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título: anjo
data de publicação: 03/02/2025
quadro: luz acesa
hashtag: #anjo
personagens: henrique

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para mais um Luz Acesa. — E agora um Luz Acesa fofo. Zero medo, uma história muito fofinha. — E hoje eu vou contar para vocês a história do Henrique. Então vamos lá, vamos de história.

[trilha]

O Henrique hoje é um homem de 40 anos, casado, dois filhos, mas ele nunca esquece essa história que aconteceu ali quando ele tinha por volta dos seus 11 anos, quando ele entrou ali na quinta série. — Que agora é ensino médio, né? Mas na nossa época, minha e do Henrique, era aí primeiro grau e segundo grau. —  Henrique quando ele completou nove para dez anos — início dos dez anos, que ele entrou na quarta série — ele já ia pra escola sozinho, eram uns cinco quarteirões em linha reta e no começo a mãe dele ia, ficava olhando de longe, depois foi deixando, porque a gente também aqui no meu bairro, a gente ia e voltava meio que sozinho, o Henrique não tinha amiguinhos perto, só tinha ali no último quarteirão, e aí quando chegava no último quarteirão, tinham mais dois amiguinhos que iam com ele até a escola… — Mas até chegar naquela parte, ele ia sozinho. —

Desde que ele entrou na escola, ele estudava tarde… Na sexta série, ele já passaria estudar de manhã porque ele teria que ir para outra escola. Só que ele ainda estava vivendo aquela vibe da quinta série, que eram os mesmos amigos, que agora não eram mais tão criancinhas, né? Já estavam ali entrando na puberdade todo mundo, o Henrique estava ali entrando nos seus 11 anos e ele ia para a escola sozinho. Moleque bobo. — E eu costumo dizer que criança também tem intuição… Aqui atrás da minha casa tem até hoje uma viela e, nessa viela, quando a gente era criança, tinha um pé de pitanga, que é a fruta que eu mais detesto nesse mundo, detesto pitanga. [risos] Mas a gente gostava de ficar ali porque todas as crianças gostavam de comer pitanga, então a gente ficava. Quem era “a gente”? Eu, a Janaína, a minha outra prima, Eliane, e as crianças daqui da minha rua, a gente ficava ali… Mas normalmente quem ficava mais era eu, Janaína e Eliane, então tinha um morrinho que você subia e já estava nessa pitangueira, né? Então a gente gostava… Eu era uma criança que gostava muito de subir em árvores, então eu subia, ficava chacoalhando, pegava as pitangas maiores, enfim, pra galera ali embaixo… —

E, um dia, era horário de almoço e chegou um homem, um homem de terno, pasta… Uma pasta na mão… E passou pela gente para dentro da viela, tipo uma rua sem saída, então se ele tivesse que sair, ele tinha que passar pela gente… Só que ele passou pela pitangueira e, sei lá, uns dez, doze metros no máximo, nós três crianças, bem crianças, só que o muro era baixo… Então a minha mãe, minha casa que sempre foi nos fundos, a minha mãe estava fazendo almoço para a gente, era ela que tomava conta tanto da Janaína quanto da Eliane, minhas primas, e a gente estava lá atrás esperando o almoço ficar pronto. Este cara passou e começou a fazer de um jeito que a gente não sabia se ele estava fazendo xixi no mato que tinha ali, mas a gente muito criança, a gente achou engraçado porque ele estava olhando meio que pra gente e sorrindo… Só que ele começou a chamar a gente, e a gente ficou meio paralisada, mas assim, ele tinha um rosto muito amigável… Não sei explicar, gente… A gente era criança. Só que, ao mesmo tempo, a gente tinha uma intuição, nós três, que aquilo era errado, que não era pra gente ir. 

Nesse intervalo da gente pensando: “corro?”, “não corro?”, “o que fazer?”, tinha a Janaina, que era sempre muito pequena, com as perninhas curtas, então correr tem que carregar a Janaína, enfim, gordinha, eu, uma criança muito magra… A gente era tipo Os Trapalhões, Reco—Reco, Bolão e Azeitona… E a gente tinha esse apelido, inclusive aqui entre os familiares. Então, a gente ia ter que carregar a Janaína, enfim… Nisso, a minha mãe que estava fazendo comida, saiu no muro e viu esse cara… Minha mãe… Minha mãe sempre foi uma mulher… Uma negra retinta muito linda, de cabelo muito arrumado, sempre impecável e de unhas grandes e feitas, sempre gostou de usar um esmalte vinho, assim, mais sóbrio, muito elegante… Minha mãe deu a volta, ela espiou, ela viu, ela correu, ela deu a volta e apareceu… Quando ela apareceu, esse cara assustou, a pasta dele, que estava vazia, caiu no chão aberta e ele passou correndo pela gente e minha mãe correu atrás desse homem até pegar… Pegou esse homem e quebrou todas as unhas na cara desse homem. Ele ficou com a cara toda ensanguentada, só que ele era um homem, ele acabou empurrando a minha mãe e conseguiu correr, mas a minha mãe quebrou todas as unhas… Eu lembro dela com as unhas todas quebradas… 

E ela muito nervosa vendo se a gente estava bem e tal, então ali a gente sabia que era uma situação errada, enfim, que graças a Deus nada aconteceu, nem com a minha mãe que foi atrás dele e nem com a gente, que a gente não chegou a ir perto dele… Mas é uma história que eu nunca esqueço e eu nunca esqueço da cara deste homem… Ele era baixo, o terno que ele estava, não esqueço nada… Na época a minha mãe teve uma coisa, algo disse: “Vai lá ver as meninas”, e aí ela viu. Então, quer dizer, algum aviso a minha mãe teve também e foi. —  E o Henrique, quando ele ia para a escola, ele passava sempre em frente a uma oficina mecânica e tinha um homem que olhava para ele de uma maneira estranha, que o Henrique sentia que aquilo era errado. Mas a gente é criança, a gente não consegue elaborar aquele sentimento, nem verbalizar direito o que é aquilo. Você só sabe que é errado… E aí ele percebia o olhar daquele homem e que era errado, só que ao mesmo tempo, aquele homem era como o homem que estava aqui nos fundos da viela da minha casa, ele parecia muito amigável… 

Então a gente criança, a gente fica meio paralisado, tipo, é um rosto amigável… Hoje em dia eu acho que os pais têm que ser bem incisivos do tipo: “Você não é obrigado nem a ser educado com uma pessoa adulta que você não conheça. Você não precisa dar bom dia para uma pessoa adulta na rua que está dando bom dia para uma criança”, entendeu? Eu acho que tem que ser assim. Na nossa época, a gente era meio que educado pra ser simpático com todo mundo, sabe? “É adulto, você tem que respeitar”. Então, eu acho que a gente tem que ensinar hoje as crianças: “Você não conhece aquela pessoa. Mesmo que a pessoa fale que é amigo da sua mamãe, do seu papai, corre, dá um chute nele, corre, sabe? Não fala nem oi, não olha nem na cara”, eu acho que tem que ensinar assim hoje em dia as crianças a qualquer movimentação de um desconhecido, de chegar perto da criança, enfim… E ele percebia ali que quer uma situação errada pelo olhar que o cara tinha, mas ele ficava nessa coisa de: “Ah, meu Deus, é um adulto me dando boa tarde, sendo simpático, amistoso comigo”. 

E, um dia, este homem quando o Henrique passou deu um pião… — Sabe pião? Que você joga no chão e gira? Deu um pião pro Henrique. — E um pião muito bonito, esculpido… — Não sei se foi o cara mesmo que fez. — E ele levou o pião para a escola e foi um sucesso… Mesmo sabendo que era errado, ele meio que achou que o cara, sei lá, pudesse ser um amigo dele. — E aqui mais uma vez eu falo: Avisem seus filhos, não existe amizade entre crianças e adultos desconhecidos. Uma coisa é você ser amigo do seu pai, da sua mãe, da sua tia, de adultos que estão ali no seu convívio com os seus pais ou seu responsável, tá? Fora isso, você, criança, você não pode ter um amigo adulto desconhecido sem que seus pais saibam, tá? Ou seu responsável, seu tio, sua tia, enfim… Saibam. Não existe amizade entre criança e adulto, tá? — Ele começou a achar que esse cara da oficina mecânica talvez pudesse ser amigo dele. — Será? — E aí ele começou a passar e este cara sempre muito amigável. Até que um dia ele falou: “Você não quer entrar aqui? Eu te mostro, tenho mais uma caixa cheia de piões”. 

Nessa hora, o Henrique sabendo que era muito errado, ele estava na calçada, ele quis entrar, gente, porque eram piões… Eram piões coloridos, de madeira, lindos… Assim que ele deu o primeiro passo na direção da oficina, um senhorzinho apareceu… E apareceu, assim, pensa: Você está andando… Para alguém aparecer na sua frente, tem que vir, sei lá, da esquerda, da direita, vir atrás e tocar no seu ombro, enfim… O senhor apareceu na frente do Henrique. Um senhor com uma camisa meio florida, camisa, assim, manga curta, mas de botão, uma bermuda e um chinelo… Com uma cara muito amistosa, muito boa, apareceu de frente olhando pro Henrique e não falou nada para o Henrique e virou de costas para o Henrique e falou com o cara… O Henrique ele estava atrás do senhor, ele foi um pouquinho para o lado para poder ver o mecânico ali, mas ele não ouvia o que esse senhor estava falando para o mecânico. Ele só foi percebendo que a cara do mecânico foi ficando transtornada e o mecânico saiu correndo…

O Henrique sem entender nada, o idoso de cabelo bem branquinho assim virou para ele de novo e falou: “Pronto, resolvido… Henrique, meu querido”, desse jeito, “você não vai mais passar aqui, tá bom? Agora você vai pela rua tal”. E o Henrique ainda ficou assim, de olho arregalado olhando para ele… E aí o velhinho fez uma cara, sabe de bravo? Mas amistoso, e falou: “Você me entendeu? Que você nunca mais vai passar por essa rua?”, e aí o Henrique notou que era uma bronca e ele falou: “Sim, eu entendi, eu nunca mais vou passar por essa rua”. Ele falou: “Repete então de novo”, “Eu nunca mais vou passar por essa rua”. E aí o senhorzinho olhou pra ele com uma cara muito boa e falou: “Tá bom então, boa aula” e desapareceu na frente do Henrique. — Na frente do Henrique… Não é assim que “ah, andou”, “correu”, na frente… — E o Henrique seguiu bem zonzo, assim, encontrou os amigos dele na esquina… Já avisou que ele agora sempre pela rua de trás, ninguém também questionou nada, parecia que os meninos também, não sei…. Parecia que estava todo mundo, ele falou: “Meio enfeitiçado, não sei…”. Os meninos também começaram a falar: “É melhor mesmo você ir pela rua de trás”, parece que os meninos estavam influenciados, assim.

E quando ele entrou na escola, que ele passou o portão — na minha época chamava “bedel”, eu não sei se ainda tem, que alguém que fica ali, que é tipo um zelador da escola, e aí tinha o bedel ali no portão e falou: “Henrique, tudo bem?” — e brincou, que ele sempre brincava com as crianças ali, quando Henrique olhou para trás para ver o bedel, ele viu o senhorzinho um pouco mais pra lá, dando tchauzinho pra ele. E aí ele entrou, foi ter a aula dele e, enfim, fez as coisas dele… Nunca contou para os pais sobre essa história do pião, nunca mais viu o mecânico. O tempo passou, Henrique cresceu, Henrique entrou numa boa empresa, grande, grande, grande mesmo, com curso técnico profissionalizante e lá dentro ele foi crescendo… Um dia ele estava nessa empresa, ele é torneiro mecânico — profissão do Luiz Inácio Lula da Silva  [risos] —, ele estava no torno ali, fazendo coisinhas de torno, [risos] não sei, né? Fazendo as coisinhas de torno ali, isso já tinha se passado, gente, sei lá, 15, 16 anos daquele dia que ele viu esse idosinho felizinho.

Quando você entra numa fábrica, você além de você estar com o seu uniforme, você tem os EPIs ali, as coisas de proteção… Então você não consegue entrar sem proteção, mesmo que você seja um engenheiro que esteja passando ali, tem todo um protocolo, um lance da CIPA que você não vai entre as máquinas”, ele estava ali e quem apareceu na frente dele de novo? O senhorzinho… O senhorzinho olhou para ele, falou: “Oi, Henrique, tudo bem?”, do mesmo jeito que ele tinha falado quando o Henrique era uma criança. O Henrique, chocado, não conseguia responder nada e pensa assim: Uma máquina do lado da outra, outras pessoas nas outras máquinas… Ele falou assim para o Henrique: “É melhor você ir ali e sentar ali, tá bom?”. O Henrique ficou meio assim… Você não sai assim do seu torno, da sua máquina assim, do nada… Então ele parou a máquina ali, como se ele fosse fazer uma pausa para ir no banheiro e tal e foi e sentou… Foi o tempo dele sentar e ele teve um mal súbito. Se ele tivesse tido aquele mal súbito na frente do torno, ele tinha sofrido um acidente sério de trabalho e talvez até tivesse morrido.

E aí ele foi socorrido para o ambulatório dessa empresa grande, foi feito ali alguns primeiros exames, afere a pressão, faz uns exames de glicemia e tal, e aí a glicemia dele tava 400 e pouco, ele nem sabia que ele era diabético. Se ele estivesse em pé naquele torno ele tinha sofrido um acidente muito grave ou tinha morrido… E aí pra ele não cair, esse senhor, que só pode ser o anjo do Henrique, apareceu e pediu para ele sentar. E aí ele foi, ficou afastado uns dias tal e hoje toma medicamento, está ótimo também, né? Mas aí descobriu que ele tinha diabetes. Depois também nunca mais viu o senhorzinho… Quando ele teve os filhos, ele achou que ele fosse ver, mas não. Talvez seja só em situações de extremo perigo que esse anjo aparece? E aí eu fiquei até com um pouco de ciúmes do Henrique. [risos] Cadê meu anjo? Apesar de que eu já fui atropelada por um ônibus, né? E sobrevivi… Então acho que meu anjo também, coitado, ele trabalha bastante… Já aconteceu umas coisinhas comigo.

Mas queria ver também se tem anjos, cadê os anjos? Vamos, né, aparecer mais, falar com a gente… Porque anjo para mim ok, gente, pode brotar aqui na minha frente… Agora, e para saber também se é anjo? Como é que é? Tem a placa de anjo? Tem o chip de anjo? O que vocês acham?

[trilha]

Assinante 1: Oi, nãoinviabilizers, aqui é a Sami de Curitiba. E essa história é muito linda, eu acho que o Luz Acesa dos mais bonitos que eu já ouvi. Teve um outro também que envolvia assim uma proteção divina, talvez, mas que a menina via o familiar, né? Aí eu fiquei pensando será que esse senhorzinho que o Henrique viu não era alguém que talvez ele nem chegou a conhecer? Algum parente mais distante que talvez tenha falecido quando era criança ainda, menorzinho? Ou será que foi alguma coisa do inconsciente dele, sabe? Materializando o que ele achava que ele teria que fazer, que deveria ser certo? Como se a intuição tivesse uma forma humana? De qualquer forma, eu fiquei com um pouco de invejinha, porque eu queria muito que a minha intuição fosse tão forte assim ou que eu pudesse ver meu anjo da guarda. Achei muito fofa, espero que o Henrique tenha uma vida maravilhosa e que não precise encontrar esse anjo de novo, né? 

Assinante 2: Oi, Déia, oi, nãoinviabilizers, é a Dayane de Santo André. Eu costumo dizer que os nossos anjos da guarda eles trabalham muito mais do que a gente imagina, acho que diariamente eles salvam a gente de situações que a gente poderia passar e a gente nem vê, porque a gente não sabe de tudo que poderia acontecer, a gente não vê tudo ao nosso redor. Eu acho que eles trabalham muito mais do que a gente imagina [risos] e eu falo também que a oração de quem nos ama e de quem nos quer bem, que está sempre ali mantendo intenções boas entre a gente, também livra gente de muita coisa. Um beijo. 

[trilha]

Déia Freitas: Essa é a história do Henrique, onde ele encontrou duas vezes com o que ele acredita ser aí o seu anjo da guarda. — E eu acredito em anjo da guarda… Eu sou bem… [risos] Bem fragmentada eu, né? “Ah, não acredito em nada”, mas anjo da guarda… Eu acredito em anjos da guarda. — Então é isso, gente, um beijo e eu volto em breve.

[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]