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título: flores brancas – parte 2
data de publicação: 02/11/2023
quadro: amor nas redes
hashtag: #flores2
personagens: damiana e cleide

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Amor nas Redes, sua história é contada aqui. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Amor nas Redes. — Se você não ouviu ainda “Flores Brancas – Parte 1”, volta aqui o feed e ouça, é um Picolé de Limão e agora a gente vai para a parte final da história que, ainda bem, se transformou aí num Amor nas Redes. — E hoje eu vou contar para vocês a continuação da história da Damiana e da Cleide. então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]

Damiana, muito nova, casada com um homem horrível, vivendo um relacionamento abusivo e violento tinha ali na sua amiga Cleide um respiro, um brilho de esperança lá no final do horizonte, de que as coisas um dia pudessem mudar. Só que o tempo foi passando e só sair para passear um pouco não era suficiente mais para Damiana. Além do que, o marido estava cada vez mais violento e ela percebia ali que ela estava em perigo e que ela realmente poderia morrer. Damiana então, num rompante de coragem, que nem ela sabe de onde veio, resolveu fugir. Mas como fugir? Ela não tinha dinheiro, ela não conhecia nada do Rio de Janeiro, ela tinha a Cleide ali como amiga, mas a Cleide tinha um trabalho, a Cleide morava no casarão, né? Não tinha como Damiana fugir. E ela comentou isso com a Cleide: “Cleide, eu quero muito sair daqui, eu quero muito fugir, mas eu não sei por onde começar, eu não sei o que fazer”. 

E aí era o que a Cleide precisava ouvir, era a deixa que ela precisava… Cleide falou para Damiana: “Junta suas coisas”. — Quase nada, né? Damiana não tinha quase nada. — Pouquíssimas roupas, o seu caderno cheio de pétalas secas das flores brancas que ela ganhava da Cleide e ela juntou as coisas todas num saco de lixo que a Cleide deu para ela e Damiana, assim que saiu daquele quarto, ainda no corredor, ela respirou e falou: “Nunca mais eu volto nesse lugar” e olhou em volta ali, viu as flores que a Cleide enfeitava, os corredores e tal, e aquilo deu uma alegria nela e ela falou: “Bom, Cleide, pra onde a gente vai? Pra onde a gente vai fugir?”. A Cleide, com um belo sorriso no rosto, olhou pra Damiana e apontou pra cima: “A gente vai fugir pro meu quarto”. Damiana não estava acreditando que não era ainda a vez dela sair daquele casarão… 

A ideia que a Cleide teve é: Ela simularia a fuga da Damiana, inclusive contando para o marido da Damiana que sua esposa tinha fugido, mas ela esconderia Damiana no quarto dela. — Era perfeito… — No último andar só tinha um quarto — que era tipo um sótão — da Cleide e um banheirinho… Era perfeito, ninguém subia lá, ninguém ligava muito pra Cleide porque ela estava ali só pra limpar… As pessoas que moravam ali naqueles quartos elas saíam o dia inteiro para trabalhar, então se elas fizessem direitinho, até dava pra Damiana dar uma volta ou outra, mas inicialmente a ideia era fugir, sair das garras daquele homem… Podia ser que aquele plano funcionaria. E assim a Damiana fez… Ela subiu até o quarto da Cleide e lá ela ficou escondida. O dia foi passando, quando caiu a noite e o marido da Damiana voltou, a primeira coisa que ele encontrou foi o cadeado arrombado. — Por que o que precisava ser feito? Ela precisava sair da casa, né? —

Então a Cleide falou pra ela: “Olha, eu não posso abrir para você, você tem que pegar aí uma cadeira, qualquer coisa e ir forçando a porta… O cadeado aqui é frágil e você vai conseguir”. E aí com muito jeito — e sem fazer muito barulho — porque a questão era incomodar ou alertar os outros vizinhos e os outros moradores… — Só que a maioria já estava trabalhando, né? — E aí ela foi e conseguiu arrombar a porta… E isso precisava ser feito para simular ali uma fuga. E aí, quando o marido da Damiana chegou, viu a porta arrombada, ficou em choque ali e a primeira coisa que veio na cabeça dele quando ele viu a Cleide foi: “Entraram aqui e roubaram a Damiana”, e aí a Cleide falou: “Olha, eu nem sabia que tinha uma moça aqui dentro”, eu ouvi ela estourando a porta e ela saiu correndo… Ela estava com uma sacola e ela saiu correndo para a rua, não sei para onde ela foi”. 

E aí o marido da Damiana saiu correndo para a rua também e depois de umas duas horas ali, ele voltou… Muito bravo, bêbado e quebrou ali aquele quarto todo [efeito sonoro de coisas sendo derrubadas] no ódio. No dia seguinte, ele arrumou as coisas dele já no dia seguinte e entregou a chave de volta pra Cleide, que era ela que limpava e cuidava ali, né? E falou para a Cleide avisar a senhora que era proprietária do casarão que ele estava saindo uns dias antes de vencer o próximo aluguel e que ele não ia voltar, que ele ia atrás da mulher dele, porque ele achava que ela tinha voltado para o Estado que ela morava, né? Para a casa dela. Damiana ficou dois meses escondida no quarto ali de Cleide e depois desses dois meses ela tomou coragem de procurar um trabalho. O trabalho que Damiana conseguiu foi de bilheteira em um cinema e ela estava muito feliz, porque nos intervalos, ou se ela chegasse mais cedo ou depois do horário dela, ela podia acompanhar os filmes ali de graça. 

E mais um tempinho se passou, ela saiu do casarão… — Que era realmente a vontade que ela tinha e a amizade que ela tinha com Cleide por conta das coisas da vida e trabalho foi ali, sei lá, se dissipando um pouco, né? Elas se afastaram e cada uma seguiu a sua vida. Damiana conheceu um homem bom, se casou, teve dois filhos e, quando os filhos estavam já com seus 19, 20 anos, o marido de Damiana faleceu… [música triste] E por muitas vezes ela já tinha lembrado da Cleide, mas aquela coisa, você lembra, esquece… “Ah, foi uma amiga, foi alguém que me ajudou muito e nã nã nã” e, enquanto ela estava no cemitério ali após o enterro do marido, ela viu uma sepultura com flores brancas. E aquilo primeiro deu um impacto nela, porque ela lembrou da Cleide e correu na sepultura com medo de que fosse a Cleide, mas não era, não tinha nada a ver… A lembrança veio ali por causa das flores, né? 

E, a partir desse momento — que Damiana ficou viúva —, ela começou a procurar a Cleide nas redes sociais. Cleide tinha um sobrenome pouco comum e não foi até que difícil Damiana encontrar a Cleide… E ela resolveu mandar uma mensagem. Alguns dias depois, [efeito sonoro de notificação] a mensagem de Damiana teve uma resposta… Cleide não acreditava que finalmente ela tinha encontrado a amiga e elas começaram ali a conversar por rede social. Cleide já estava morando fora do país e trabalhando, enfim, ela nunca tinha se casado… E depois de meses de conversa, Damiana, agora viúva, os filhos crescidos, já encaminhados, estudando, fazendo faculdade, ela falou: “Bom, por que eu não posso passar duas semanas com a minha amiga?”. Damiana fez o passaporte, comprou as passagens e resolveu visitar Cleide aí no país que ela estava morando… [efeito sonoro de avião decolando]

O reencontro das duas foi mágico… Elas choraram muito, elas tinham muita coisa para colocar em dia, muita vida para compartilhar, para contar uma para outra… E Damiana contou que tinha conhecido um cara muito legal, tinha casado, hoje tinha dois filhos e mostrou ali no celular as fotos dos filhos e nã nã nã e Cleide, que nunca tinha se casado depois de alguns poucos anos ali no Brasil tinha se mudado para esse país, começou também fazendo limpeza e depois conseguiu dar uma prosperada e agora estava bem morando ali… Mas Cleide não falava de nenhum relacionamento, nada. E Damiana perguntou: “Mas e aí, você não casou? Não tem uma família? Não tem ninguém e tal?”. E aí a Cleide disse que não, que quando naquela época delas, quando elas eram jovens, ela tinha se apaixonado por uma pessoa, mas não tinha dado certo e ela seguiu a vida dela, conheceu outras pessoas no caminho, mas nada tinha rolado de mais sério. 

E aí aquele duas semanas com com a Cleide foram, assim, perfeitas para Damiana… Meu Deus… Aquela amizade tinha voltado igual, melhor até do que quando elas eram novinhas. Só que agora tinha um componente diferente: Damiana estava vendo Cleide talvez com outros olhos… De uma maneira mais madura e meio que, não sei, sentindo algo… Será? Não tinha nada a ver… Cleide? Cleide era sua melhor amiga. — Tudo bem que elas ficaram afastadas mil anos, mas ela era sua melhor amiga. — O dia de voltar chegou, [efeito sonoro de pessoas chorando] elas choraram muito, porque era muito difícil realmente as duas se separarem ali, né? E a Damiana não sabe de onde, de novo, ela tirou coragem… Ela falou: “Andréia, meu Deus, parecia que de novo eu tava fazendo uma coisa que eu jamais faria”, enquanto elas choravam, ela beijou a Cleide… Cleide na hora assustou, mas correspondeu o beijo e depois desse beijo já estava na hora de Damiana voltar para casa. Damiana entrou naquele avião, assim, muito confusa e sem entender… Ela tinha acabado de ficar viúva… — Talvez fosse isso, né? Talvez fosse só carência. —

E ela voltou para o Brasil, elas continuaram conversando e agora já de um outro jeito, né? E, numa dessas conversas, a Cleide acabou confessando para Damiana que ela era apaixonada pela Damiana desde a primeira vez que ela viu a Damiana, que ela abriu a porta daquele quarto e viu a Damiana ali. — Toda frágil, toda indefesa. — E que ela nunca tinha se casado e nunca tinha conseguido se apaixonar por ninguém como ela era apaixonada pela Damiana. Aquilo também pegou Damiana de surpresa… — Ela já estava bem confusa, né? — E ela conversou com os filhos, eles tinham a casa ali, os filhos podiam ficar morando na casa, enfim… E ela fez uns arranjos ali e disse que ia embora, ia para outro país morar com uma amiga. — Porque inicialmente ela não contou para os filhos, o pai deles tinha acabado de morrer e que ela queria uma vida nova. —

Os filhos acharam até que bom, porque assim, pelo menos eles podiam seguir a vida deles um pouco menos preocupados com a mãe, que agora ia estar sozinha e triste ali porque o pai tinha partido. E Damiana organizou a vida dela e foi encontrar com Cleide. [efeito sonoro de avião decolando] Cleide estava mais feliz do que nunca e o reencontro delas ali, agora de maneira definitiva, foi maravilhoso. Foi tudo muito doce… Era a primeira vez que a Damiana estava com uma mulher e foi tudo muito intenso, muito doce, muito suave, muito… Ali era o lugar certo da Damiana, sabe? Ela entendeu isso. — E ela foi para morar com a Cleide, então era praticamente um casamento, né? — E esse casamento durou dez anos… Dez anos de muito amor, muito companheirismo, muitas risadas, muitas memórias… Muita coisa boa. 

E depois de dez anos, numa manhã, a Damiana acordou e elas tinham uma rotina, né? Elas acordavam juntas e já começavam o dia juntas… — E a Cleide sempre com aquela mania das flores brancas e onde elas estavam quando estava muito inverno, você não achava flores… Então elas sempre estavam atrás dessas flores brancas para enfeitar a casa e tal… — E aí, no dia anterior, a Cleide tinha conseguido flores lindas, brancas e a casa estava muito enfeitada, muito florida… Damiana acordou e deu um beijo na Cleide… Só que a Cleide não acordou. A Cleide faleceu dormindo. E Damiana disse que, sei lá, parece bonito quando a pessoa morre dormindo, mas foi muito difícil. Foi pior do que perder o marido… — Porque o marido ficou doente, ela teve um tempo para se despedir, né? E com a Cleide, não. Um dia estava tudo bem e, no dia seguinte, ela já não estava mais ali… — Cleide não tinha muita família, quer dizer, eles estavam afastados, então era ela e a Damiana… E antes era só ela. Damiana preparou tudo para fazer um enterro da Cleide, fez o enterro no país mesmo que elas moravam juntas, né? 

Fez questão de que tivesse muitas flores brancas no enterro da sua melhor amiga, do seu amor… Até hoje Damiana mora nesse país e visita ali a sepultura da Cleide, porque, como ela se separaram da primeira vez, Damiana acha que agora ela não pode se separar da Cleide assim, pelo menos do último lugar que a Cleide esteve. E ela mora lá… E ela teve outros relacionamentos, se envolveu aí com com outras mulheres, mas também não consegue ter ninguém fixo. O amor da vida dela, depois do marido — porque sim, ela amou muito o marido — foi a Cleide. E pelas crenças da Damiana, ela acha que quando ela morrer, ela vai reencontrar a Cleide e ela espera que a Cleide esteja esperando ela com flores brancas na mão, [voz embargada] como ela fazia lá no casarão. — Eu, como não acredito muito nessa coisa de vida após a morte, eu acho que quando a gente perde um parceiro, uma parceira, eu acho que a gente tem que refazer a vida e, sei lá, procurar outra pessoa se quiser também, né? Então, não sei, mas eu acho muito lindo quem acredita que pode encontrar as pessoas numa outra vida, não sei… Esse é o caso da Damiana, né?  —

Ela tá lá, está vivendo a vida dela… Ela não fica tipo parada no tempo esperando morrer, sabe? Ela está levando a vida dela, mas ela sabe que lá na frente, um dia ela vai voltar a encontrar a Cleide. A Damiana continua enfeitando a casa com flores brancas aí na esperança de, quem sabe, receber uma visita da Cleide. — Não vem com essa não, hein, Damiana? Só me falta agora você me escrever aí um Luz Acesa, né? Vamos parando por aqui… Já o Picolé de Limão e Amor nas Redes, está bom demais… — Então, essa é a história da Damiana, uma história longa, uma história com um final que, como a Damiana disse ainda não aconteceu, mas que ela tem certeza que será um final feliz, porque ela tem certeza que ela vai ainda encontrar a Cleide, sua melhor amiga e seu amor, novamente.

[trilha]

Assinante 1: Oi, Não Inviabilizers, aqui é Andréia de Angra dos Reis. Eu fiquei com muito medo dessa história de Flores Brancas acabar mal, mas estou muito feliz que a história das duas não morreu, que a Damiana foi salva, que a Cleide foi um anjo na vida dela, que ajudou ela se salvar daquele homem… Ela teve a vida que ela mereceu e ainda conseguiram se encontrar e viver um casamento, viver juntas. [voz embargada] Viver essa história de amor, assim… A gente precisa mais disso no nosso dia a dia. Um beijo para você, Damiana, que você continue seu caminho e ainda seja muito feliz até o fim dos seus dias. [chorando] Pelo amor de Deus, não escreve um Luz Acesa porque eu tenho medo. Beijos. 

Assinante 2: Oi, Não Inviabilizers, aqui quem fala é a Laura, eu sou de Piracicaba, interior de São Paulo. Fiquei muito feliz que as minhas suspeitas se confirmaram no final, quando elas ficaram juntas. Esse episódio me fez pensar muito sobre como as relações que a gente tem, elas se transformam ao longo do tempo e a delícia que é você ter uma relação com alguém que funciona em suas mais variadas formas. A Damiana e a Cleide elas eram ótimas amigas, o tipo de amizade que é raríssimo de encontrar… Mesmo que a Cleide fosse apaixonada pela Damiana, ali tinha sim uma amizade e uma cumplicidade muito grande. No final, elas se encontraram e se envolveram romanticamente, funcionou… É um aconchego, um conforto no coração saber que existem pessoas que estão dispostas genuinamente a te ajudar e também que existem essas relações que acontecem, elas se transformam e elas resistem ao tempo. Isso é incrível… Por mais histórias assim. 

[trilha]

Déia Freitas: Comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis com a Damiana. Ela é um doce de senhora, uma pessoa muito calma, sabe? Uma pessoa muito tranquila e é isso, gente. Um beijo e eu volto em breve. 

[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Amor nas Redes é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.