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título: consequências
data de publicação: 18/07/2024
quadro: picolé de limão
hashtag: #consequencias
personagens: jussara e um cara

TRANSCRIÇÃO

Este episódio possui conteúdo sensível e deve ser ouvido com cautela.

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para mais um Picolé de Limão. — E hoje eu não, tô sozinha, meu publiii… — [efeito sonoro de crianças contentes] Quem está aqui comigo hoje de novo é a Wondery e o seu mais novo podcast, o “Só no Brasil”. Só no Brasil é um podcast nativo que investiga aí com muito bom humor alguns dos mais absurdos golpes que aconteceram por aqui, como por exemplo, o roubo em plena luz do dia das vigas de um viaduto no Rio de Janeiro. — Vocês lembram dessa história? É surreal… — O podcast é apresentado pelos comediantes Pedro Duarte e Victor Camejo e é voltado para o público que aí interesse em histórias de maracutaias e vigaristas. — Se você ouve Picolé de Limão, você vai amar esse podcast. — 

Os episódios do podcast Só no Brasil saem todas as quartas feiras e já conta aí com dois episódios no ar e você pode ouvir em todos os serviços de streaming de áudio gratuitamente, incluindo também o canal da Wondery aí YouTube. — O link está aqui na descrição do episódio, então corre lá, vai ouvir e depois a gente comenta. — E hoje eu vou contar para vocês a história da Jussara. — Esse episódio contém aí as cenas de violência contra a mulher, então sejam avisados, ouçam com cuidado. — Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]

Jussara, quando ela tinha aí seus 23 anos, ela se casou com um cara que ela conheceu no trabalho… — E como era esse trabalho? — Jussara era recepcionista e o cara era aí um advogado. Eles tinham uma diferença de cargos ali, uma diferença de salários, mas ele era um advogado meio de base, assim… — Não era um grandão da empresa. — E eles se conheceram e começaram a namorar, o namoro sempre foi tranquilo e esse cara começou a falar em morar junto, “não, porque a gente tem que morar junto” e a Jussara nunca quis morar junto, ela queria casar e tal. Só que esse cara falou tanto e ele sendo advogado, ele falou: “Não, porque vale a mesma coisa, que isso, que aquilo” e Jussara falou: “Bom, então tá” e ela tinha ido poucas vezes na casa desse cara. — Como era a casa desse cara? — Ele morava num bairro que ela até assustou, ela não achou que ele pudesse morar num bairro periférico, mas ele morava. — Ela também morava, mas por ele ser advogado, a Jussara pensou que ele morasse num bairro melhor que o dela, mas estava ali equivalente. —


E ele construiu uma casa ao lado da casa da mãe dele. — Mas dividiu tudo certinho, então cada um ficou com um pedaço do terreno ali e tal… — Então ele morava sozinho e a mãe dele morava na casa do lado, no mesmo terreno, mas tudo dividido com muro, tudo certinho. E a Jussara gostou da casinha ali dele, falou: “Bom, vou arriscar, né?” e foi morar aí com esse cara. Bom, primeira semana tudo certo… O que a Jussara notou de diferença é que antes ela só tinha que lavar a roupa dela, fazer as coisas pra ela e agora ela tinha a roupa dele para lavar, ela tinha comida para fazer mesmo nos dias que ela não estava com vontade de comer… Esse lado aí dos afazeres domésticos eram todos atribuídos aí a Jussara. — Mas tinha o amor, né? Ah, o amor… — Jussara estava apaixonada, estava amando esse cara… Acontece que na empresa onde eles trabalhavam — como eu disse, esse cara ele era advogado, mas ele tinha um cargo administrativo bem, assim, de base mesmo, por exemplo, se tivesse júnior, sênior, não sei o que lá, ele era ali júnior — e ele era constantemente humilhado no trabalho. 


“Humilhado” não é a palavra, ele queria ter atribuições maiores, ele queria ter mais importância, mas quem tinha mais importância que ele estava sempre ali mostrando pra ele que ele não era nada, então ele ficava frustrado. E aí ele começou a chegar em casa frustrado e a bater na Jussara. — Eu não vou aqui detalhar as coisas que esse cara fazia, mas ele realmente batia na Jussara. — E além de trabalhar nessa empresa, a noite ele dava aula, ele era professor, então ele dava aula numa escola e tinha esse trabalho durante o dia. Então ele trabalhava bastante, né? Como disse Jussara, ele era um cara muito trabalhador, mas era um cara que batia em mulher. A primeira vez que Jussara tomou um tapa desse cara, ela ficou em choque, assim, porque ela jamais imaginou… Ele não tinha nenhum traço aparente de violência e com as pessoas da empresa, mesmo quando ele se sentia humilhado, ele engolia as coisas e fazia a linha simpático, fofinho. Querido. Ele era um querido na escola, os alunos faziam homenagens para ele e ele era um querido na empresa, apesar de dessa meia dúzia acima dele que deixava ele frustrado porque ele queria subir na vida, na empresa, e não conseguia, ele era muito querido, um cara assim que você olha e fala: “Meu Deus do céu, o cara, assim, fofíssimo…”, fofíssimo é a palavra. 

E depois dessa primeira vez que a Jussara apanhou desse cara, ela pensou em sair, mas ela achou o quê? “Coitado, ele está nervoso… Ele foi humilhado. Não vai mais acontecer”. Acontece que aconteceu… Uma, duas, três, quatro… Jussara perdeu a conta. Chegou uma época que Jussara já estava indo trabalhar com blusa de manga comprida mesmo no calor por causa das marcas. Além de machucar a Jussara por fora, foi machucando Jussara por dentro e ela foi percebendo que se ela não fizesse alguma coisa, as coisas iam piorar muito. Tinha muito potencial para tudo piorar. Era o auge do Facebook, todos nós tínhamos Facebook e a gente postava tudo lá. — Lembro bem dessa época. — Jussara também tinha o Facebook, o Fofinho também tinha e era sempre ali, nossa, todo mundo elogiava ele… — Um fofo, gente, um fofo… — O celular dela não era bom pra gravar, pra fazer vídeo, mas ela tinha uma vizinha — que a gente pode chamar aqui de “Selma” — que tinha uma filmadora e um dia ela foi na Selma e pediu a filmadora emprestada. — Selma… Gente, pessoa da classe C, você tem uma filmadora, como é que você vai emprestar sua filmadora? Complicado… —


Jussara mostrou os braços pra Selma e falou: “Eu queria filmar ele me batendo para eu ter uma prova pra levar na polícia”. Selma ficou muito chocada e falou: “Tudo bem, pode levar”, explicou como funcionava, como gravava e ela falou: “É importante que você camufle as coisas em volta e que a luz esteja acesa da casa, porque se tiver apagada, ele vai perceber a luzinha da câmera, e aí pode ser que piore as coisas para você. Então tem que estar tudo aceso, de preferência a TV ligada, pode ser sem som, mas quanto mais luminosidade, menos ele vai perceber a filmagem”. E aí a Jussara pegou aquela câmera e ela sabia que mais dia, menos dia, aconteceria novamente. Ela ficou com a câmera da Selma uma semana e, no último dia dessa semana, ele chegou muito frustrado do que tinha acontecido no trabalho e bateu na Jussara. Jussara tinha filmado para entregar para a polícia, só que ela tinha que dar para Selma, a Selma tinha que botar isso num pen-drive e dar pra ela levar pra polícia. — Então foi isso que ela fez… — No dia seguinte ali, machucada, ela foi e entregou a câmera para Selma… A Selma estava muito preocupada e ela não sabe ali como que foi, mas a Selma deu pra ela um pen-drive e passou para ela o vídeo por e-mail. 

Jussara não estava esperando receber aquele vídeo por e-mail, e aí, em vez de procurar a polícia, Jussara resolveu postar o vídeo no Facebook… Era um final de semana e ela estava na casa dos pais dela, porque, assim, todo mundo ia ver e ela queria que os pais vissem, soubessem por ela e não pelo Facebook. E aí ela postou e contou, o pai dela na hora já ficou mal, ela não se preparou, as coisas dela estavam todas lá na casa do cara. — Porque ela não tinha intenção de postar, né? Ela tinha intenção de fazer um boletim de ocorrência. — Só que eles trabalhavam na mesma empresa e ela postou e marcou o cara. Então, todas as pessoas da empresa que estavam no Facebook da Jussara — e as que não estavam também, porque aquilo foi sendo compartilhado — comentaram ali com surpresa. Muita gente decepcionado… Por que a Jussara postou? Jussara sabia que ela postando ia ser uma força pra ela não voltar para ele, por que o que acontecia? Ela apanhava e continuava com ele, então Jussara pensou: “Se eu postar, eu vou ter vergonha na cara, vou ter vergonha dos meus parentes e dos meus amigos e não vou voltar”.

A partir do momento que ela postou, ela já sabia que ela não ia mais voltar com ele. — Tanto que ela estava na casa dos pais, ele devia estar com os amigos em algum lugar e todo mundo, inclusive quem estava com ele, ficou sabendo. — Isso desdobrou para uma demissão — sem justa causa, sem nada, a empresa simplesmente desligou ele do quadro. Eu faria a mesma coisa, gente, eu demitiria também… — E a escola que ele dava aula também demitiu ele. Então ele ficou sem emprego, nenhuma das duas rendas que ele tinha continuou ali, ele ficou sem nada. Nesse ponto, os próprios amigos de empresa foram na casa dele buscar as coisas da Jussara. — Ele não resistiu, não fez nada. — E aí podia parar por aí, o cara já perdeu o emprego e Jussara foi embora. Só que quem tinha passado as coisas da câmera para o pendrive e para o e-mail da Jussara tinha sido o filho de Selma. — Quem é o filho de Selma? — Filho de Selma, era na época, um garoto aí de seus 15, 16 anos. E o que ele fez? Ele foi postando nos grupos, nos fóruns ali da galera que ele conhecia.


Lembrando: Esse cara morava numa periferia, numa quebrada, e isso chegou em gente que não podia ter chegado. — Quando você mora numa comunidade, pode ser que tenha gente ali que domine a área, que não aceite determinadas coisas e foi o que aconteceu.  —Chegaram lá na casa dele, deram um esculacho nele lá. — Deram? Quem deram? Não sabemos. — E deram algumas horas pra ele ir embora e ele estava proibido de voltar pra casa. — A Jussara já tinha saído da casa e ela ficou sabendo desses detalhes pela Selma, que era a vizinha.  — A mãe dele continuou morando lá, normal — mesmo porque ela tinha outros filhos, tinha a vida dela lá — e  a casa que era dele foi ocupada por uma irmã dele e Jussara nunca mais ficou sabendo dele, continuou trabalhando nessa empresa e depois de um tempo ela conseguiu um emprego melhor, depois de uns dois anos, mudou de emprego. Mas ela se sentia um pouco culpada, porque primeiro que ela não deu queixa dele. — Deveria ter dado, né? Pelo menos, sei lá, conseguir uma medida protetiva. Não sei como era na época, mas acho que já tinha. —

Ela não esperava que fosse acontecer tudo o que aconteceu, que ele ia perder os dois empregos, que apareceria essa galera na casa dele dando umas horas pra ele ir embora e ela se sente um pouco culpada até hoje. — Eu acho que ela não tem culpa de nada, assim, ela se defendeu da maneira que ela achava que tinha que ser e o restante é consequência, gente… O restante é consequência. Ele é um agressor de mulheres, então a empresa tem o direito de não querer um agressor de mulheres no seu quadro de funcionários. A escola tem o direito de não querer um agressor de mulheres dando aula para os seus alunos. Agora, o que aconteceu lá no bairro eu vou ficar em silêncio. Calada vence, né? É aí uma zona cinza perigosíssima. Eu não tenho nada a falar sobre isso. — Que a Jussara saiba, esse cara também nunca prestou uma queixa dessa ameaça que ele sofreu, nada, ele simplesmente pegou as coisas dele e foi embora. — Então quem somos nós aí pra gente pensar em qualquer coisa, em tomar providências, né? Ele era uma pessoa agressiva, talvez tenha encontrado aí pessoas mais agressivas que ele, né? Quanto a isso, não vamos nem comentar, né? —


Mas eu acho que Jussara não teve culpa de nada, assim, foram realmente aí as consequências dos atos dessa criatura. Então, por mim, Jussara está aí ilesa, né? Podia não ter passado por isso se esse cara não fosse um canalha, um covarde, um agressor de mulheres. Mas como ele é… É isso, quem procura, acha. Então ele achou, né? Procurou e achou. O que vocês acham?


[trilha]

Assinante 1: Olá, Déia, olá, Não Inviabilizers, aqui é Leonora, falando de Belo Horizonte, Minas Gerais. Eu acho muito importante que você dividiu com a gente e com o mund, a sua história, Jussara. Infelizmente, mulheres que são vítimas de violência doméstica não conseguem ter a sua acusação validada sem provas e muitas sofrem meses, anos, na mão de um abusador, assim como você sofreu se não conseguem provar a sua denúncia. E, às vezes, nem provando a própria denúncia, elas conseguem o suporte, seja da família, dos amigos, da justiça, necessário. Foi muito bom que você conseguiu colocar na internet para validar a sua acusação. Eu só acho que faltou você ter ido à polícia, que era o lugar que você devia ter ido primeiro. Eu espero que você supere isso e que você seja muito feliz de saber e que esse abusador apodreça em um lugar no quinto dos infernos. Um abraço, gente… 

Assinante 2: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, aqui é a Verônica, falo da Inglaterra. Jussara, todo o meu amor, todo meu carinho pra você. Ser vítima de violência doméstica não é fácil, eu espero que você não se sinta mais culpada. Eu acho realmente que o único erro que você cometeu foi de não ter denunciado ele na polícia e de não ter pedido a medida protetiva, porque o único medo que eu tive dessa história quando estava ouvindo era dele tentar algum tipo de vingança contra você. Fazer essa exposição eu acho que é sim necessária, porque muita gente não acredita na palavra da mulher, então ninguém iria desconfiar que ele fez isso contra você porque ele era o bonzão, o legalzão, o fofinho. Então, tem que fazer exposição sim… Todo o meu carinho, toda minha força pra você e para tantas outras mulheres que sofrem nas mãos de monstros como esse. Um beijão. 

[trilha] 

Déia Freitas: Corre lá para conhecer o novo podcast da Wondery, o “Só no Brasil”, que conta histórias dos mais absurdo, golpes ,das fraudes e conta histórias dos aí trapaceiros. — Gente, tem que ouvir… — Ele é apresentado pelos comediantes Pedro Duarte e Victor Camejo. Os dois primeiros episódios já estão no ar em todas as plataformas de streaming de áudio — gratuitamente — e também no canal da Wondery no YouTube. — Um beijo, Wondery… — Um beijo, gente, e eu volto em breve. 

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.