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título: ambulância
data de publicação: 15/06/2020
quadro: picolé de limão com groselha – especial dia dos namorados
hashtag: #ambulancia
personagens: vanessa e carlos

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi gente… Voltei pra mais um Picolé de Limão Especial – Dia dos Namorados. Picolé de Limão com Groselha, e assim, gente, eu vi muita gente comentando “ah, mas, não acredito no amor, não sei o quê” e não é bem assim, né. Eu não recebo muitas histórias de amor com final feliz, até gostaria, mas não recebo, então a gente meio que focou nas ciladas, mas o amor existe sim e é uma coisa bacana quando você encontra. 

Eu, pessoalmente, só acho que isso não tem que ser uma meta de vida, tipo, passar a vida toda procurando um amor eterno porque eu acho que isso não existe, relacionamentos começam, relacionamentos acabam e quando acaba bem… O que significa acabar bem, na minha visão? Não ter aquele monte de briga, não ter violência, não ter sacanagem financeira, essas coisas… Simplesmente, o amor acabou cada um vai para um lado a gente sofre, mas passa. Isso não significa que a história de amor não foi uma história bonita, ela foi só que acabou, para mim nada é eterno, então eu não acredito nessa coisa de amor eterno, pode ser que para outras pessoas funcione, né, ficar a vida toda com uma pessoa só, mas não sei, não vejo, não vejo vantagem, não acho possível, mas né…

Então, gente, a intenção desse Especial de Dia dos Namorados não é dizer para vocês que “ah, não amem”, “não confie nas pessoas”, pelo contrário, tem muita gente boa, muita gente bacana e todo mundo é humano também, né, uma mancada aqui outra ali, lógico que aqui a gente conta as piores mancadas, mas ninguém é perfeito. Então não caiam nessa de que não existe amor. Existe sim, e sei lá também, não precisa ficar correndo atrás disso, tem tanta coisa, né, deixa a vida correr, segue a vida. 

Mais uma história [contendo o riso], infelizmente, que não acabou TÃO legal, né, mas é a vida.

Então vamos lá, a história da Vanessa e do Carlos. A Vanessa conheceu o Carlos numa central de concursos, então ele queria prestar lá para uma coisa na área de Direito e ela queria ser funcionária pública, então ela fazia várias provas, né, vários testes aí para passar em concurso. E eles fizeram esse cursinho por dois anos, então eles se conheceram bem no começo e já começaram a namorar, só que tinha uma coisa… Ela morava, vai, vou dar um exemplo: eu moro em Santo André, então digamos que ela morava em Santo André e o Carlos morava em Embu das Artes, não é uma coisa tão longe, mas é fora de mão, então assim, é meio longinho. 

E a Vanessa morava sozinha, então o quê que acontecia? Muitas vezes, quando terminavam as aulas, né, lá do cursinho deles de concurso, o Carlos dormia na casa da Vanessa. E assim eles estavam namorando por dois anos e, depois que terminou esse cursinho, tinham outros módulos, né, quem queria fazer algo mais específico… Só que a Vanessa passou num concurso público e ela foi ser, eu vou dar um exemplo similar aqui, mas não é isso, — lembrando que eu sempre mudo nomes, profissões e cidades — digamos que ela foi ser socorrista do SAMU. Então, ela estava feliz da vida, ela tinha todas as qualificações, né, para assumir aquela vaga do concurso e agora ela teria uma estabilidade financeira, uma estabilidade de emprego, ela estava muito feliz. E o Carlos continuou estudando.

Então ela parou a escola lá de cursinho e ele seguiu, porque ele queria fazer lá um concurso que era muito difícil e ele tinha que estudar muito. Então, muitas vezes, ele saía do cursinho e ia para casa dela, só que aí ela estava de plantão, né, e eles acabavam não se vendo. Mas era um relacionamento, a Vanessa disse muito legal, muito saudável e era sempre ele que vinha para cá, ela nunca ia para Embu das Artes porque era longe, fora de mão e ela estava trabalhando, enfim…

Aí chegamos aí, num Dia dos Namorados, e ela queria muito, muito estar com ele, só que ela estava de plantão e não ia poder passar aquela noite do Dia dos Namorados com o Carlos. E, assim, a Vanessa disse que ela nunca desconfiou de nada porque ela falava com o Carlos no celular, né, ela nunca gostou de telefonar — eu também odeio telefonar, então, mensagem funciona muito bem para mim, do mesmo jeito que funcionava para a Vanessa — então eles conversavam muito pelo WhatsApp, e como o concurso que ele vinha no cursinho pra fazer, era quatro vezes por semana então eles passavam muito tempo juntos. E agora ela tinha os plantões então ficou mais corrido… Ela nunca desconfiou do Carlos, nunca, nunca, nunca. 

E como agora ela estava empregada, concursada, ela começou a falar deles morarem juntos e o Carlos dizia que não dava porque os pais eram muito idosos, ele cuidava dos pais e ela só conhecia os pais dele por foto, né, nunca tinha ido até Embu das Artes conhecer os pais dele, e que os pais eram idosos e ele não podia se mudar de vez para cá e largar os pais… Ela foi entendendo, né, a situação dele. 

Até que no Dia dos Namorados ela estava lá no plantão, né, então ela saía com a ambulância, tinha o cara que dirigia a ambulância lá, a equipe de socorristas saía para as ocorrências. E ela recebeu, eles receberam um chamado que era um chamado, digamos na Anchieta, que era a área dela, na Rodovia Anchieta, e ela foi para esse chamado… Então, o quê que ela recebeu ali no rádio? Que no chamado era uma colisão, e na colisão tinha uma criança presa nas ferragens, dois adultos machucados e uma outra criança sem nenhuma lesão. Aí chegaram lá, o foco era na criança, né, que estava presa. 

Então, a Vanessa disse que quando a ocorrência é assim os bombeiros vão porque o socorrista não pode tirar a pessoa do veículo, quem tira é o Corpo de Bombeiros. Então os bombeiros já estavam lá, já estavam serrando o carro e tal, tirando a criança, e eles estavam esperando, já tinha um outro carro do SAMU que tinha começado os primeiros socorros. Então quem estava leve, que era o marido, a esposa e a outra criança já tinham sido socorridos, mas não queriam sair do local porque a outra criança estava presa nas ferragens. E nesse exato momento ela chegou, aquela gritaria, né, da família… E quando ela viu, quem era o cara? O marido? Pleno Dia dos Namorados que ela tinha deixado tudo arrumado porque o Carlos disse que ia, talvez, dormir, né, lá na casa dela e quando ela chegou na ocorrência: o Carlos era o pai daquela família.

Então estava o Carlos, a esposa, ele estava com uma aliança enorme no dedo e tinha duas crianças: tinha um menino de uns 10 anos fora do carro e uma outra criança de 7 anos que estava pela perninha presa, assim, então, tinha que serrar lá uma parte da porta lá do carro para tirar o menino. E aí ela ficou em choque porque ela viu o Carlos, era o Carlos, porque às vezes a esposa falava: “Carlos, Carlos”, assim, desesperado, porque o Carlos nem se ligou que ela estava ali porque o filho dele estava preso nas ferragens, né? E ela ficou ali esperando pra socorrer o menino, porque o menino ia na ambulância dela, precisava ver a perninha, se ia imobilizar, o que precisava fazer… 

E ela tinha que prestar os socorros de qualquer jeito, né, ela não podia passar mal ali, mas ela estava bem mal. E tudo deu certo, ainda bem. O menino não tinha uma lesão grave na perna, foi só mesmo porque ficou enroscado, ele ficou preso e ficou machucado, mas nem tanto. Socorreu o menino na ambulância. E na ambulância foi a mãe do menino, — a esposa do Carlos — então, depois que ela fez todos os procedimentos que ela tinha que fazer ali junto com a outra pessoa da equipe, ela dentro da ambulância ainda falou: “olha, mãe, fica tranquila, seu filho tá bem e não foi nada de grave”, explicou para ela o que seria feito dali pra frente e a mãe do menino, que seria a esposa do Carlos, abraçou a Vanessa. 

E assim, a Vanessa falou que até então ela estava muito chocada, e aí a partir do momento que ela recebeu o abraço da mãe da criança que estava ali, também ingênua, sem saber nada, aí que o choque foi total e ela meio que começou a chorar.  E ela começou a chorar dentro da ambulância. A mãe do menino achou que ela estava chorando porque o menino estava bem e começou a chorar junto, então as duas começaram a chorar ali na ambulância, tudo muito estranho, né? Mas aí eles entregaram lá no hospital o menino, a mãe ficou… Ela tinha que preencher a papelada e voltar para o plantão, que é assim que rola, e não tinha choro, ela tinha que voltar para o plantão.

E aí ela não conseguia raciocinar assim, o quê que ela ia fazer, né? O quê que ela ia fazer em relação a ele… E ele estava agora com um filho machucado, né… Então ela terminou o plantão, foi para casa, desligou o telefone e dormiu. E até aquela hora, era tipo, quando teve o acidente era umas nove horas da noite e ela desligou o celular e não ligou mais. Quando ela acordou no outro dia, né, depois que já tinha passado o plantão, ela já tinha dormido, tinha várias mensagens do Carlos, e assim, o cara, acho que depois que ele viu que o filho dele estava bem e estava fora de perigo, ele mandou mensagem dizendo que tinha ficado preso lá em Embu, que o pai dele não estava muito bem, ele precisou socorrer o pai dele, mas que agora estava tudo tranquilo, inventou uma puta de uma conversinha para não passar o Dia dos Namorados com ela.

A Vanessa, ela tinha acordado um pouco melhor, porque assim, podia ser uma tragédia, né, já pensou? O filho dele podia ter morrido e enfim… Ela pensou que dos males todos do que podia ter acontecido, né, aquele foi o menor. Ela descobrir que o Carlos era um canalha foi o menor dos males. Então, o quê que ela respondeu para o Carlos por mensagem? “Ah, seu pai tá no hospital? Eu vou para aí agora encontrar vocês” — coisa que ela nunca tinha feito, né — “tô indo para Embu agora encontrar vocês”, e aí o cara respondeu: “não, não, ele já tá em casa e tá dormindo, não é a melhor maneira de eu apresentar você para os meus pais agora, eu só queria te dar uma satisfação, porque eu não passei o Dia dos Namorados com você e nã nã nã”, acabou. 

Aí o quê que ela decidiu, o quê que a Vanessa decidiu? Que ela ia conversar com ele pessoalmente, então passou ali mais um dia, ela tinha o plantão dela, cumpriu o plantão dela, quando ela chegou na casa dela de manhã do plantão, o Carlos estava lá dormindo, ela falou: “bom, eu vou fazer um café, não vou dormir e vou esperar ele acordar para conversar com ele”. E aí quando ele começou a querer contar uma historinha sobre a saúde do pai dele, ela falou: “cadê seu carro?”, aí ele falou: “ah, meu carro tá na oficina, acho que não vai ter jeito, eu já até acionei o seguro, acho até que vou ter que pegar outro carro, não sei o quê” — e ela sabendo que o carro dele tinha dado PT na Anchieta —, aí ela falou: “engraçado, eu estive numa ocorrência no Dia dos Namorados na Anchieta e era um carro tão parecido com o seu e tinha um cara lá tão parecido com você”, e falou assim bem no deboche mesmo, e o Carlos ficou branco, branco, branco, branco. 

E aí ela pegou o número da ocorrência, pegou os dados do carro, estava tudo num papel e botou na mesa e falou: “então Carlos, eu estava lá, eu vi você”, e ela já começou a chorar e ele começou a chorar e aí, né, — homem choraminguento covarde — começou a falar que, porque assim, os filhos dele grande já, né, que quando conheceu ela na central de concursos não sabia como falar que era casado e que isso e que aquilo, que amava ela, mas como ela viu ele tem dois filhos, ele não podia deixar os filhos e nã nã nã, aquela conversinha toda… E ele estava com um presente, ele tinha levado um presente para Vanessa, de Dia dos Namorados atrasado.

Então ela pegou o presente da mão dele, e atirou pela janela [risos], sem ver o que era — coisa que eu não faria, eu ia querer ver pelo menos o que era —, e botou ele para fora, ele queria pegar as coisas dele porque ele tinha umas roupas, né, ele deixava umas roupas, assim, melhores lá na casa dela. Ela falou para ele: “olha, se você voltar a me procurar, de qualquer forma, eu tenho o telefone da sua esposa, tenho o seu endereço residencial…” E agora vocês vão ficar chocados: o Carlos não morava em Embu, tipo, a Vanessa morava em Santo André? Ele também morava em Santo André [efeito sonoro: “cumé qui é?”], tipo, a Vanessa morava num bairro, ele morava praticamente do lado da casa dela, muito perto, ele nunca morou em Embu. 

Então ela nem sabe se ele tem pais vivos, se os pais moram em Embu… Porque ela só via foto, né, mas o Carlos morava na mesma cidade que ela, no bairro do lado, muito perto, tipo, dava para ir a pé da casa do Carlos para a casa dela e ela nunca encontrou o Carlos num mercado, sabe, assim, no dia a dia? Foi encontrar o Carlos no acidente com o filho dele. Então, uma coisa que, né, a gente nunca imaginou uma coisa dessa. E ela ficou mal, lógico, um tempo e ele não procurou mais ela de jeito nenhum porque ela tinha ameaçado contar pra família, ela tinha endereço, ela tinha tudo dele por causa do relatório que eles fazem lá, né? 

E ele nunca mais procurou por ela. Nunca mais. O concurso que ele queria passar ele nunca passou [risos] — bem feito, Carlos — e a Vanessa agora já tá melhor, já superou essa história, mas ela associou o Dia dos Namorados à esse evento terrível assim, porque por mais que o menininho também não tivesse tão machucado ele estava preso nas ferragens, o carro estava todo estraçalhado, sendo que o pai era o Carlos gritando, o outro menininho chorando… Então, assim, ela associou muito o Dia dos Namorados a isso, né? E a traição toda, porque foram três anos, até um pouquinho mais, de Carlos mentindo adoidado. 

Então esse foi o Dia dos Namorados que a Vanessa nunca mais vai esquecer e que agora ela também não gosta de comemorar com ninguém, ela já teve outros namorados, e aí prefere [risos] não apostar aí nessa data do dia 12. Então gente, um beijo, e eu volto daqui a pouquinho com outra história.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.