título: alergia
data de publicação: 19/04/2021
quadro: picolé de limão – especial de páscoa 2021
hashtag: #alergia
personagens: denis, ivan, pais de ivan e cleiton
TRANSCRIÇÃO
Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei pra mais uma história [risos] do nosso Especial de Páscoa, tô amando [risos] fazer o Especial de Páscoa. E hoje eu vou contar pra vocês a história do Denis e do Ivan, quem me escreve é o Denis. Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]O Denis e o Ivan, eles começaram a namorar e deu ali uns quase oito meses e chegou Páscoa. — Bom, véspera de Páscoa assim, semaninha ali. — E o Ivan ia pra casa dos pais, né? Pra passar ali a semana da Páscoa, ficar até o domingo, almoçar, voltar. E aí o Denis, que assim, é muito [risos] amorzinho, muito grudado, falou pro Ivan, né? “Ah, Ivan, eu quero muito ir, quero conhecer sua família, a gente já tá junto há oito meses, por favor, me leva”. [risos] — E assim, gente, eu acho um pouco complicado pedir isso, sabe? Tem que deixar a outra pessoa querer te apresentar à família, porque às vezes a família dela não é fácil, sei lá, é chata. Mas o Denis queria muito conhecer a família do Ivan. — E o Ivan falou: “Ah, tá bom, então vamos, né?”. E aqui cabe a gente falar uma coisinha, eles moram no mesmo estado, só que em cidades diferentes não tão longe, então o Ivan não ia sempre ver os pais ali, mas se ele quisesse ir ele podia ir, tipo, sei lá, todo dia, ah, vai demorar três horas pra chegar? Vai, mas dá pra ir e voltar em seis horinhas — Digamos assim. —
Só que aí assim, o Ivan, tem um detalhe, se ele fosse sozinho pra essa Páscoa, ele iria tipo na segunda pra ficar até domingo, como o Denis quis ir junto ele falou: “Bom, é muito tempo pra gente ficar na minha casa sem você conhecer ninguém”. — E o Ivan tá com a razão, eu acho que ele tá certo. É muito tempo pra você ficar na casa dos outros, você acabou de chegar. — Aí o Ivan falou pra ele: “Bom, a gente vai na sexta e fica até domingo, volta domingo então, curte ali o sábado, uma parte da sexta, sábado e domingo”. Beleza, Denis todo empolgado, felizinho, “Ai, vou conhecer os meus sogros, nã nã nã”, lá foram eles. Chegaram na casa dos pais do Ivan de surpresa, surpresinha, surpresinha de filho, Ivan não tinha avisado, ele queria fazer uma surpresa, porque ele nunca ia, enfim.
E aí assim que os pais do Ivan viram o Denis, eles ficaram muito assustados, muito. E aí o Denis ficou sem entender, assim, eles não maltrataram o Denis, mas eles ficavam olhando pro Ivan, assim, tipo: “Como assim?”, na cabeça do Denis o que rolou? “Será que o Ivan nunca falou que era gay e me trouxe assim do nada?”, mas como já estava um clima estranho, o Denis falou: “Não vou falar nada, porque assim, eles não estão me tratando mal, eles só estão em choque”. E aí assim, passou sexta-feira, o Ivan não desgrudava do Denis, parece que ele não queria ter uma chance de ficar sozinho e os pais falarem alguma coisa. — Sabe assim? Eu já fiz isso muito quando era criança assim, que eu sabia que minha mãe… [risos] Eu fiz alguma arte, minha mãe “Ah, vai me dar uma chinelada”, aí eu ficava junto da minha tia assim o dia todo, grudada, [risos] e minha mãe ali que nem um tubarãozinho em volta, esperando uma oportunidade pra me dar uma chinelada. [risos] Ai, que saudade da minha mãe… — E então, e ele ficou assim grudado no Denis, o Ivan, o tempo todo.
Sexta-feira passou, eles dormiram ali no quarto do Ivan, tudo bem. No sábado de manhã o Ivan estava esperando o Denis acordar, pra tipo sair do quarto junto, aí o Denis resolveu falar pra ele, falou: ” Amor, o quê que tá acontecendo? Que tá… Né, tá um clima estranho”, aí o Ivan falou: “Ah, é que realmente meus pais não sabiam que eu era gay e estão sabendo agora”, e assim, por mais que isso colasse, não parecia que colava, entendeu? Que o Denis falou: “Não parecia que era isso”. Aí café da manhã, véspera de Páscoa, né? Os pais do Ivan muito preocupados, sabe quando você fica com aquele semblante preocupado assim? E no café da manhã a mãe do Ivan fez assim, uma mesa maravilhosa e quando o Denis apareceu ali na cozinha, ela falou: “Olha, fiz isso pra você”, e aí não fazia sentido, porque assim, o Ivan tinha falado: “Ah, meus pais não sabiam que eu sou gay, eles são meio homofóbicos”, não fazia sentido aquela mesa de café da manhã pra uma pessoa homofóbica assim, não fazia sentido.
Ela tratou o Denis nessa manhã de sábado muito bem, e aí o Denis falou: “Bom, de repente agora eles estão deixando de ser homofóbicos, sei lá”, Denis estava confuso, mas assim, estava curtindo a vibe, mesmo que estivesse estranho. E aí, gente, o Denis comeu, — [risos] Tipo eu, né? [risos] — Denis comeu tudo o que ele podia naquele café da manhã, só que assim, Denis é alérgico. — Vai, digamos que seja alérgico a nozes… — E aí a mãe do Ivan fez um bolo lá e colocou nozes e ele comeu e achou que era amendoim. — Assim, eu não vou falar a alergia dele aqui, mas tipo isso. — E ele muito alérgico ali a nozes, começou a passar mal, a passar mal mesmo da alergia, e aí os pais do Ivan ficaram super assustados e falou: “Não, tem que levar ele pro pronto-socorro”, e o Ivan falava assim: “Não, não, vamos dar um antiácido pra ele que passa”, “Não, não precisa levar no pronto-socorro, não, não precisa”.
Aí o pai do Ivan deu uma bronca nele e falou: “Se você não quer levar, eu vou levar”, e aí o Ivan falou: “Não, pode deixar que eu levo ele no pronto-socorro”. — Quer dizer, o Ivan não queria socorrer o Denis? — E aí o Denis ali passando mal, passando mal da alergia dele, chegaram no pronto-socorro, só Denis e Ivan. E aí o Denis fez a ficha ali, né? — Viva ao SUS, né? Porque foi num hospital do SUS, mesmo que você fique na fila ali, mas você tem direito, sabe? Dum extremo do Brasil ao outro, qualquer lugar que você for e você passar mal que tiver um hospital conveniado do SUS, você tem atendimento, e foi o que aconteceu. — O Denis foi atendido. E aí assim, ah, o médico falou: “Ah, uma alergia e tal, vou te passar um negócio aqui pra você tomar junto com o soro tal”, e o Ivan estava muito preocupado. — Assim, deixa eu pôr em um gráfico aqui, em visual pra vocês assim, tentar explicar. Imagino assim, ó, o Denis que começou a passar mal, o Ivan estava com uma cara ótima não querendo levar ele até o hospital, no carro o Ivan já estava mais preocupado, mas o Ivan estava igual ele estava em casa, então ele estava preocupado só agora? Tipo, no começo ele não estava? Aí foi vendo que piorou, será? Chegou no hospital o Ivan estava mais preocupado. —
Mas o Denis já tinha sido socorrido ali, por que que agora que o médico falou que “Ah, vai dar tudo certo, vou pôr um sorinho aqui, você vai ficar bom”, o Ivan estava pior? Que esse Denis está ali numa salinha de soro e, assim, a cidade do interior, não tinha muita gente ali pra atender não e ele estava sozinho na sala de soro ali, a enfermeira veio e botou o negócio no braço dele. — E o Ivan ficou do lado de fora da sala sentado em tipo uns bancos assim, no corredor mesmo ali do hospital, mas do lado da salinha. — E ele ouvia tudo. E aí o médico que atendeu eles não conhecia, mas a enfermeira falou: “Ivan, não acredito, você tá aqui? Ai, que feliz, nã nã nã”, se abraçaram, e o Denis falou: “Bom, nossa, ele conhece a enfermeira, né? Ah, sei lá, deve ser amiga de escola, alguma coisa”, daqui a pouco ela falou: “Olha quem tá aqui, Cleiton”, aí [riso] Denis ouvindo só as vozes, ouviu a voz de Cleiton. — Que apareceu na história neste momento. — “Ai, não acredito, você veio? Ai, nã nã nã” e abraçou o Ivan, porque assim, sabe quando você tá conversando e você escutou a voz mais abafada? — Denis não estava vendo nada só ouvindo. —
E aí parecia que eles tinham se abraçado, e aí de repente Cleiton vira e fala pra alguém assim: “Gente, vem cá. Meu marido [pausa] chegou”. — Meu marido chegou… — E aí veio uma galera ali da enfermagem porquê Cleiton enfermeiro também, e “Ai, como tá lá na capital, né? Ai, que bom que você veio nã nã nã”, o Denis ali com o soro no braço, ele não ouvia a voz do Ivan, mas ouvia a voz das outras pessoas e o que ele pode entender ali? Que o Ivan era casado com esse Cleiton. E aí quando ele ouviu o Cleiton falando dos pais do Ivan com muito amor assim, né? Com muito sentimento assim, ele entendeu, tipo, os pais do Ivan estavam assustados e estava com aquela cara péssima porque eles sabiam que o filho era casado com o Cleiton e como assim você tá trazendo outro cara, do nada? “E Cleiton…” Sabe assim? Então essa era a reação dos pais. “E Cleiton, Ivan? Cadê o Cleiton? Como assim você trouxe outro rapaz?”
E aí ali com o soro na veia, meio passando mal, mas meio já melhorando, o Denis sacou tudo. — Denis sacou tudo. — Quando terminou ali o soro, a enfermeira veio, tirou ali os bagulhozinho do braço dele, e quando ele saiu da sala, o Ivan estava sentado nesse mesmo banco assim, um banco comprido com o cara que — A gente já sabe que é o Cleiton — trocando carinho assim, sabe quando você troca afeto, dá um beijinho? Mas não assim, uns beijão, porque você tá ali no hospital, né? E aí o Denis se ligou e falou: “Bom, eu não vou fazer um escândalo”, ele estava mal porque ele estava muito apaixonado pelo Ivan, mas ele falou que o Cleiton parecia uma boa pessoa, e aí ele ficou olhando, ele falou: “Bom, já acabou aqui”, falou pro Ivan, aí esse Cleiton falou: “Ah, você que é o Denis, poxa, obrigado por ser tão amigo do meu marido e tal, né? Ele sempre me disse que você dá uma força pra ele lá na capital, nã nã nã”, e o Denis ficou quieto e falou: “Ah é, é isso mesmo, a gente é parça”, o Denis falou… — E olhando para o Ivan assim, “Ah, a gente é parça”. —
E aí o Denis falou assim: “Ó, Ivan, aproveita que faz tempo que você não vê seu marido, pode ficar aí. Eu vou pegar um táxi aqui e vou lá na sua casa, tá tudo bem”, — E aí olha o que o Denis fez, gente… — O Denis pegou um táxi, tinha um ponto de táxi em frente ali o hospital, voltou pra casa dos pais do Ivan. — Eu, sei lá, eu imaginei que talvez o Ivan viesse atrás dele, mas o Ivan não veio. — Ele chegou chorando na casa dos pais do Ivan, fez as malas dele, o taxista ficou esperando lá fora porque seriam três horas de viagem, então ele ia gastar uma grana pra voltar, quando ele saiu com as coisas dele, o táxi não estava mais lá. — Olha que queridos, os pais… — O pai do Ivan falou: “Não, eu não vou deixar você ir embora assim, eu te levo”, e aí o pai do Ivan pegou o carro e encarou três horas pra voltar pra capital pra trazer o Denis. A mãe do Ivan estava muito assim chateada, porque ela achava que a culpa da alergia, né? Do Denis era dela e tal, e aí ela fez lá um pratinho só com as coisas que não tinha nozes. [risos]
E o Denis veio, voltou pra capital no carro do pai do Ivan trazendo várias marmitinhas da mãe do Ivan. — Ou seja, um casal super de bom… Um casal com caráter, sabe? Honesto. — E aí o pai do Ivan veio contando que o Ivan sempre apronta dessas, que o Ivan é casado mesmo com o Cleiton, que o Cleiton é um rapaz maravilhoso, que a família do Ivan gosta muito e que já rolou algumas outras situações piores e que a família dele sempre fica do lado do Cleiton e não do Ivan, porque o Ivan é… Putanheiro. E que eles estavam espantados, né? Que o Ivan estava há oito meses com o Denis e ele não costumava levar lá, né? Quando às vezes o Cleiton estava sabendo de alguma coisa, ele descobria ali pelas redes sociais, eles brigavam e tal.
E aí o Denis foi fazendo aquela conta mental, né? Que às vezes o Ivan falava que “Ah, ia viajar a trabalho”, ele não viajava trabalho, ele voltava pra casa, porque inclusive ele tem uma casa na cidade dos pais, que é onde ele mora com o Cleiton. — Então assim, casado, com casa montada e tudo… — E aí Denis chegou arrasado, né? O pai falou: “Ah, se cuida, né? Meu filho não é pra você, você é um rapaz bom, nã nã nã”, e aí o Denis pegou as coisinhas dele ali e foi embora. Bloqueou o Ivan e tudo, e nunca mais quis saber, e assim, foi a melhor coisa. Por mais que ele gostasse, — Na época, né? — do Ivan, não ia dar em nada, se o cara já tinha feito outras vezes e o cara nunca tinha largado o Cleiton, e também a gente não sabe se o Cleiton, de repente, já tinha outras desconfianças e também nunca largava o Ivan. O Denis estava certíssimo de não querer entrar nessa dinâmica, né?
E o detalhe é que no caminho, na volta, o pai do Ivan ainda parou nesses lugares que tem tipo, ah, tem um restaurante, lojinhas, nã nã nã, e comprou um ovo de Páscoa pro Denis. Ó, que fofinho… E deu um ovo de Páscoa para o Denis, e aí o Denis falou assim: “Andréia, eu tenho um mix de sentimentos desse evento da minha vida. porque foi muito ruim descobrir que o cara que eu namorava era casado, mas por outro lado eu fui tão bem acolhido, tão… Sabe? Os pais deles são tão maravilhosos que eu senti que o meu luto maior foi pelos pais do Ivan, de perder o contato com os pais do Ivan do que com o Ivan”. —E eu entendo super isso, [risos] eu entendo super assim, é engraçado, né? Quando a gente se dá bem né, com os pais assim dos nossos cônjuges… Eu tive uma sogra que eu, nossa, eu amava demais assim. Um beijo Dona Rosana… Amava muito, e aí quando terminou o relacionamento, lógico que, né? Tinha todos os outros fatores, mas eu sentia muita falta dela, muita falta, eu tinha assim, eu tinha o meu luto de relacionamento e eu tinha o meu luto de saudade da Dona Rosana, é surreal isso, né? Mas é verdade. — E aí o Denis ficou ali [risos] curtindo a fossa dele pelos pais maravilhosos do Ivan, mas ele tinha um ovo de Páscoa. Então [risos] Ajudou.
Assinante 1: Oi, meu nome é Nicole e eu sou de São Paulo. E, assim, pensa, você ser uma pessoa maravilhosa e aí você tem um filho, e você trata ele com todo amor e carinho, você ser o tipo de pessoa que aceita, que acolhe, que é gentil, pra depois essa criança crescer e você descobrir que era o Ivan, né? Pensa na tristeza, pensa no desgosto, porque meu Deus… Que embuste, que embuste. Claro que os pais já sabiam que ele era esse embuste, mas nossa, deve ser uma tristeza muito grande, olhar e falar: “Meu Deus, eu gastei tanto, né? Meu tempo, meu amor, minha energia na criação pra pessoa virar essa aqui? Muito triste, né? Então assim… É, Denis, ainda bem que você se livrou e é uma pena que os pais do Ivan e o próprio Cleiton não tenham tido a mesma sorte que você, né? Mas olha, fez bem em cortar relações, porque, minha nossa, péssimo, péssimo, Ivan.
Assinante 2: Oi gente, aqui é a Maya de São Paulo, e eu vim dizer pro Denis, que Denis você é o bravo. Cara, eu jamais conseguiria não fazer um escândalo numa situação dessa, nem no hospital, onde fosse, eu ia dar um barraco… Você foi muito classudo. E a família do Ivan foi um amor, né? Nada é por acaso. Se você teve uma primeira impressão ali deles, foi equivocada, porque no caso eles já sabiam quem era o filho deles, né? Muito injusto isso, muito injusto a pessoa levar uma vida dupla dessa forma e querer enganar a gente, é uma pataquada, é uma safadeza sem tamanho, né? E eu desejo que você já tenha superado tudo isso, você merece muito amor e muitas alegrias. E feliz Páscoa, um grande beijo pra todo mundo e pra você.
Déia Freitas: E essa é a história de hoje do nosso Especial de Páscoa. Amanhã eu tô de volta, gente, um beijo.
[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]