título: protetor
data de publicação: 10/04/2025
quadro: luz acesa
hashtag: #protetor
personagens: aldo
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Luz Acesa. — Essa história contém aí um relato de violência, então ouçam com cuidado. — hoje eu vou contar para vocês a história do Aldo. Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]O Aldo nunca foi uma pessoa que teve mediunidade ou que, sei lá, viu coisas, mas quando ele era criança, certa vez ele estava na casa de uma tia dele — que morava numa espécie de fazenda — e ele viu um lugar, assim, meio alto, meio morro que ele quis dar uma olhada… Só que o Aldo era uma criança de sete anos… Ele sozinho subiu essa espécie de morro e, do outro lado, tinha um rio… — Sabe rio bravo assim? Que você vê a água passando muito rápida, uma água escura… — E o Aldo ficou muito interessado naquele rio… Interessado a ponto de não sabendo nadar, o Aldo sentiu um impulso para pular naquele rio. Aldo tirou o chinelinho e, assim que ele se preparou para pular naquele rio, uma mão segurou o Aldo.
Aldo assustou porque estava ele, estava a tia, enfim, só naquele horário e ele sentiu muita força assim pegando ele. Quando o Aldo virou, era um homem, alto… Elle não conseguia ver direito a roupa desse homem, porque ele meio que brilhava e esse homem estava bravo. E esse homem virou para o Aldo e falou assim: “Eu só vou aparecer na sua vida quando você estiver para morrer e exatamente no dia da sua morte. Não pule nesse rio”, pegou o Aldo pela camiseta e jogou o Aldo longe… O Aldo ficou muito assustado, mas ao mesmo tempo ele percebeu que aquela figura estava brava, mas estava protegendo ele. Aldo voltou correndo ali para a casa da tia e ele tinha um mix de sentimentos, assim… Ele se sentia envergonhado e, ao mesmo tempo, aliviado, protegido.
Aldo nunca mais subiu aquele morro para ver aquele rio e o tempo passou… — Aldo não contou essa história para ninguém e também não pensou mais nisso. — 2003, Aldo estava com 31 anos e ele ficava muito ali em chat… — Era uma época que não tinha ainda aplicativo de namoro, nada, então a gente ficava em quê? Em sala de bate papo. — Aldo conheceu um cara — numa sala de bate papo — e eles começaram a conversar ali com a intenção de marcar um encontro. Todo dia eles marcavam ali de se encontrar naquela sala de bate papo — e quem é da época sabe, então a gente entrava mais ou menos com o mesmo apelido para a pessoa te reconhecer e vocês iam para uma sala privada para conversar ali sozinhos — e esse cara ele tinha muita afinidade ali com o Aldo, eles conversavam sobre as mesmas coisas, gostavam dos mesmos filmes e tinha uma tensão também ali sexual entre eles.
A coisa foi caminhando para um dia eles marcarem um encontro. Só que acontece que quando o Aldo começou a conversar com esse cara na sala de bate papo, ele começou a ter uns sonhos estranhos. No sonho do Aldo, ele tava em cima daquela montanha, daquele morro da casa da tia dele e ele via o rio ali, muito bravo, muito escuro, e ele escutava uma voz que falava para ele: “Pula”. No sonho o Aldo sempre pulava, sentia uma dor imensa — quando pulava na água — e acordava. Esse sonho virou um sonho recorrente e, quando Aldo começou a sonhar com isso, ele não via aquele cara que apareceu para ele — aquele protetor —, ele só ouvia uma voz que não era a voz daquele protetor mandando ele pular. “Pula”. Depois de dois meses de conversa com esse cara, eles marcaram um encontro… — E onde seria esse encontro? — Esse encontro seria num drive—In. — Para quem não sabe o que é um drive—in é como se fosse um motel, sei lá, um espaço, umas garagens, onde você vai de carro. Então você põe o seu carro ali dentro da garagem e você fica ali na garagem, não tem mais nada além da garagem. —
Esse cara combinou de pegar o Aldo quase na porta mesmo do drive—in e já entrar. O Aldo não tinha carro, então ele ia entrar no carro desse cara e eles entrariam no drive—in. Aldo chegou primeiro no local e, passado uns 15 minutos, chega um carro com vidro muito escuro e o cara baixa um pouco o vidro e falar “oi” para o Aldo. “Oi, tudo bem? Pode entrar aqui”. O Aldo achou aquela voz familiar… O cara era bonito e a voz era familiar e o Aldo só ficou um pouco cismado porque aquele carro tinha vidros muito escuros, então ele meio que botou a cabeça ali para dentro do carro, ainda olhando pelo lado do motorista pra ver se não tinha mais ninguém dentro daquele carro. Aldo viu que não tinha, deu a volta e entrou nesse carro. Nessa hora que ele entrou no carro, ele teve uma sensação que era a sensação dele estar pulando naquele rio. O Aldo falou para mim: “Andréia, eu senti uma dor física, mas eu não conseguia entender bem o que era e eu estava muito fascinado por aquele cara”.
Eles entraram no drive—in ali, passaram por uma recepção, não tiveram que deixar RG, nada, só pagar na hora que entrou, o cara mesmo pagou e eles foram aí pra esse box. — Então você entrava num box, tipo uma garagem e tinha uma cortina atrás que fechava pra você ter uma privacidade ali e você ficava dentro do carro ou, se quisesse, descia do carro, mas ficava ali naquele espaço que era uma garagem. — Aldo estava muito inquieto, assim, então ele falou para o cara: “Vamos descer” e já desceu do carro. Esse cara desceu também e ele olhava para o alto de uma maneira como se ele quisesse ver através do Aldo. Aldo diz: “Era um olhar estranho”. Assim que esse cara desceu do carro parecia um filme… O Aldo disse: “Andréia, ele desceu do carro e eu vi… Eu vi com os meus próprios olhos pelo menos mais umas quatro sombras descendo junto com ele”. Sombras, escuras, vultos, descendo junto com esse cara”.
Eu falei: “Aldo, pelo amor de Deus, era hora de você correr, sei lá”, o Aldo falou: “Andréia, como que você vai imaginar que uma pessoa está, sei lá, com sombras? Parecia coisa da minha cabeça”. Esse cara deu a volta no carro, o Aldo achou que ele vinha vindo pra dar um beijo nele e, gente, esse cara veio com tudo pra cima do alto e começou a apertar o pescoço do Aldo de um jeito que o Aldo foi meio que perdendo os sentidos. E aí ele resolveu reagir e começou a dar soco no braço do cara — pra ver se o cara largava de apertar o pescoço dele —, nessa hora, atrás do cara, ele viu o protetor dele. Aldo já perdendo as forças, sentiu a mão do protetor dele. — O protetor dele estava atrás do cara e o protetor dele segurou o braço do cara e o Aldo sentiu a mão que estava no pescoço dele afrouxar. — Uma estava bem na frente, a mão, e a outra estava meio de lado, ele sentiu aquela mão que estava na frente do pescoço dele, que era que estava doendo mais, afrouxar. Então, o protetor de alguma forma conseguiu apertar o braço do cara e afrouxar a mão dele. —
Olhando para o Aldo, o protetor falou: “Corre” e o Aldo conseguiu se livrar ali e correu, gente… Saiu daquele drive—in ali, mesmo com aquela cortina que tinha e saiu correndo, correndo, correndo, pela recepção e, com medo do cara entrar no carro e ir atrás dele, ele virou a esquina e tinha um bar e ele entrou naquele bar e ficou numa mesa de canto ali. O cara falou pra ele: “Nossa, você tá bem?” e pegou uma água já, sem o Aldo pedir mesmo, deu uma água para ele e falou: “Se acalma, cara”, e aí o Aldo ficou ali naquele bar umas duas horas, gente, sentado, petrificado… O dono do bar deu uma água para ele, depois deu um café, não cobrou nada dele e ele saiu daquele bar direto para uma delegacia para tentar fazer um boletim de ocorrência e tal. E fez o boletim de ocorrência, contou o que aconteceu, contou onde era o drive—in, deixou o contato dele, mas ninguém nunca entrou em contato com o Aldo. Ele só conversava com esse cara no chat e por e—mail, e aí ele mandou um e—mail falando para o cara que tinha feito boletim de ocorrência, enfim, mas nunca teve resposta e o Aldo começou a avisar nas salas que tinha um homem marcando encontro com com outros homens — com gays — provavelmente para matar esses caras, por que o que ele queria fazer, gente, ali?
Nunca mais ele encontrou esse cara em nenhuma sala, pelo menos não foi abordado e o apelido que o cara usava ele nunca mais viu em nenhuma sala e também nunca viu ninguém dando um relato nessas salas que tivesse passado por alguma coisa parecida. Depois de uns dias, o Aldo se tocou que a voz que ele ouvia no sonho mandando ele pular naquele rio perigoso, bravo, era desse cara… “Pula”. E até hoje o Aldo às vezes tem pesadelos com este cara — ele lembra da feição certinha desse cara — e dos vultos que esse cara tinha junto. — Esse cara era, sei lá, um assassino de homossexuais? O cara marcava encontro e matava gays? — Porque o Aldo falou para mim, falou: “Andréia, ali não tinha nada de asfixia erótica, nada… O cara tentou me matar mesmo e ele veio para cima de mim já para me matar. E não parecia assim que ele estava, que ele hesitou, sabe? Sei lá, parecia que o cara já fazia aquilo”. Para mim é mais assustador a parte do cara tentando matar o Aldo do que o vulto, do que tudo…
Já tem 21 anos que isso aconteceu e até hoje o Aldo as vezes tem pesadelo com isso — e ele nunca mais viu também o seu protetor — e ele acha que talvez agora, como o próprio protetor disse, que ele só vai ver de novo a figura do protetor dele na hora que ele tiver que morrer, que for o dia da morte dele. O que vocês acham?
[trilha]Assinante 1: Oi, nãoinviabilizers, Danielle de Londres. Aldo, misericórdia… Eu não sei se esses ser é um fruto da sua imaginação ou se é um ser sobrenatural, mas que bom que você está aqui para contar essa história. Eu vivi essa época do chat uol, de drive—in, de não poder mandar a localização, não poder tirar print e tinha muito medo que isso acontecesse… Tive algumas más experiências e resolvi ficar só indo em festa de swing, dark room, sei lá, sauna mista, porque bem ou mal, as coisas acontecem ali e dali você sai, né? Também recomendo a masturbação preventiva… Não vamos se meter aí em problemas, arriscar nossa vida, por favor. Tem tantos casos, principalmente de pessoas que tem que viver sua sexualidade em segredo. Não acredito em nada, mas olha, Deus é que me livre, viu?
Assinante 2: Olá, ouvintes, eu sou o Léo, sou do interior de São Paulo, aqui de Lorena. Aldo, obrigado por compartilhar essa história, Déia, obrigada por contar essa história. Eu sou daqui do interior de São Paulo e a gente está vivendo uma onda muito forte em São Paulo de caras gays sumindo, caras gays que vão em encontros ou recebem as pessoas na casa delas, ou vão até a casa das pessoas e somem, desaparecem, são encontradas mortas depois de algum tempo… Essa história também é um grande aviso pra gente tomar cuidado com quem a gente vai se relacionar, ter bastante certeza de quem é aquela pessoa, que não é um fake, que é uma pessoa confiável, porque esses casos estão cada vez mais comuns, infelizmente. Obrigado, Aldo, por ter contado sua história e, ouvintes, cuidado aí com encontros e com desconhecidos, né? É sempre bom ficar atento, homofobia existe e existe violentamente. Abraço.
[trilha]Déia Freitas: Comentem lá no nosso grupo do Telegram. — O Aldo tem várias teorias porque era uma época também que ninguém… Por exemplo, a polícia não voltou a falar com ele, não deu retorno de nada, então será que alguém foi lá investigar? Será que sumiram gays na época? Será que esse cara era um assassino mesmo? Ou será que esse cara era a primeira vez que fez isso e depois não fez mais? Enfim, o Aldo naquela correria não pegou a placa do carro, nada… Ele lembra que era tipo um, sei lá, gol branco com o vidro muito escuro, assim, enfim, ele não conseguiu também dar muitos dados para a polícia… — Será que a polícia não foi no drive—in lá? Mas o drive—in também parecia bem precário, o Aldo falou, não parecia que tinha câmera… Ele não viu a moça anotar nada, só pegar o dinheiro e beleza, sabe? Então, ninguém deve ter notado a placa também. — Deus me livre. — Um beijo, e eu volto em breve.
[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]