincou com ele e falou: “Você está triste e tal?”, mas ficou por aquilo e foi embora, pegou o Arthur, Arthur se divertiu, enfim… A partir da terceira vez, este cara não quis mais buscar o filho. Ele delegou essa função para a Soraia, mas pra Soraia estava ótimo, porque ela saía do trabalho na sexta—feira final da tarde e já passava lá para pegar o Arthur, de boa… Ela estava tranquila quanto a isso e, na segunda de manhã, antes de ir trabalhar, ela deixava o Arthur na escola. 

E Soraia sem filhos, nunca pensou em ter filho, né? Foi vivendo aí essa vida de madrasta. Quando estava mais ou menos ali, um mês e meio, a Soraia resolveu falar com a Helena. — Porque, assim, ela tratava a Soraia de maneira ríspida. — E aí ela comprou uma bola e levou uma bola e falou para os meninos: “Ah, dá uma brincadeirinha ali com a bola, que eu preciso conversar aqui com a sua mãe”. E aí ela falou, falou: “Olha, Helena, eu estou fazendo o máximo que eu posso e tal, né? Tem alguma coisa que você não está gostando? Sempre que eu venho aqui você é muito seca”. E aí a Helena falou para Soraia que o cara tinha falado pra Helena que ele ficou todo esse tempo sem ver o filho porque a Soraia proibia… — Sendo que a Soraia nem sabia que o Arthur existia, gente… Vai vendo. — E aí a Soraia ficou sem acreditar, pegou o telefone, fez um FaceTime na hora com o marido e começou a gritar… Gritar com ele. 

E aí ele falou meia dúzia de coisa e falou que a Helena enchia o saco dele e não sei o que lá e por isso ele falou isso, mas ainda bem, ele desmentiu, né? E aí a Helena ficou sem acreditar, pediu mil desculpas, a Soraia começou a chorar… — Porque, gente, é muito sórdido, né? Você jogar a culpa e tal… — E aí foi a primeira vez que a Helena convidou a Soraia pra entrar. E aí ela entrou, ela tava chorando, foi no banheiro, lavou o rosto… Os meninos ficaram assustados e a Helena chamou e falou: “Não, não é nada, já passou e nã nã nã”, pra dar uma acalmada. E aí a Soraia aproveitou e falou: “Por que o Thiago está sempre triste? Quando eu venho aqui ele tá triste?”. E aí a Helena falou que o pai do Thiago tinha sumido no mundo, então ele não tinha pai… E quando o Arthur ia para pra casa da Soraia com aquele traste, ele ficava sozinho, ficava triste e tal, né? E aí o Arthur voltava falando dos passeios e tal…  — E aí, gente, eu sou uma pessoa muito mole, porque eu sou igual a Inês Brasil, sabe? Não mexe com criança, não mexe com criança… —

E aí a Soraia falou: “O quê? É por isso que ele está triste? Vai, faz a mala dele, faz a mala dele que ele vai também”. Soraia, que não tinha filhos e nenhuma obrigação ali, começou a pegar o Thiago e o Arthur pra levar um final de semana sim, um final de semana não para casa dela. O cara surtou, não queria de jeito nenhum. Ela falou: “Bom, essa casa também é minha e você mal para aqui, eu que cuido deles da hora que eles chegam até a hora que eles vão pra escola, então eu não vou abrir mão”. — Gente, a Soraia, maravilhosa, começou a pegar o Arthur e o Thiago a cada 15 dias e a fazer passeio com eles… — Nas férias, este médico inventou um curso… — Que realmente ele fez, a Soraia falou que ele fez, mas tem certeza que que fez porque não queria ficar em casa. —

E o que a Soraia fez? Pegou os meninos e viajou… E, pra não ir sozinha com os meninos, ela chamou a Helena… E depois de mais ou menos um ano e meio que ela estava pegando os meninos a cada 15 dias, ela começou a ter uma amizade com a Helena e elas ficaram muito amigas… E agora, tanto importava se o cara estava em casa ou não, ela pegava os meninos que era a hora também que a Helena tinha, sei lá, pra sair, pra fazer as coisas dela, pra ir no cinema… Era um tempo dela, sabe? Quando deu ali quatro anos e pouco dessa dinâmica, eles resolveram se separar. O cara queria e não queria mais, a Soraia também não tava muito aí…  — E aí, qual era o medo da Soraia? — Agora que eles iam se separar, ela não tinha mais vínculo nenhum com as crianças, concorda? Com o Thiago ela já não tinha nenhum vínculo, mas ela tava há quatro anos pegando o Thiago também, né? E com o Arthur agora ela não teria nenhum vínculo. Então ela foi segurando o casamento mais por causa dos meninos… 

E aí ela correu lá na Helena chorando, a Helena falou: “Calma, imagina… [riso] Você não pega por causa da guarda daquele traste, mas você pode pegar os meninos aqui quando você quiser, né? Até me ajuda”. Soraia se separou daquele médico que não estava nem aí para o Arthur, né? — Pai do Arthur. — E continuou pegando as crianças a cada 15 dias. Agora como amiga da Helena somente. Quando ela já estava nessa nova dinâmica há dois anos, sendo que agora a Helena também fazia alguns passeios e tal, a Helena descobriu que estava doente. — E aí, gente, assim, eu não vou falar especificamente aqui qual foi a doença dela, porque é alguma coisa bem específica, mas sei lá, vamos falar que foi um negócio no coração. — Ela teve um negócio no coração, começou a tratar, o prognóstico não era bom… E a partir daí, ela começou a falar com a Soraia, se caso ela faltasse, a Soraia cuidaria dos meninos, porque ela não tinha mais ninguém… E ela sabia que se ficasse na mão do pai lá, ele ia botar o Arthur num colégio, sei lá, interno, e o Thiago ia acabar em algum abrigo. E ela estava muito desesperada, porque além de tratar a doença, ela tinha essa questão. 

E aí a Soraia foi pega de surpresa, porque ela não estava nem pensando nisso da Helena um dia vir a faltar, né? E aí ela pensou, pensou, pensou, falou com a mãe dela… A mãe dela falou: “Olha, você depois que começou a pegar esses meninos, você virou outra”, porque agora ela também levava os meninos na casa da mãe… Toda a família da Soraia conhecia os meninos, né? Então ela foi pra Helena — e eu já quero chorar… — e disse que sim, que ela sabia que nada ia acontecer, mas se algo acontecesse, ela ficaria com os meninos. Só que aí a Helena falou pra ela: “Então a gente pode formalizar isso de alguma forma?”, e aí elas contrataram uma advogada pra colocar os desejos da Helena no papel. A Helena durou, gente, mais um ano e um mês, e aí ela faleceu… Antes disso, ela conversou com os meninos, ela explicou a situação caso ela não estivesse mais lá, que a tia Soraia ia ficar com eles, todo mundo chorou muito, mas os meninos abraçaram ali a tia Soraia e, enfim, elas prepararam as crianças da forma que deu, né?

Depois que a Helena morreu, a advogada fez o que tinha que fazer para ver essa questão do pai, se ele ia querer a guarda, se não ia… O Thiago realmente não tinha ninguém, porque parece que até a a Vara da Infância procura familiares e tal… E não tinha ninguém vírgula, né? Encontraram o pai, que disse que não estava trabalhando e que, ah, falou que ia comparecer ao fórum e nunca apareceu também. E depois de um tempo de um trâmite, ela pôde sim ficar com os meninos, o cara abriu mão da guarda do próprio filho, — O médico. — mas ele paga a pensão. — Eles fizeram lá um bem bolado jurídico e ele não liga de pagar pensão, não… Ele só não quer realmente conviver com o próprio filho, com o Arthur. — Hoje o Arthur tem 22 anos e o Thiago tem 20, eles são irmãos e amigos, muito, muito, muito amigos. E são os filhos da Soraia, né? Ela, que nunca quis ser mãe, acabou ganhando aí dois filhos. 

E ela acha… Porque, assim, esse médico com quem ela casou, ele não tinha nada, nada nele que atraísse a Soraia. Ela falou: “Andréia, eu tenho certeza que, sei lá…” — Ela acredita nisso, né? — “Que o plano espiritual me fez gostar daquele homem porque eu tinha que conhecer os meninos… Não existia uma outra forma de eu conhecer os meninos, da minha amizade com a Helena acontecer e os meninos virem para mim, como meus filhos”. Então ela acha realmente que tudo estava escrito. Pra Soraia é isso, assim, tinha que ser assim… — Mesmo a parte ruim, né? Que foi conhecer aquela criatura, insensível, até a mais ruim ainda, perder a Helena… — E agora ela está aí com os meninos. E que os dois ainda moram com ela e são os filhos dela… — Eu amei essa história, gente… Dei uma chorada boa, aí falei: “Vou gravar depois de chorar pra não ficar chorando no meio da história, né?”. — E a Soraia diz que ela sempre faz a comida que a Helena mais gostava… Eles têm, assim, os três, alguns rituais deles pra lembrar a Helena, pra deixar a presença dela viva ainda nos meninos… 

E ela falou que no velório da Helena… [voz embargada] Ai, não vou aguentar… No velório da professora Helena, ela dava aula pra crianças pequenas, assim, de 8, 9 anos, né? E todas as crianças foram, gente, no enterro da professora Helena, com a escola, com ônibus da escola… E cantaram pra professora Helena. Com crianças de 8, 9 anos já dá para você ter uma boa conversa sobre morte, sobre finitude, enfim… — Queria não chorar, mas chorei. — Então, essa é a história da Soraia, do Arthur, do Thiago, da Helena e daquele traste. E como diz a Soraia: “Estava escrito, né?”. Será? Vocês acreditam nisso? Vocês acham que era pra acontecer tudo do jeito que aconteceu ou foi uma grande coincidência? Um acaso da vida que uniu aí o destino dessas pessoas? 

[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers… Ô, Soraia, aqui é a Loyane de Ribeirão Preto, eu queria te dar um abraço muito grande agora, porque eu fiquei muito tocada com sua história. Eu queria te dar parabéns pela sua coragem, queria dizer que eu conheço algumas pessoas que adotaram crianças e que não é fácil e não é para qualquer pessoa, são para seres humanos muito especiais. Deus faz as coisas sempre certo, é a gente que tem que acreditar mais, independente de religião… Eu acho que ele colocou vocês realmente na hora, no local e com as pessoas certas, vamos dizer assim, você tem muita coragem, você é uma mulher de muito amor, de muita luz. E eu sei que a Helena é o seu anjinho da guarda e o anjinho da guarda dos meninos para sempre. Parabéns… Dá um beijão nos meninos, se abracem, se amem, continuem sendo essa família linda, essa família de alma. Um beijo. 

Assinante 2: Oi, Não Inviabilizers, aqui é a Larissa, falo de São Paulo. Eu trabalhei um tempo na assistência social enquanto psicóloga e essa história ela me marca muito, me toca muito, porque eu vi muitas histórias de crianças que não tinham Helenas e Soraias na vida, né? Eu trabalhei exatamente no abrigo de crianças e o que mais tem é, infelizmente, crianças que foram deixadas emocionalmente e financeiramente, enfim… E também enquanto uma pessoa que tem muito desejo de adotar, essa história me pegou muito fundo também. Então queria agradecer pela história. E, Soraia, você é incrível, de verdade… Parabéns. 

[trilha]

Déia Freitas: Comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis. Um beijo e eu volto em breve. 

[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Amor nas Redes é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.