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título: carro velho
data de publicação: 26/09/2024
quadro: picolé de limão
hashtag: #carrovelho
personagens: luísa e dona cecília

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]


Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão. E hoje eu vou contar para vocês a história da Luísa. Então vamos lá, vamos de história.


[trilha]

A Luísa quando ela tinha ali seus 24 anos, conheceu um cara lá na cidade dela. — Uma cidade menor, assim, uma cidade pequena… — De final de semana a praça só tinham alguns eventos na praça e ela conheceu esse cara na praça. O cara parecia ser um querido… Ele era muito bonzinho e, apesar de morar numa cidade pequena assim, as pessoas não tinham assim aquele sotaque, aquela puxada de R tão forte. Só que ele… — Como é que eu vou explicar isso? Porque, assim, a Luísa falou de uma maneira meio… [risos] Meio cancelável. [risos] — Ele fazia de um jeito… Sabe quando você vê um personagem — principalmente em comédia — que faz aquele tipo caipira? Que puxa mais o R… Então ele fazia esse estilo assim, todo mundo olhava para ele e falava: “Nossa, mas ele é um inofensivo, ele é um… Nossa, ele é muito bonzinho” e um namoro começou ali entre a Luísa e esse rapaz. 

Luísa, na época, ela trabalhava na prefeitura da cidade. — Ela não era concursada, o prefeito ali que assumiu pegou alguns cargos lá e distribuiu, mas ela tinha, assim, tipo um cargo bem auxiliar administrativo, alguma coisa assim… — E aí ela estava juntando dinheiro a Luísa há muito tempo pra comprar um carro… E muito tempo porque ela um mês juntava R$50, outro mês juntava R$30… O mês que dava eu juntava R$140, assim, né? Porque ela tinha que ajudar a mãe dela… — Que chamaremos aqui de Dona Cecília, em casa. — E aí Luísa começou a namorar aí esse querido, né? — Essa pessoa… — Namoro foi evoluindo e mais ou menos ali, com um ano de namoro, a Luísa já tinha uns R$7.000 na mão. E a Luísa me falou: “Andréia, com 7 mil um carro velho… Você compra um carro velho, pelo menos na minha cidade você compra”. E Luísa foi lá e comprou um carrinho velho. — Tipo, sei lá com quase 30 anos de uso, né? — Mas ela estava feliz, porque, paralelo a isso, Dona Cecília já vinha ajudando a Luísa a tirar a carta… — Porque assim, tirar carteira de habilitação é caro, né, gente? Não é uma coisa assim… Você tem que se planejar se você não é uma pessoa rica. —

E aí, como que Dona Cecília ajudava a Luísa nas parcelas? — Porque ela parcelou em dez vezes a carteira de motorista dela, porque tinha as aulas e tal… — A Dona Cecília ia muito no bingo… — Era uma época ainda que o bingo no Brasil estava legalizado. — E, perdendo ou ganhando, ela levava as vezes um dinheirinho pra casa. Então, era do dinheiro do bingo que essa carteira de motorista aí foi tirada. Ela tirava da aposentadoria dela, sei lá, R$150 e esses R$150 era o que ela ia gastar no mês no bingo, acabou e ela não era, assim, de sair disso… — Então, tinha mês que ela ganhava e tinha mês que ela pediu os R$150, não ganhava nada. — Assim ela foi ajudando a Luísa aí a tirar sua carteira de motorista. Enquanto a Luísa não conseguia tirar a carteira de motorista, ela estava com esses 7 mil na mão e o namorado dela — aquele todo fofo, todo caipira falando assim, puxando bem o R, assim, bem ingênuo — falou pra ela: “Olha, tem um carro, uma oportunidade na cidade… O carro do Seu José Serralheiro”. E o carro realmente estava bonitinho. — Era um carro velho? Era um carro velho, mas estava bonitinho e, assim, ia servir muito pra Luísa. Ela queria muito o primeiro carro, ela queria muito dirigir, enfim… —

Só que ela não tinha tirado carteira de motorista ainda e cara falou pra Luísa: “Pra não perder essa oportunidade do carro do Seu José, vamos comprar agora”. — Primeiro que não é “Vamos comprar”, porque o dinheiro não é seu. “Vamos comprar”? Dinheiro não é seu, né? Pra mim a frase eu já ia corrigir, falar: “Meu querido, então… Não tem “Vamos”, né?” — “Como você não tem carteira de motorista, você não pode comprar o carro”. — Olha isso, gente… — “Pra você comprar um veículo você precisa ter carteira de habilitação. Então, eu compro pra você, você me dá o dinheiro, eu compro e depois a gente transfere para o seu nome”. Luísa, em vez de pesquisar,  acreditou no cara, inclusive quando ela foi lá com Seu José para acertar, o Seu José falou para ela: “Mas por que você não vai botar no seu nome?” — o Seu José, hein? — e aí ela meio que começou a explicar, mas assim também não queria explicar muito, porque não conhecia bem o Seu José. Falou: “Vai ser o nome dele, depois ele vai passar para mim”. — Seu José ficou olhando, mas assim, como Seu José não sabia acho como que era o relacionamento do casal, ele também não falou nada, estava recebendo dinheiro dele… —

Assinou o documento ali, ficou em cima para que fosse transferido certinho e transferiu o carro para o namorado aí da Luísa. O tempo passou, a Luísa não podia dirigir esse carro ainda porque ela não tinha ainda a carteira de habilitação. Então, ele ficava com o carro para baixo e para cima… Passou mais um tempinho, Luísa foi lá, fez o teste e passou… A habilitação da Luísa aí pronta. Luísa falou: “Bom, agora eu já posso pegar meu carro” e ele não deixava nem a Luísa treinar, porque ele falava: “Olha, é um carro velho, que não tem seguro… Se acontecer alguma coisa, você não é habilitada, vai sobrar pra mim”. — E ele até que tinha razão, né, gente? — E aí, agora habilitada, com a carteira, ela ligou para ele [efeito sonoro de telefone chamando] e falou: “Traz o carro aqui que eu quero andar com o meu carro”. Ele enrolou, enrolou, falou que tinha umas coisas para fazer e que só ia passar lá a noite e nã nã nã… Chegou a noite, cadê ele? Luísa ligou pro namorado… — E aí, gente, ele falou pra Luísa que ele não queria mais namorar, a que não estava dando certo, não sei o que lá…

E a Luísa estava tão empolgada de dirigir o carro dela, que ela falou: “Tudo bem então, você traz o meu carro aqui e assina o documento, que eu vou transferir para o meu nome”. E aí ele falou: “Olha, eu não posso falar com você agora” e esse cara não atendia mais a Luísa. — Não atendia mais, simplesmente não atendia mais… — E ele morava, tipo, você tinha que pegar uma estradinha pra ir onde ele morava e morava só ele e a mãe… E a Luísa foi sensata e pensou: “Bom, eu vou estar no fim do mundo sem nada em volta com esse cara que não quer devolver meu carro”, e aí ela foi procurar ali a polícia da cidade dela, só que na cidade dela tinha ali a polícia da prefeitura e, pra registrar B.O., ela tinha que ir na cidade vizinha, que era a cidade onde tinha o bingo que a mãe dela ia, que era uma cidade maior. E conversando ali com Dona Cecília, Dona Cecília falou: “Olha, ele está sempre aí pela cidade… Ele já foi agressivo com você no telefone e se esse cara fizer alguma coisa com você?”, “Mas eu juntei 7 mil” e ela falou: “Olha, filha, entrega… Vamos entregar pra Deus e vamos fazer oração aí pra que ele te devolva esse carro”, né? 

E a Luísa inconformada, falou: “Eu vou rezar pra ele morrer”. [risos] — Meio que não é legal, né, Luísa… [risos] Você rezar para que alguém faleça, mas eu não sei… Se eu estou lá no céu e, sei lá, eu tenho esse poder, eu vou querer analisar o caso, falar: “Bom, deixa eu ver… Pegou o carro dela, deu o golpe, enganou… Está com o carro… Não posso também…”, eu sendo Deus, né? Sei lá… Não posso também dar o carro pra ela porque ela tá pedindo uma coisa ruim… Então, o que nós vamos fazer? Ela também não tem o carro, mas também ele morre. Pode morrer aí num acidente de carro”. [risos] Aqui a roteirista já… [risos] Porque aí a oração dela é atendida, mas também ela não fica com o bem. Ela é meio que punida também por pedir uma coisa horrível. Então… [risos] Eu podendo resolver essa situação, se fosse um roteiro, uma ficção, ia ser assim… — E Dona Cecília ficou muito horrorizada, falou: “Então é melhor você não rezar, deixa que eu rezo e tal”. E esse cara ficava passeando pela cidade com o carro da Luísa, dando cavalo de pau, enfim, ficou aí rodando com esse carro um bom tempo… 

E Luísa, arrasada, arrasada, arrasada, arrasada… Até que um dia, Dona Cecília liga para Luísa… [efeito sonoro de telefone tocando] E aí, gente, a Luísa ficou apavorada… Porque Dona Cecília só falou assim: “Filha, você pode vir aqui me buscar no bingo” e a Luísa falou: “Pronto, né? Minha mãe aprontou alguma coisa… Fez alguma coisa no bingo e agora eu vou ter que, sei lá, resolver… Vou ter que fazer algo”. Era outra cidade, Luísa teve que pegar ali o taxista da cidade, falar que pagava depois — que ela não tinha dinheiro na hora — e o taxista levou ela na outra cidade e ainda falou: “Ê, Dona Cecília….”. [risos]  E aí como a Luísa não sabia o que a mãe dela tinha aprontado, ela não falou pro taxista ficar esperando, falou: “Bom, deixa que eu me viro aqui, né? Pode deixar que eu me viro”. Quando Luísa chegou no bingo, Dona Cecília tava que era uma felicidade só… Por quê? Era época de fim de ano — e Luísa, filha de Dona Cecília — estava lá porque Dona Cecília não dirige e o bingo sorteou um carro e Dona Cecília ganhou o carro.

E aí, para vocês terem uma ideia, era um carro zero que, assim, a Luísa falou: “Só quem tinha esse carro zero na minha cidade era o filho do prefeito”, era um carro popular, mas era um carro zero. Dona Cecília ganhou no bingo um carro zero… E aí, como a cidade era muito junta dessa cidade maior, todo mundo da cidade já estava sabendo, porque tinha gente lá no bingo que era da cidade delas. Então, quando elas chegaram na cidade, era só o comentário que tinha: “Dona Cecília ganhou um carro zero no bingo”. [risos] Meia hora se passou e quem telefonou para Luísa? O bonito… “Ai, tudo bem? Como é que você tá? Tô com saudade”. Luísa falou: “Eu tô ótima, espero que você esteja bem”, e aí aí desligou o telefone… Ela podia ter vendido o carro e pegar um carro mais barato, mas a dona Cecília falou: “Filha, vamos fazer o seguro desse carro… Fica com esse carro. Eu estou no bingo lá, tem umas rodadas… A gente vai pagar o seguro [risos] com o dinheiro do bingo”. [risos] A Dona Cecília, meu Deus do céu… [risos] E ela ficou com o carro… — Isso já tem muitos anos, ela já trocou de carro. — 

E esse cara ela não sabe se ele vendeu… — Ele deve ter vendido, né? — Depois de um tempo ele já estava sem carro lá na cidade de novo. — Então, assim… O que eu não me conformo é que, assim, por mais que Dona Cecília tenha ganhado um carro no bingo, poxa vida, o cara pegou 7 mil reais dela, pegou o carro dela, isso não voltou, ele não foi punido, nada aconteceu. Então isso me dá um ódio, um ódio… A Luísa vê essa história como uma história boa, tipo, ela perdeu um carro velho e ganhou um carro zero, mas eu não consigo ser positiva assim. Eu tenho ódio dele, desse cara. E ele se fazia de todo bonzinho, todo ingênuo, todo do mato, sabe assim? — O que vocês acham?

[trilha]


Assinante 1: Oi, nãoinviabilizers, aqui é Priscila, da Colômbia. Eu sei que o final foi feliz, mas é revoltante saber que esse cara simplesmente roubou um dinheiro que foi tão suado da Luísa. Ao mesmo tempo, a gente sabe que como a lei do retorno já aconteceu e ela continua acontecendo, eu só desejo coisas boas para Luísa e para todos nós aqui. Um beijo. 

Assinante 2: Oi, Déia, oi, nãoinviabilizers, aqui é a Katherine de Luiz Eduardo Magalhães, na Bahia. Que coisa, né? Ainda bem que Dona Cecília salvou o mundo aí conseguindo o carrinho aí no bingo, fico muito feliz… Mas achei que no final da história, depois da ligação, a Luísa iria voltar com ele só pra pegar o carro e depois meter o pé na bunda dele, porque aí sim seria merecido. [risos] Um beijo, até a próxima. 

[trilha]


Déia Freitas: Comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis com a Luísa. Um beijo e eu volto em breve.


[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]