título: edifício pônei
data de publicação: 31/10/2024
quadro: amor nas redes
hashtag: #edificio
personagens: angelina, dona bethânia, seu juvenal, gorete e silvana
TRANSCRIÇÃO
Este episódio possui conteúdo sensível e deve ser ouvido com cautela.
[vinheta] Amor nas Redes, sua história é contada aqui. [vinheta]
Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. cheguei para um Amor nas Redes. — Estava todo mundo com saudade, né? De Amor nas Redes. — E hoje vou contar para vocês a história da Angelina. Então vamos lá, vamos de história.
A Angelina era uma esposa muito dedicada, mãe de uma menininha de três anos e ela trabalhava quando ela casou e, depois que a bebê nasceu, a Angelina resolveu parar de trabalhar e se dedicar a filha. O esposo era quem mantinha a casa, fazia tudo, enfim… E quando a bebê estava ali com um aninho, eles se mudaram para um condomínio. — Que a gente vai chamar aqui de “Edifício Pônei”. — O apartamento era muito bacana, né? Era alugado, mas um espaço muito bom, apartamento antigo, prédio não era muito grande, tinha um condomínio baixo porque era predinho sem elevador, enfim, era perfeito ali para Angelina. No andar dela morava uma senhora, que a gente vai chamar aqui de “Bethânia”.
Dona Bethânia era uma senhora já aposentada, muito ranzinza, casada com o Seu Juvenal, que era um anjo de pessoa. Um senhor muito bonzinho, sempre dava bom dia pra Angelina, sempre conversava. Dona Bethânia já era mais na dela, dava bom dia, mas às vezes reclamava pra síndica — que a gente vai chamar aqui de “Silvana” — que a bebezinha chorava. A Silvana, síndica, sempre foi muito bacana, sempre falava: “Ô, Bethânia, bebê chora, não tem que fazer, bebê chora, compra um tampão aí, se vira… Bebê chora, não tem o que fazer” e, na portaria, a gente tem Gorete. — Então, estas são as pessoas da história de hoje. — A Angelina tinha uma rotina muito de dona de casa mesmo, fazia tudo pro marido, fazia tudo na casa, fazia tudo pra bebê… Saía com as amigas muito raramente e isso foi sendo uma questão, porque quando você tem filho e as suas amigas, por exemplo, não tem ainda, você fica um pouco perdida e um pouco meio fora do grupo, assim. Então ela conversava muito com as amigas no celular, mas tinha pouquíssimo tempo para se encontrar com as amigas ou, quando as amigas se encontravam, era para uma balada e Angelina não queria ir em balada, então meio que amizade ali ficava mais por celular.
Angelina, casada e com essa bebê, morando num estado onde o marido dela tinha trabalho e a família da Angelina morando em outro estado, muito longe. Não era comum ela ir visitar a família e nem a família vir visitá—la, era sempre ali contato por celular, por rede social, enfim… A Angelina tem uma família, tem a bebê, tem vizinhos ali presentes na vida dela, tem família longe, tem amigas, mas uma rede de apoio ali meio que não. — Porque o marido não era o marido muito colaborativo, enfim, então era meio que ela fazendo as coisas e a bebê ali, né? — Tem esse aspecto também, de você estar cercada de pessoas, de você ter amigos, você ter uma família que não é tão próxima e ainda assim você se sentir sozinha. — E era assim que Angelina meio que se sentia, sozinha, porque o marido era meio péssimo assim, né? — Em relação ao Edifício Pônei, a única coisa é que às vezes a Dona Bethânia reclamava de beber para síndica — para Silvana — e a Gorete, porteira, as vezes fofocava isso pro Angelina. “Dona Bethânia veio aqui, reclamou da bebê e tal”, então era meio que na fofoca.
Silvana, que é a síndica, nunca foi notificar e nem falar nada para Angelina sobre as reclamações da Bethânia com a bebezinha. — Então, o que ela ficou sabendo foi pela Gorete, a porteira. — O tempo passou, a Angelina ali naquela vida dela, cuidando das coisas do marido, cuidando das coisas da bebê… Até que um dia, uma terça—feira, o marido da Angelina acordou, colocou a roupa para ir para o trabalho, virou para Angelina e disse: “Eu quero o divórcio. Eu quero o divórcio, eu não gosto mais de você e eu tenho outra mulher e eu vou morar com essa mulher essa semana” e aquilo tirou o chão da Angelina. Tirou o chão dela… E ele saiu para trabalhar. Ele apenas comunicou, disse que não haveria uma conversa porque era um fato, ele não queria mais e era isso. Na volta ele ia fazer as malas dele, pegar as coisas dele, ir embora porque ele tinha contratado um carro de mudança para levar as coisas dele às 17 horas, então ele ia trabalhar meio período, voltava, arrumava as coisas dele e ia embora.
Nessa manhã, com a Angelina já chorando, ele disse que ia pagar pensão para criança — porque é uma obrigação — e ia pagar o aluguel daquele apartamento que eles estavam até o final do contrato, então ela teria mais ou menos ali mais um ano de aluguel e que depois disso ela poderia se mudar aí para algum lugar, porque ele não renovaria esse contrato. Angelina só chorava… Ele saiu, foi embora e ela fez as coisas da filha ali, mas ela estava chorando tão alto que incomodou Bethânia, a ranzinza do prédio… E Bethânia foi falar com Gorete — não falar com a Silvana, a síndica, com a Gorete, porteira — pra ver o que estava acontecendo. “Gorete, interfona lá no apartamento da Angelina, porque ela está chorando sem parar, eu não consigo nem assistir televisão… [efeito sonoro de pessoa chorando ao fundo] Vai que está acontecendo alguma coisa grave”. Então, Bethânia tinha duas questões: Ela não estava conseguindo ouvir a TV e também ela queria ver se tinha acontecido alguma coisa com Angelina. E aí a Gorete ligou, interfonou, a Angelina não conseguia falar e a Gorete subiu.
E a Angelina contou tudo para Gorete, que o marido tinha feito esse comunicado, que isso e que aquilo, enfim… E a Gorete meio que contou para Bethânia o que tinha acontecido e contou para síndica também. Mesmo porque quando vai ter uma mudança no prédio, tinha que avisar e precisava avisar a portaria ali, a síndica que às 17h teria um caminhão lá, pessoas, enfim, para tirar algumas coisas dele. E meio que isso se espalhou pelo prédio… — A gente está falando aqui de um prédio de oito apartamentos, dois ali por andar. — Todo mundo ficou meio que sabendo que Angelina tinha recebido essa notícia… —Enfim, detalhes, né? — Quando a Silvana, a síndica, ficou sabendo, ela foi até o apartamento da Angelina e falou pra Angelina: “Olha, você não quer ficar lá em casa a hora que ele vier para você não ter que passar por isso? Você fica lá com a sua filha, ele pega as coisas dele, vocês conversam uma outra hora, você não acha melhor?”, e aí a Angelina falou que não, que ela preferia ficar que ela queria olhar pra ele, pra ver ele fazendo isso, né? A Silvana falou: “Em todo caso, eu estarei por aqui, se você quiser descer e vir aqui no meu apartamento, você pode ficar aqui até ele pegar as coisas”.
Estava tudo horrível, até que o marido dela chegou com uma outra mulher para arrumar as coisas. Sim, esse cara teve a capacidade de chegar no prédio com uma outra mulher para arrumar as coisas dele e essa mulher estava de mãos dadas com ele. Assim que ele chegou na portaria, a Gorete já interfonou pra Angelina e avisou: “Ele está subindo com a amante de mão dada”, já avisou a síndica. Dona Silvana subiu, ele entrou e ela entrou atrás, nem bateu… — Para ficar ali com a Angelina. — A Angelina estava sentada no sofá com a bebê no colo, aos prantos… E aí a Silvana resolveu falar pra ele que isso era uma sacanagem, uma pouca vergonha, que ele podia ter vindo pegar as coisas sozinho. Angelina só chorava… Nisso, a Silvana já estava falando alto, veio, Bethânia e Seu Juvenal… — Mais assim, idosos, né? — E a hora que eles entenderam as coisas, o Seu Juvenal teve uma atitude de começar a ajudar o cara a pegar as coisas pra ele ir embora logo.
Gorete, lá da portaria, às vezes subia a escada para olhar o que estava acontecendo e Bethânia começou a xingar a amante de tudo quanto é nome. E aí essa amante, que até então estava fingindo que nada estava acontecendo, começou a xingar a Dona Bethânia e Dona Bethânia foi pra cima dela. Silvana chamou a polícia, [efeito sonoro de sirenes] foi um barraco daquele… A Dona Bethânia pegou na cozinha uma vassoura e deu vassourada na amante, machucou a amante e a polícia chegou e meio que apaziguou e falou pro cara — o policial —: “Mano, você vem aqui com a sua amante pegar suas coisas? Você tá de brincadeira, né? Você vai sair agora, você e ela, daqui do prédio” e ele tentava argumentar e o policial falando alto: “Você vai sair, eu tô mandando… É desacato, você vai me desacatar aqui? Estou mandando você sair com a sua namorada aí… Sair agora daqui. Não tem a equipe aí? A sua esposa está aqui, ela sabe o que é seu e o que não é seu, o que a sua esposa mandar, amém, o que ela não mandar você vê depois na justiça. Beleza? Saia do prédio agora” e ele teve que sair.
Nisso já tinha dado o horário de chegar o caminhão da mudança e ela, Bethânia, Juvenal e Silvana meio que foram pegando as coisas dele ali e jogando de qualquer jeito também. E a empresa chegou com caixas e tal e eles foram colocando nas caixas e, enfim, a mudança foi nesse clima de barraco, barraco, barraco, barraco, barraco… Seu Juvenal acabou levando Dona Bethânia no hospital — só pra ver pressão, essas coisas — porque a idosa ficou [risos] maluca ali, bateu na amante mesmo… E a Angelina falou que ali, naquele momento de caos, ela se sentiu acolhida e protegida por estranhos, porque todo mundo que estava ali ela não tinha intimidade e todo mundo meio que ajudou. Estava aquela muvuca deles colocando as coisas nas caixas e tal, e a bebezinha começou a chorar e a Dona Bethânia, ranzinza, rabugenta, falou: “Me dá aqui essa criança, [risos] me dá aqui essa criança que eu vou fazer essa criança parar de chorar” e começou a brincar… Começou a brincar ali com a neném e eles conseguiram terminar as coisas, enfim…
E todo mundo fala: “Ah, não fica assim, vai passar, ele é um maldito… Você viu? Ele trouxe a amante aqui, não presta mesmo”, enfim… E conversaram ali e tal e cada um foi para o seu prédio. — Que é assim, né, gente? A vida segue, a vida continua. — Naquele momento a Angelina sabia que um advogado dele ia entrar em contato e ela não tinha forças para conseguir uma advogada ou fazer qualquer coisa. Então ela pensou a Angelina: “Eu vou primeiro ver o que o advogado dele vai propor e, conforme for, eu procuro uma advogada antes de assinar qualquer coisa” e pra sorte da Angelina, o advogado que o marido arrumou era um amigo em comum dos dois, isso facilitou muito… Eles não tinham bens, né? O apartamento ali era alugado, o marido ia pagar o aluguel até o final do contrato e ia dar um uma pensão pra ela durante dois anos e uma pensão para bebê — que era para sempre, a pensão da bebê sendo 30% do salário dele — e nessa questão jurídica ela não teve problemas, porque o cara realmente queria se livrar dela. Parece que da bebê também, meio que pagar para se livrar.
Ela sabia que ele recebia muito mais dinheiro por fora, mas o salário dele registrado era bom, então ela ia ter uma pensão boa, né? — E mais essa pensão pra ela por dois anos até que ela conseguisse um emprego e tal… — Financeiramente não era a questão ali, né? A questão era como ela estava se sentindo depois de tudo o que aconteceu. Porque era uma coisa, assim, foi surreal… Aí eu perguntei pra Angelina, falei: “Mas o seu relacionamento não estava… Não estava estranho? Já, sei lá, não vinha meio que decaindo?”, ela falou que não, que ele então fingia muito bem, porque parecia que estava tudo bem entre eles ali, até que, sei lá… A amante deve ter pressionado… — Agora para essa amante também, ir na casa, se prestar esse papel, hein? Que mulherzinha, hein? Se prestar a esse papel? Sabendo que ele tem uma esposa, uma bebê lá… Você ir lá na casa fazer a mudança… Por que você quis ir lá na casa? Minha sororidade não alcança essa amante, não alcança. — Tudo ajeitado juridicamente, as coisas correndo…
Começou a acontecer uma coisa: Ela acordava de manhã e era cada vez mais difícil para ela sair da cama. Ela me disse: “Andréia, era físico, eu não conseguia levantar… Eu tinha que fazer um esforço muito grande para conseguir levantar e pegar minha bebê, trocar minha bebê, dar banho nela” e os horários que ela comia eram as horas que ela levantava… Fora isso, ela ficava com a bebê deitada, até a bebê chorar que queria comer ou estava com a fraldinha suja e o tempo foi passando, ela foi comendo cada vez menos, não conseguia mais tomar banho, escovar os dentes, pentear o cabelo… Era físico, ela não conseguia, ela não tinha forças. A força que ela tinha era para cuidar da bebê. Só que agora ela estava num ponto que ela colocou as fraldas, as coisas de bebê ali no quarto e ela tirava a fralda da bebê e ia colocando em sacolinha e jogando no chão. Ela não tinha mais força para descer com o lixo de dentro de casa. Isso durou uns 12 dias, até que Gorete, Silvana e Betânia um dia resolveram conversar sobre, porque a Gorete não estava vendo mais a Angelina sair do prédio para pôr o lixo lá fora, porque todo mundo colocava o lixo na calçada.
Silvana não estava mais vendo também pela câmera ali a Angelina circular, fazer alguma coisa no mercado, alguma coisa… Procurou, procurou nas câmeras e não viu nenhum horário… E Bethânia ouvia o bebê balbuciar, ouvia a TV ligar e desligar, mas quase não via movimentação no apartamento. Isso começou a intrigar, elas interfonavam e a Angelina, com muito custo, levantava e atendia e falava que estava tudo bem, mas não estava. O apartamento nesse ponto já estava um chiqueiro, imundo, com muito lixo e restos de comida na pia, a louça… Estava realmente, assim, caótico… E nos grupos, no WhatsApp, a Angelina falava: “Não, gente, eu estou bem”, porque no começo, logo que ela separou, ela saiu com uma amiga, outra, uma ficou com a bebê pra ela tomar uns drinks com uma, mas assim, depois quando vai todo mundo entrando na rotina, foi que ela foi ficando assim. — Só que aí o pessoal interfonava e ela falava que estava tudo bem, não tinha como você fazer mais que isso, né? —
E Angelina foi sentindo que ela não conseguia mais viver nesse mundo, mesmo amando muito a filha, ela não conseguia… E ela foi planejando na cabeça dela como dar cabo da própria vida. Ela escreveu uma carta, que seria uma carta para bebê, para quando ela estivesse maior saber que a mãe dela amava, que a mãe dela sempre quis o melhor para ela, porque fatalmente a bebê ia morar com o pai, fez uma carta para o ex—marido e ela fez uma carta para a amante, dizendo que tudo bem que ela tivesse ido lá, tudo bem que ela estivesse com o marido dela na época em que eles eram casados, mas que ela cuidasse bem da bebê, enfim… E ela fez uma carta ali pras amigas dela do prédio que ela tinha deixado algumas coisas escritas no bloco de notas pras amigas e que uma das amigas tinha a senha do e—mail, das coisas dela e ia conseguir mexer em tudo. Angelina destrancou a porta, deixou a porta aberta e agora aqui a gente vai pular para a história da Bethânia. [efeito sonoro de fita rebobinando]
Bethânia que reclamava da bebê que chorava depois que ela se pegou com a amante do ex—marido da Angelina, ela meio que começou a ver a Angelina com outros olhos, como uma mulher que agora estava fragilizada com uma bebê pequena, enfim, sozinha… E ela começou a ficar mais esperta no que acontecia ali naquele apartamento do lado, não só para ouvir o que ela já ouvia, que era barulho que vazava, mas também para prestar atenção se, de repente, ela via a Angelina chorar muito e ela já interfonava para Gorete… E o Juvenal — Seu Juvenal — ele já era idoso, então assim, precisava ir no mercado ele ia, precisava ir farmácia ele ia… Pra dar uma volta, né? E, numa dessas vezes que ele saiu para a farmácia e voltou, ele encontrou um outro morador do prédio que tem um cachorro… Esse cachorro a gente vai chamar aqui de “Floquinho”. Esse morador disse que quandopassa pelo corredor ali do andar do Seu Juvenal e da Angelina, o Floquinho ia até a porta e raspava a porta da Angelina.
Angelina alguma vez percebeu que tinha um cachorro raspando a porta? Não, mas o Floquinho raspava a porta e ficava tentando cheirar por baixo da porta. E esse vizinho chegou muito perto e falou que sentiu um cheiro ruim. O Seu Juvenal falou: “Vamos ficar esperto”, porque, assim, gente, é muito difícil… Como é que você vai arrombar a porta de alguém? “Pede para Gorete interfonar lá agora, porque o vizinho falou que estava um cheiro ruim, não sei… Eu não consegui sentir”, ele falou, “mas eu não vou abaixar aqui, deitar no chão que nem o vizinho fez, porque para levantar”, idoso, enfim… [efeito sonoro de interfone tocando] E aí a Gorete interfonou e Angelina atendeu, ela escutou o bebezinho ali brincando e tal, então assim, tava tudo bem, só que eles ficaram espertos. E, nesse dia que Angelina resolveu dar cabo da própria vida, ela destrancou a porta e deixou a porta entreaberta. — Por que qual era a questão? — Porque alguém tinha que achar a bebezinha.
A Bethânia, muito atenta, ouviu a porta da Angelina destrancar e falou: “Vou olhar aqui pelo olho mágico”, fazia muito tempo que ela não saía, né? E aí, quando ela tiver saindo, eu vou abrir a porta, falar “oi”, falar alguma coisa”.E a Bethânia ficou espiando realmente pelo olho mágico ali, só que a Angelina não saiu… Deu um minuto, deu dois minutos, a porta entreaberta e ela não saiu, a Bethânia resolveu destrancar a porta e abrir a dela também. Alguma coisa ali não estava certa… E ela entrou no apartamento… O Seu Juvenal já veio vindo atrás e eles encontraram a Angelina prestes a tirar cabo da própria vida e conseguiram impedir e a Angelina começou a chorar muito e o Seu Juvenal e Dona Bethânia foram olhando em volta como tava aquele apartamento… — Imundo, gente, imundo, imundo, imundo… Muita fralda suja, muito pacote de lixo. Olha, não tinha como descrever aquele lugar… — E Bethânia já interfonou para a síndica, a porteira subiu, alguém ali já buscou um chá pra Angelina, Gorete já pegou a bebê e eles começaram a limpar o apartamento em silêncio ali…
O Seu Juvenal foi pegar um saco de lixo grande — teve que trazer bem mais sacos —, foi pegando, já foi tirando todo aquele lixo… Era muito lixo acumulado. Foi colocando os sacos ali no corredor, Gorete com a bebê ali, ainda sim tirou a roupa de cama… O lençol não tinha mais jeito, tinha que ir pro lixo e já foi procurando roupa de cama nova, já foi abrindo as janelas… O pessoal foi fazendo as coisas ali, entre eles. Angelina só chorava, só chorava… E eles foram limpando, foram fazendo, Silvana conseguiu levar a Angelina para casa dela com a bebê e, nisso, gente, já estava praticamente o prédio todo no apartamento da Angelina. — Não era só Bethânia, Juvenal, Gorete e Silvana, já estava todo mundo. — Alguém já indicou ali uma psicóloga para ela, deu o contato e já marcou uma sessão tipo: “Olha, eu já marquei, você vai” e foi uma força tarefa de pessoas que não conheciam direito a Angelina cuidando dela naquele momento. Angelina ficou ali na casa da Silvana umas três horas… Aí ali ela fez uma refeição, dormiu um pouco, descansou… E ela estava suja, muito suja…
A Bethânia desceu, desembaraçou o cabelo da Angelina e fez um coque ali, falou: “Não, vamos tomar banho”, ela tomou um banho lá na Silvana, alguém trouxe uma roupa da casa dela mesmo que ela nem sabe quem pegou a roupa, a roupa que ela estava foi para o lixo… — Angelina queria deixar claro aqui que em nenhum momento ela negligenciou a bebê. O bebê tomava banho todo dia, comia, trocava fralda, só que ela não conseguia tirar o lixo, ela não conseguia tomar banho, não conseguia escovar os dentes, ela não conseguia fazer nada… A força que ela reunia era para cuidar da bebezinha e, se não fosse a bebê, talvez as coisas tivessem terminado de outra forma. — Quando a Angelina voltou para o apartamento dela, o apartamento estava limpo. Totalmente limpo, com a cama feita, roupa de cama da bebê do berço feita, tudo limpo, gente… Casa cheirosa. Em três horas o Edifício Pônei fez ali uma força tarefa e limparam tudo, ficou tudo brilhando, assim… E ela voltou pro apartamento, a Bethânia tirou a chave da porta e falou: “Bom, eu vou ficar com a chave, deixa destrancada. Esse prédio é seguro, não vai acontecer nada com você, você não precisa trancar a porta”.
E a Angelina falou que a casa dela virou, assim, parecia um hospital… A cada uma hora ia algum vizinho lá, levava alguma coisa ou ia só fingir pra conversar, para ver se ela estava bem, né? E até Floquinho foi lá. Todo mundo foi visitar a Angelina e isso não durou só um dia… Eles começaram a acompanhar Angelina até ela sair dessa depressão que ela estava e ela com acompanhamento, passou na psicóloga, a psicóloga pediu para que ela passasse no psiquiatra e ela, tomando medicação, começou a se estabilizar e ver uma luz no fim do túnel. Ela sempre foi uma pessoa que fez muita muito pão, muita coisa e começou a fazer pão de agradecimento e dar pros vizinhos. Os vizinhos começaram a falar: “Meu Deus, seus pães são maravilhosos, você precisa fazer pão pra vender” e ela começou a fazer pão, fazer bolo, fazer torta para vender e hoje esse é o ofício da Angelina. O aluguel já terminou faz tempo, né? Do cara pagar… A pensão também. Ela não precisa mais da ajuda dele, ela que paga o aluguel — ele só paga pensão da criança —, mas ela hoje consegue viver com as coisas que ela vende, com as coisas que ela faz…
E a coisa espalhou porque, né? O pessoal do prédio fala para um que ela vende bolo, que ela vende torta… Hoje ela faz coisas para festas também, assim, mais finas… — E a Angelina disse que essa história dela, apesar de muito sofrimento, é uma história de amor. É uma história para estar no Amor nas Redes, porque no final, o apoio que ela teve, a força que ela teve… — E aí eu achei muito interessante trazer para essa história aqui que a família e as amigas conversavam com ela todo dia e ela respondia, gente, só que ninguém sabia como ela tava realmente. Nossa vida corrida, né? Ninguém vai na casa de ninguém, hoje em dia é raro, né? Então, não foi uma pessoa que sumiu e mudou, ela continuava respondendo todo mundo, ela continuava ali respondendo nos grupos, conversando. Só que ela não conseguia sair da cama, ela mal conseguia comer, não escovava os dentes, não tomava banho, não penteava o cabelo… A força, a pouca força que ela tinha, era para cuidar da bebezinha. —
Eu passei a história toda chamando de bebezinha, que não tinha nome, mas é só porque é bebezinha, viu, gente? [riso] A gente pode chamar de “Flor”, Bebezinha Flor. E, no final, a rede de apoio dela foi de pessoas desconhecidas… Conhecidos, assim, não desconhecidos, mas pessoas somente conhecidas, que ela falava só “bom dia”. Hoje ela tem uma amizade muito grande com Bethânia, com o Juvenal, com a Gorete, com a Silvana, com outras pessoas ali do prédio. É um prédio que ela não pensa em se mudar e ela está juntando dinheiro, porque pode ser que daqui há alguns anos o proprietário queira vender o apartamento e o apartamento que ela quer comprar é aquele, porque no Edifício Pônei foi onde ela conseguiu ali se reerguer, né? O marido dela não casou com aquela amante, hoje ele já tem uma outra namorada que se dá super bem com a Flor — com a bebezinha — e também é super respeitosa com a Angelina, então, né? — Mas ele é um canalha, é um canalha, sempre vai ser um canalha e para ele é sem perdão. —
Tá aqui nossa história de amor, uma história de apoio, uma história de amor em grupo, de quando a gente consegue olhar além da nossa casa, olhar para o nosso vizinho de uma outra forma e perceber que alguma coisa está estranha, alguma coisa mudou. E você vê? Bethânia é ranzinza, continua ranzinza, disse a Angelina, chata, chata, mas uma pessoa que olha para o próximo… Do jeito dela consegue perceber aí quando precisa agir. E essa é a história de amor da Angelina. — Ela disse: “Andréia, eu cheguei num buraco tão grande”, e aí vão falar: “Ah, por causa de homem”, não, não por causa de homem, era por causa de toda uma vida que ela tinha e que, assim, acordou de manhã e ruiu. Acabou, acabou tudo… Então, foi realmente um impacto muito grande e que ela conseguiu sair desse buraco. Então, respira fundo aí e vamos olhar para o lado, olhar para o vizinho, olhar para alguém da nossa família, enfim, se acha que você está precisando de uma força aí, que está em depressão… E sempre não deixar de envolver os profissionais da saúde, os profissionais da área, porque precisa sim de acompanhamento, de medicação, enfim… O que vocês acham?
[trilha]
Assinante 1: Oi, Déia, oi, nãoinviabilizers, aqui é a Cláudia de São Paulo. Eu adorei esse episódio porque ele nos mostra a realidade como ela é… A gente não vive num prédio pensando que é a nossa comunidade, que são as pessoas que a gente escolhe… A gente simplesmente tem que conviver com as pessoas, com as nossas diferenças, a pessoa com uma visão política diferente, a senhorinha ranzinza, a pessoa que faz barulho… Mas se todo mundo tiver um olhar cuidadoso, atento, a gente consegue salvar vidas, né? Que foi o caso da Angelina, mas poderia ser uma senhora idosa, doente, poderia ser uma mulher em situação de violência doméstica… Assim, a gente não é uma ilha, a gente precisa ter um pouco de senso de comunidade com o outro, porque acima de todos nós somos pessoas. Com muito amor e carinho, a Angelina conseguiu sair dessa… Que bom, espero que isso sirva de exemplo para outras pessoas poderem reproduzir isso com seus vizinhos.
Assinante 2: Oi, Não Inviabilize, aqui quem fala é a Maria, de Londres. Só queria deixar uma mensagem para a Angelina: Eu me emocionei muito com a sua história. Também passei por algo muito parecido e eu digo que se não fossem algumas pessoas ao meu redor que não tinham nenhuma obrigação, eu nem tinha expectativa de que elas me ajudassem, mas se não fosse por elas, eu também não estava mais aqui. Fiquei muito feliz de ouvir que você também teve pessoas muito especiais, pessoas que colocaram o amor acima do próprio conforto deles para te ajudar e também feliz por você, por ter se deixado ajudar. Muito orgulho de você. Eu sei o quanto é difícil e espero que você esteja bem, espero que todo mundo no prédio também esteja bem. De novo, obrigado por dividir, fiquei muito emocionada.
[trilha]Déia Freitas: E esse é o amor nas redes da nossa amiga Angelina, onde ela quer agradecer demais Betânia, seu Juvenal, Gorete, Silvana. — Floquinho… [risos] — E os outros moradores lá do Edifício Pônei. — Então é isso, gente, eu fico por aqui. — Comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis com a Angelina. Um beijo e eu volto em breve.
[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Amor nas Redes é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]