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título: saia branca
data de publicação: 07/04/2025
quadro: luz acesa
hashtag: #saia
personagens: edivânia

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Luz Acesa. — É um Luz Acesa do bem, mas pode ser aí que desperte algum gatilho em você, então ouça com cuidado. — E hoje eu vou contar para vocês a história da Edivânia. Então vamos lá, vamos de história.

[trilha]

A Edivânia foi uma criança nos anos 80… — Como eu [risos], só quem foi criança nos anos 80 sabe aí [risos] os perigos que a gente corria, então, assim, desde não ter ainda essa obrigatoriedade do cinto de segurança e nem muito menos o número adequado de pessoas dentro do carro, então era uma época que o carro tá lá, vão entrando [risos] até a hora que não der pra entrar mais ninguém. E também tinha essa coisa de que a mãe sempre mandava a gente no mercadinho, no bar, comprar alguma coisa… A criança ia, criança de seis, cinco… “Ó, entregue isso aqui pro tio, traz meu maço de cigarro”, era isso, gente… A realidade da criança dos anos 80 era essa, A gente ia, comprava pinga, comprava cigarro… [risos] Não tinha essa. —

Chegava no bar, falava: “Seu João…”, o Seu João já conhecia as crianças, né? “Minha mãe pediu para levar uma garrafa de pinga”, qual era o problema de comprar a pinga a criança de cinco, seis anos? Não era nem o fato da criança poder beber pinga no caminho e morrer, era ela não deixar cair, quebrar a garrafa de pinga… [risos] Então, a vida da criança nos anos 80 era outra e Edivânia era desta época. A mãe de Edivânia — que a gente vai chamar aqui de “Dona Luci” — sempre mandava a Edivânia no bar para comprar as coisas. Então: “Ah, tá faltando um Ki-Suco “, por que era uma época que a gente tinha refrigerante? Não, a não ser que você fosse milionário… A gente tomava o que? Ki-Suco . — Era um saquinho… Eu nem sei, existe Ki-Suco ainda? É um saquinho com pó, totalmente artificial, muito açúcar e que você fazia uma jarra de um litro e, nos dias mais difíceis, uma jarra de dois litros com mais açúcar… [risos] Ficava bem claro. [risos] Era essa a nossa vida. 

Foi lá comprar dois saquinhos de Ki-Suco , de uva e um de abacaxi… Abacaxi era bom, eu gostava, e o de uva também… E era isso, voltar para almoçar todo mundo, né? Então, Edivânia saiu ali com aquele dinheirinho na mão — certinho para comprar o Ki-Suco , então não sobrava nem pra comprar uma bala, nada — e era isso também, quando a mãe falava “traz o troco”, não tinha essa de você gastar o troco, não, traz o troco senão o bicho pega. Saiu para buscar esse Ki-Suco  — com o dinheirinho ali na mão —, chegou no bar, pegou os dois pacotinhos de Ki-Suco , não tinha sacolinha, não tinha nada e veio com os pacotinhos de Ki-Suco  ali na mão. Quando ela entrou no bar, uma criança muito pequena — sete para oito anos —, só que é aquilo que eu já disse para vocês, a gente mesmo criança a gente percebe um olhar de maldade. Tinha um homem na porta do bar que ela achou muito estranho, mas ela entrou, comprou ali com seu João o Ki-Suco e foi saindo. E o bar não era muito perto da casa da Edivânia, então ela tinha que andar e ela andava por um lugar que era mato dos dois lados — tipo um terreno baldio — que ela passava, do outro lado tinha uma praça e andava mais uns quarteirões até chegar na casa dela. Tudo isso pra ir lá no bar do Seu João…

Porque tinha isso também, você tinha um bar de conhecido e tal que você tinha conta ou as coisas eram mais baratas, então enfim, você tinha o seu bar ali que você só ia naquele bar. A Edivânia estava voltando ali com os saquinhos, quando ela reparou que este homem vinha atrás dela. [música de tensão] Edivânia com muito medo começou a apertar o passo, mas ela era uma criança, então ele andando devagar, mesmo mais devagar que ela, ele era fácil de alcançar e Edivânia, percebendo isso, começou a correr. Edivânia entrou naquele lugar ermo, com mato dos dois lados — E, criança, gente, assim… Porque você se tivesse um pouco mais de idade, você ia pensar: “Bom, se tem alguém me seguindo, eu não vou passar pelo meio do mato, né?”, mas criança… Era o único caminho que ela conhecia. Era aquele caminho. — Edivânia entrou para atravessar e já sair na praça, porque ela sabia que em qualquer horário tinha criança brincando na praça… Só que quando ela entrou naquele lugar que, sei lá, ela tinha que passar um grande pedaço daquele lugar, correndo, chão de terra, Edivânia tropeçou… E, de longe, ela viu que este homem estava correndo atrás dela…

Quando Edivânia caiu e viu que ela não ia conseguir escapar daquele homem, ela fechou os olhos… Esperando só aquele homem, sei lá, agarrar ela, sei lá, pegar, raptar, matar, qualquer coisa. E ela continuou com aquele olho fechado e ela reparou que algo estava sobre ela, não era uma pessoa, não era um corpo… Era como se tivesse um tecido sobre a Edivânia. Edivânia, com muito medo, foi abrindo o olho devagar, assim, cerrando o olho, e ela percebeu que na frente dela e em cima dela tinha uma renda… Ela estava olhando para frente, ela via o homem procurando por ela no meio do mato, muito perto dela, Edivânia tremendo muito e, por cima dela, uma renda e aquele homem não conseguia ver a Edivânia, a Edivânia estava na frente dele. — Ele procurava no mato, rodava ali e não achava a Edivânia. — Edivânia não sabe o tempo que isso durou, mas deve ter sido alguns minutos somente e esse cara virou e foi embora. E aí, de longe, ela foi vendo ele voltar por aquele caminho que ela tinha feito e dobrar a esquina, quando ela dobrou a esquina, ela estava de frente para onde tudo isso acontecia… Ela reparou como se fosse um joelho batendo nas costas dela, e ela virou e ela viu que ela estava embaixo da saia de alguém… 

Edivânia percebeu aquelas pernas que eram pernas de idosa, e aí, de repente, essa idosa tirou a saia de cima de Edivânia e falou para ela: “Oi, garota” e Edivânia percebeu que era uma senhorinha negra, de cabelos brancos, bem curvadinha… Edivânia, negra também, pensou: “Mas não é a minha vó”, porque ela conhecia a vó dela… Tanto a vó dela de um lado que já tinha morrido quanto a vó dela que ainda estava viva, não era a avó dela. E aí essa senhorinha com a voz assim muito doce, falou para ela: “Pega suas coisas” — que era um Ki-Suco  que estava perto dela e o outro que estava um pouco mais longe — “e vai pra casa que eu vou”, eu tô até chorando… [voz embargada] “Te acompanhar daqui”. A idosinha tava com um vestido branco de renda, bem idosa, andava bem devagar e ela foi acompanhando a Edivânia até em casa. Ficou muito marcado para ela aquela saia branca de renda e que ela ficou embaixo ali… Ela chegou em casa, não teve coragem de contar para a mãe dela, nada, porque tinha medo, aquela coisa de: “Ah, minha mãe vai me dar bronca, vai me bater”, enfim… Não contou nada para ninguém. O tempo passou…

Anos depois ela contou ali para a família dela, todo mundo se arrepiou e tal, mas só ali mesmo no núcleo familiar… Mais um tempo se passou, Edivânia se formou na faculdade e foi comemorar com as amigas, foi viajar, passar um ano novo na praia [efeito sonoro de ondas batendo] e ela nunca tinha contado essa história para as amigas, nem para ninguém ali daquele núcleo, né? Essa história tinha ficado no núcleo da casa dela. Edivânia está na praia e ali na praia tinha um grupo religioso, da Umbanda, fazendo ali os seus rituais de passagem de Ano Novo e muitas pessoas ali em volta, enfim, era uma comemoração também, né? Na praia, enfim, todo mundo de branco, essas pessoas religiosas, outras pessoas não religiosas, todo mundo ali junto, em harmonia, enfim… Quando, de repente, chega no Edivânia uma mulher, uma mulher até que nova e tal, negra também… Só que essa mulher, quando chegou perto da Edivânia, ela estava muito curvada e ela tocou assim na mão de Edivânia e falou: “Oi, filha, lembra de mim?”, Edivânia nunca tinha visto aquela moça na vida…

Edivânia, que não era de religião nenhuma, de nada, falou: “Oi, moça, desculpa, não te conheço… Você precisa de alguma ajuda?”, porque ela estava muito curvada, né? E aí a moça falou pra ela: “Não, não, não preciso de ajuda… Você não lembra de mim? Mas você se escondeu embaixo da minha saia”, e aí a Edivânia teve aquele impacto, né? Porque ninguém ali sabia daquela história, não tinha como alguém saber daquela história.

Essa idosa estava incorporada nessa moça, falou: “Você se escondeu embaixo da minha saia”, deu uma risada e falou: “Eu vou estar sempre com você, eu vou sempre te proteger”, e aí a moça levantou, como se ela tivesse deixado de estar incorporada e tal, também não sabia o que foi falado ali e meio que voltou para o lado dela. Alguém daquele centro veio e falou para Edivânia que era a Preta—Velha e que estava com ela sempre ali com a Edivânia, e que aquilo era muito bom, falou umas coisas lá para Edivânia e a Edivânia ficou em choque, porque não tinha como alguém ali daquela praia saber dessa história. — E eu achei essa história tão linda porque ela ficou invisível embaixo da saia da Preta—Velha… O cara ia pegar ela com certeza… E a Preta—Velha chegou e cobriu ela com a saia. —

Foram as únicas duas manifestações que ela teve contato com essa Preta—Velha, que ela não tem nenhuma religião, não é do interesse dela seguir, nada, mas que ela se sente muito protegida. — Pensa, gente… Quem não queria, né? Você ter um ser de luz, uma entidade de luz que cobre ela com a sua saia branca de renda e você fica livre dos perigos. Quem não quer? — Que sorte da Edivânia, né? Escapou aí de um perigo provavelmente fatal e ainda tem uma protetora idosinha, fofinha, de voz doce… — Amo… — O que vocês acham?

[trilha]

Assinante 1: Oi, nãoinviabilizers, aqui é Jônatas, falo de Brasília. Esse Luz Acesa não deu medo na gente… Eu sou de religiões de matriz africana também e a Déia comentou no final que seria bom se todos tivessem essa proteção e, na verdade, todos os temos, independente se acreditamos em Deus ou não. Independente da religião, todos nós temos nossos guias, temos Pretos—Velhos, além de outras entidades, né? São muitas. E muitas vezes a gente é sim livrado de coisas que a gente nem sabe que poderia acontecer com a gente e eles estão sempre lá com a gente. E quando a gente tenta se conectar com eles, fica melhor ainda. Então é isso, beijos. 

Assinante 2: Oi, nãoinviabilizers, aqui é a Alessandra do Rio de Janeiro. Eu acredito muito na história de Edivânia, porque eu também não sou de religião e, mesmo assim, uma amiga me falou que eu tenho uma cigana e que isso me explicou muita coisa na minha vida, como por exemplo, o fato de eu não sentir necessidade de acender vela, de fazer rituais que as outras pessoas costumam fazer, o que eu sinto necessidade em casa é de ter flores… A minha vela é a flor, é a rosa. Ela me disse que isso é por causa da minha cigana, que a minha, digamos, a minha homenagem a ela não é uma vela, é uma flor. Faz todo sentido para mim, mesmo nunca tendo pisado num terreiro. Proteção a gente tem, só falta a gente prestar atenção nela. Eu acredito muito nisso. Beijo. 

[trilha]

Déia Freitas: Essa história não tem “Deus me livre”, né? — Quem dera, Deus… [risos] Aquelas que nem acredita, mas, né? [risos] Vai que, né? Que todo mundo tivesse essa mesma proteção, né? — Comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis aí com a Edivânia. Um beijo e eu volto em breve.

[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]