título: fígado
data de publicação: 03/06/2024
quadro: picolé de limão
hashtag: #figado
personagens: rosa e eduardo
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para mais um Picolé de Limão. E hoje eu vou contar para vocês a história da Rosa. Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]
A Rosa ela conheceu o seu marido quando ela tinha ali seus vinte e poucos anos — ele também tinha vinte e poucos anos —, eles se conheceram, se gostaram e tal, namoraram um tempo, noivaram um ano e casaram… [efeito sonoro de sino soando] O casamento foi normal, o tempo foi passando, eles trabalhando, batalhando para conseguir a casa própria, a Rosa engravidou, teve um garoto, o Eduardo, e naquela batalha… Os dois trabalhando, os dois conquistando as coisas, conseguiram comprar a casinha própria, depois de um tempo conseguiram comprar um carro… Aí depois a Rosa resolveu tirar a habilitação e eles conseguiram comprar um outro carro e a vida foi progredindo. Quando ele estava ainda no ensino fundamental ele estudava numa escola particular — particular mais pop, assim, né? — e a Rosa queria passar o Eduardo para uma escola melhor assim e o marido disse que não, que “ah, porque os gastos, não sei o que” e ela falou: “Mas a gente fez as contas aqui… Dá, né?”.
Mas ficou por isso mesmo, o Eduardo estudou nessa escola o ensino fundamental, no ensino médio ele conseguiu uma vaga numa escola técnica. — Eu não vou falar, lógico, qual que ele fez, né? Mas aqui em Santo André tem a ETE Lauro Gomes, muito boa, e também é tipo vestibular e tal, né? — Estudou aí e foi seguindo aí a sua vida… O casamento da Rosa foi seguindo… Agora o Eduardo já estava com 22 anos, já estava cursando uma faculdade de tecnologia — tinha conseguido também uma boa pontuação e tal no Enem, tinha uma bolsa e tal e estava cursando uma faculdade de tecnologia — e o Eduardo sempre foi um rapaz assim, muito animado, sabe? Um mocinho muito felizinho, assim, muito brincalhão com a Rosa e ele tava muito calado… Muito calado. Ele fazia um estágio e depois ele já ia pra faculdade. Chegava cedo lá, porque tem um tempo que você tem que cumprir, então ele ficava ali um tempo ali ainda na faculdade, nesse tempo ele sempre brincava com a mãe ali, falava com ela no WhatsApp e ele tava calado, assim, mal falava com a Rosa… E a rosa não entendendo o que estava acontecendo, pensou aquelas coisas básicas: “Ah, será que ele arranjou uma namorada e ela terminou?”, ou “será que está usando “tóchico?” [risos], usando roga… Aquelas coisas básicas que as mães, os pais pensam quando o filho muda, assim. Ele era muito expansivo, muito alegre e, de repente, ele ficou cabisbaixo, tristonho?
Rosa falou: “Eu preciso investigar isso, né?” e mãe vocês sabem como é mãe, “vou apertar ele” e Rosa já tinha comentado com o marido e ele falou: “Não, isso é bobagem”. Quando a Rosa comentava com o marido, no dia seguinte, o Eduardo estava mais animado, mas parecia que ele estava fingindo, sabe? A Rosa começou a achar que o marido ia, dava uma bronca, tipo: “Fica feliz aí pra sua mãe não ficar falando, né?” e ela achou tudo muito estranho… Não tinha como investigar a vida do filho, porque assim, ela manjando muito menos de tecnologia que ele. — Então, assim, não tinha nem como vasculhar as coisas do filho, porque ela vasculharia… — Ela falou: “Vou apertar ele, vou apertar até falar”. Um dia que ele não tinha aula, ele saiu do estágio e chegou em casa mais cedo, ele estava lá no quarto — no computador — e a Rosa entrou lá e falou: “Bom, eu não vou sair daqui até você me contar o que está acontecendo”, Eduardo falou: “Nada, mãe, não está acontecendo nada. Ah, me deixa e não sei o que lá”, e aí a Rosa falou: “Não, você não é assim, você vai ter que me falar o que está acontecendo, Eduardo. Você tá usando de droga? [riso] Sei lá, você roubou alguém? Você fez um assalto? Você está se escondendo de alguém? Você engravidou alguma menina? Me fala, o que aconteceu?”.
E aí o Eduardo começou a chorar, chorar muito… [efeito sonoro de pessoa chorando] E agora a gente vai voltar no tempo e contar aqui uma outra história. [efeito sonoro de fita rebobinando] Quando o Eduardo estava lá naquela escola do ensino fundamental, era o pai dele que levava ele na escola. — Então, veja, a gente está falando de bastante tempo… — E, naquela época, ele conheceu uma moça que trabalhava na escola, se envolveu com essa moça que trabalhava na escola, montou uma casa para esta moça que trabalhava na escola, teve dois filhos com essa moça… Até aqui, chocante para Rosa, muito chocante, para Eduardo também foi chocante como ele descobriu, mas isso não era 10% do horror dessa história. Como o Eduardo descobriu isso? Quando ele completou 22 anos, o pai chamou ele pra conversar e contou essa história que eu contei agora para vocês, que ele conheceu a moça na escola, aí deu a versão dele, “que foi inevitável, que quando ele viu ele já estava envolvido, que quando ele viu ela já estava grávida e com ela ele teve dois filhos… E que um dia ele queria que o Eduardo conhecesse os irmãos, mas que agora ele precisava de um favor do Eduardo” e foi exatamente este favor que deixou o Eduardo mal, assim…
Porque essa coisa de: “Ah, ele tem uma outra família”, meio que assim, o Eduardo falou: “Vai resolver com a minha mãe isso, né? Se eu tenho irmãos, eu vou conhecer meus irmãos e tudo bem”. Mas o que o pai estava pedindo? Esta amante dele tinha um irmão caçula e este irmão caçula estava com a mesma idade do Eduardo… Este irmão caçula tinha uma doença no fígado e o pai do Eduardo estava pedindo para ele — se ele gostaria, se ele poderia — testar para doar parte do fígado dele para esse rapaz, caso o Eduardo fosse compatível. — Aqui eu quero abrir um parêntese, o transplante de fígado com doador vivo é possível porque o nosso fígado se regenera, isso é muito importante, isso é muito legal… Eu sou doadora de órgãos, eu acho que todo mundo tem que ser, né? Inclusive, se algum parente meu precisar de um pedaço do meu fígado, agora que eu sei que eu posso doar só um pedaço, eu doaria sem o menor problema. — Olha o que o pai estava pedindo para um cara de 22 anos, totalmente imaturo — com medo até de injeção — pra ele fazer testes pra ver se ele era compatível para doar um pedaço do fígado dele pra um desconhecido.
O Eduardo ficou em choque e falou que ia pensar e o pai começou a insistir todo dia, porque assim, parece que para você doar o seu fígado tem algumas regras, assim, você tem que ter mais ou menos a mesma compleição física do receptor, você não pode estar ali na faixa de obesidade, talvez por ter alguma gordura no fígado, não sei. Tem umas coisas e o Eduardo se encaixava em tudo, mas tem outra etapa, que é ver se é compatível, porque parece que até os vasinhos tem que ser compatíveis, uma coisa assim… E o Eduardo em choque… Primeiro que é uma decisão que nem todas as pessoas vão conseguir ter, de doar uma parte de seu fígado, né? E não é assim também que se faz as coisas, né? E aí o Eduardo ficou pressionado pelo pai a doar um pedaço do fígado pra uma pessoa que ele nem sabia quem era, que era tipo o irmão da amante do pai. A Rosa ficou louca, louca, louca, louca, louca e queria ligar na empresa… Mas o Eduardo falou: “Não, agora que eu te contei tudo, a gente vai esperar ele chegar e a gente vai falar com ele. Eu aqui junto com a senhora”.
O pai chegou, Rosa já queria dar a cadeirada nele, mas Eduardo segurou ali e o Eduardo falou: “Pai, já contei tudo para mãe” e começou a chorar, aí o pai começou a chorar também… — Lágrima de crocodilo, né, gente? — E a Rosa já falou: “Olha, o Eduardo ele não está preparado, nem para fazer teste nenhum de fígado nenhum”, enfim, xingou ele de tudo quanto é nome, falou que queria o divórcio… Foi um escândalo tão grande que os vizinhos chamaram a polícia, porque a Rosa tacou as coisas no marido e tal. [efeito sonoro de sirene de polícia] E aí a polícia veio e a Rosa não quis dar queixa, mas falou para o policial: “Eu quero que ele saia agora dessa casa”. E aí o PM orientou e falou: “Olha, é melhor o senhor sair, procura um advogado e veja o que vai fazer, o que não vai fazer e nã nã nã”. — Essa história de doação, além de ser uma coisa muito importante que a gente tem que fazer, mas pensa, como que você vai pedir pro seu filho doar um pedaço do seu fígado para o irmão da amante? Não tem como, né? —
E aí eles foram para a justiça, a Rosa descobriu que a casa que a amante morava, foi comprada com o dinheiro deles… E aí isso deu um rolo, que no final o marido ficou com a casa que tava no nome da amante, não sei se passou para o nome dele, se não passou e a casa que eles moravam ficou pra Rosa. Só no nome da Rosa. Cada um ficou com seu carro, dividiram tudo o que tinha que dividir, mas a Rosa conseguiu uma boa advogada, que fez levantamento de tudo e pegou tudo… — Até, sei lá, previdência, metade… Pegou tudo, tudo, tudo, tudo que podia pegar, pegou. — E aí agora o pai mora com essa amante e os dois filhos, — o Eduardo já conhece os dois filhos… — essa situação do fígado o rapaz ainda não conseguiu, mas o Eduardo não quis nem ser testado porque ele falou: “É uma coisa que… O meu pai me invadiu demais já” e ele também não conhece o rapaz, não sabe da história do rapaz, não sabe de nada e não quer saber. Ele conheceu um dia os irmãos, mas os irmãos são bem hostis, assim, com o Eduardo, então ele não sabe o que a mãe dos adolescentes falou, né? Então, ele também não tem contato, não quer ter contato com os irmãos.
Então segue o Eduardo e Rosa agora a vida com essa história do pai pedindo um pedaço do fígado do filho para o irmão da amante. Veja se tem cabimento uma coisa dessa… Ainda bem que ela pegou as coisas. — E uma coisa que a Rosa me falou, que a advogada falou para ela e eu já tinha ouvido também aqui em outras histórias que eu recebi: Amante, gente, não entra em partilha, não tem direito a bens. Se ela sabia que ela era amante… Eu não sei o que eu acho disso também, porque se ela está com o cara, ela também não teria que ter direito a pelo menos a parte do cara? Sei lá… Mas não. Então, quando o Marília Mendonça diz que amante não tem lar, pensem nisso. Não sejam amantes, se valorizem. — O Eduardo ainda tem contato com o pai e falou que o pai vive tentando convencer ele a falar com a Rosa: “Ah, fala com a sua mãe para a gente voltar”, isso ele morando lá com a amante que agora é a mulher dele, né? Tá morando lá junto, não casou no papel… Não sei se, sei lá, se ele separar da amante aí ele perde a casa agora? Não sei.
Bom, mas fiquem atentos e atentas vocês que querem ser amantes, pensar aí que vai entrar em partilha, que vai ter direito a bens, parece que é mais complicado para conseguir. Não sei nem se consegue, se não consegue, mas neste caso da Rosa, ela não conseguiu. Não conseguiu. A Rosa conseguiu uma ótima advogada, fez um excelente acordo.
[trilha]Assinante 1: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, eu sou Pedro Paulo Caixeta, sou médico pediatra e atuo em Brasília num centro satélite de transplante hepático pediátrico. O transplante hepático com doador vivo é uma grande vitória da medicina, já que aumentam as chances do transplante, não sendo necessário apenas a espera pelo doador cadáver. Qualquer processo de doação de órgãos deve ser voluntário e deve ser espontâneo, mas não basta apenas a vontade de doar, são necessários exames para avaliação de compatibilidade sanguínea e também da estrutura anatômica do órgão, né? O órgão doado tem que ser compatível com a pessoa que vai receber este órgão. Quando a gente fala especificamente do fígado, além dos vasos sanguíneos, as vias biliares também precisam ser de tamanhos compatíveis. Uma série de exames e análises vão ser feitas para determinar se esse órgão a ser doado vai ser compatível com o receptor, com a pessoa que vai receber este órgão, sendo compatível e respeitando a vontade do doador, o procedimento de transplante acontece dentro do hospital, dentro do centro cirúrgico e com o suporte de UTI pós operatório, e ele vai consistir esse procedimento em basicamente três etapas: Primeiro, vai retirar um pedaço do órgão a ser doado, esse órgão vai ser preparado para o transplante e depois vai ser colocado na pessoa que vai receber esse órgão. Depois do procedimento, tanto o doador quanto o receptor vão para a UTI, para os cuidados pós-operatórios. Como qualquer procedimento cirúrgico, existem riscos, principalmente infecções, sangramentos e até a trombose. A doação de órgãos salva vidas, mas deve ser uma decisão voluntária e muito bem orientada e muito bem explicada para quem está doando o órgão. Em poucas palavras, é isso, doem órgãos, conversem com suas famílias e deixem todos cientes de seus posicionamentos e suas vontades. Um abraço.
Assinante 2: Oi, Não Inviabilizers, aqui é Carolina, sou advogada de São Paulo. A gente tem que ter em mente que o Código Civil brasileiro protege a monogamia e, para isso, ele traz vários dispositivos que vão dizer muito expressamente que uma pessoa que já é casada ou já tem uma união estável reconhecida, não pode constituir um segundo casamento ou uma segunda união estável sem antes desconstituir formalmente a primeira. Isso tem o objetivo de proteger o patrimônio do casal. O Código Civil também diz no artigo 550 que se o marido adúltero doa um bem, no caso, uma casa para sua amante, essa doação pode ser anulada, e aí este imóvel volta, como aconteceu na história, para o patrimônio do casal, para que ele seja partilhado no divórcio. A amante ela não vai ter direito a nenhum tipo de partilha se ela se separar de seu amante ou, no caso do divórcio entre a esposa e o marido adúltero, ou no caso do falecimento do marido adúltero. Em nenhuma dessas situações a amante tem direito a herança, salvo em raríssimos casos, muito específicos de julgados ao redor do Brasil, que entenderam que a amante tinha algum direito. O filho feito fora do casamento ele tem os mesmos direitos de herança do filho dentro do casamento. Espero ter esclarecido a questão e fiquem espertos aí.
[trilha]
Déia Freitas: Então é isso, gente, comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis aí com a Rosa e com o Eduardo. — Eles dois que falaram comigo… O Eduardo ficou muito preocupado, assim, de repente as pessoas acharem que “ah, ele não quis doar um pedaço do fígado dele”, mas ele não quis nem fazer os exames pra ver a compatibilidade, porque era uma coisa assim que é muito surreal, gente, é muito sem palavras mesmo, né? Não pode ser desse jeito, né? Tem que ser feito tudo de uma maneira muito consciente e a pessoa tem que querer fazer também, né? E eu nem sei também se pode ser um desconhecido a te doar ou se tem que ser um parente… — É é isso, gente, um beijo e eu volto em breve.