título: aposta
data de publicação: 14/10/2024
quadro: luz acesa
hashtag: #aposta
personagens: seu valdomiro e seu ovídio
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]
Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Luz Acesa. E hoje eu vou contar para vocês a história do Seu Valdomiro. Então vamos lá, vamos de história.
Quando ele era jovem aí, tinha lá os seus 19 anos, o Seu Valdomiro tinha uma turma… — Uma turma mista, de garotos e garotas. — E nessa turma, às vezes você ficava meio apaixonado assim por uma das garotas e queria aparecer, sabe? — Se mostrar, como diria minha mãe. [risos] — E o Seu Valdomiro falou: “Andréia, tudo uns moleques idiotas da época… E eu era idiota também e queria sim aparecer e me mostrar para uma das meninas ali do grupo”. Só dois da turma conseguiam o carro emprestado dos pais, os outros não tinham carro, então iam, sei lá, pra uma lanchonete ou pra frente da praça e, muitas vezes, eles iam pra frente do cemitério… Porque em frente ao cemitério tinham duas ruas de estacionamento para quem fosse nos velórios, os velórios ficavam abertos a noite toda e tinha o vigia da rua, então era seguro. Eles ficavam um pouco mais afastados, mas ali naquelas ruas.
Eles levavam bebida, ficavam bebendo ali, enfim… — Já errado, né? Espero que o motorista não bebia, mas a gente sabe que bebia, né? — E, numa dessas vezes que eles estavam frente ao cemitério, bebendo, conversando, um dos caras desafiou o Valdomiro… — Qual foi o desafio? — A parte do cemitério onde fica ali as sepulturas, os túmulos, estava tudo escuro e com o portão trancado. Só que era um muro, sei lá, de um metro e meio, dava para pular de boa e entrar no cemitério. E este amigo do Valdomiro, — jovem — falou: “Duvido você entrar lá e pegar alguma coisa de uma sepultura e trazer pra gente. Duvido. Você não tem coragem”. Seu Valdomiro, 19 anos, falou: “O quê? É lógico que eu tenho coragem, não tenho medo, não tem nada aí dentro desse cemitério que possa me dar medo”. Seu Valdomiro pulou — era fácil pular e voltar —, só que estava muito escuro, muito escuro… Então ele foi… — Imagina, gente: Ele entrou no cemitério, pulou… —
Quanto mais perto do muro, mais pomposa as lápides… — Tem uns que fazem até umas igrejinhas… Pode perceber, que quanto mais perto da entrada, é um lugar mais privilegiado, assim. — E aí ele foi numa dessas sepulturas que era grande, que ele conseguia apalpar e ele arrancou uma placa, dessas placa que tem o nome. Então “Fulano de tal, nascido tal, falecido tal”, ele arrancou essa placa, colocou em cima do muro e tudo isso em muito silêncio — porque tinha o vigia que ficava, mas ele ficava mais lá perto dos velórios —, e aí ele pulou de volta e trouxe essa placa ali pra turma… Na placa de metal estava escrito assim: “José Ovídio, nascido em 21/01/1932, falecido 01/11/1963”. — Era um rapaz aí de 29 anos… É essa a conta, né? [risos] Aquelas que não sabe fazer conta… [risos] — Todo mundo bateu palmas ali pro jovem Valdomiro, ele ficou todo cheio de graça e pegou aquela placa como um troféu. Acontece que a moça que ele estava paquerando — que a gente pode chamar aqui, sei lá, de “Joana” —, achou a atitude dele horrível e não deu bola pro Seu Valdomiro, mas ele se achou corajoso e pegou a placa, enrolou na jaqueta porque ele não podia chegar com aquela placa em casa e levou pro quarto que ele dividia com o irmão e botou a placa embaixo da cama dele.
Naquela noite ele chegou por volta de uma hora da manhã em casa e dormiu. No dia seguinte ele foi pra missa — ele era obrigado a ir para a missa com a mãe —, voltou, enfim… A tarde ele ia sair com os amigos de novo, só que depois do almoço ele sempre dava uma dormidinha… Valdomiro foi para o quarto dele, deitou — pra dar um cochilo, gente, meia hora — e assim que Valdomiro pegou no sono, ele sonhou com um rapaz. Esse rapaz não estava sujo, não estava com aspecto de gente morta, nada… O rapaz falou pra ele assim: “Você tá com algo que é meu”, sério, nem bravo e nem nada… No susto, assim, o Valdomiro acordou, mas ele já nem lembrava mais da placa que ele escondeu ali embaixo da cama dele. — Embaixo da cama dele tinham outras tranqueiras… — E aí ele foi pro rolê ali com os amigos, ficou mais ou menos até umas sete da noite, voltou pra casa… O irmão dele era um rapaz assim mais velho que fazia exército, então não era sempre que o irmão estava em casa, às vezes ele tinha que dormir no quartel, enfim…
E o Valdomiro estava no quarto, sozinho, era tipo umas nove horas, quando de repente, na cama do irmão, sentado, apareceu um rapaz… E o rapaz agora estava mais bravo, mas estava sentado ainda e ele falou: “Eu já falei para você, você está com algo que é meu”. Valdomiro ficou assustado, não lembrou da placa, e aí o rapaz levantou e, com uma voz grossa, falou pra ele: “Eu quero o que é meu agora, senão eu vou levar você comigo” e aí ele apontou pra cama. — Ele estava em pé agora, ele apontou pra cama e dava mais ou menos ali no travesseiro do Valdomiro. Meio lerdo o Valdomiro também, né? — Só então que ele olhou para o travesseiro e falou: “Meu travesseiro não é” e ele lembrou que embaixo da cama dele tinha a placa. Isso era umas nove e pouco da noite… E aí esse rapaz sumiu. — Vamos deduzir que seja o senhor, o rapaz, o jovem José Ovídio. — E bateu aquele desespero no Valdomiro… “E agora? Nove da noite, eu vou ter que ir no cemitério?” e o cemitério era, assim, tipo, sei lá, uns cinco quarteirões dava pra ele ir a pé… Mas e a coragem? — Porque agora que ele não estava com os amigos e não estava com uma cachaça na cabeça, ele estava sem coragem. —
“Não, eu vou rezar, vou dormir e amanhã cedo eu vou no cemitério e entrego a placa”. Valdomiro deitou, Valdomiro pegou no sono e quando foi, uma da manhã [efeito sonoro de tensão] ele sentiu um puxão no pé… Mas um puxão que ele falou: “Andréia, eu senti que parecia que tinha deslocado a minha perna”. Tudo escuro ali no quarto, ele achou que era o irmão dele, que o irmão dele era mais velho, era assim meio bruto por causa do exército… E aí ele falou: “Para, para, para”, achando que era o irmão. Só que nada… Silêncio. Aí ele tomou coragem, acendeu a luz do quarto e não tinha ninguém… E aí, quando ele foi apagar a luz de novo, o rapaz apareceu de novo e falou: “Eu vou levar você comigo, eu quero o que é meu agora”, muito bravo… De madrugada, o Valdomiro pegou a placa, tremendo, saiu, teve que pular o portão da casa dele, porque a mãe dele não deixava a chave do portão com os filhos… — Sabe para controlar o horário do povo que chega? — E sair de madrugada, no escuro, aquela luz amarela, ninguém na rua, um silêncio e ele andando com aquela placa.
Ele falou: “Bom, se o rapaz aparecer aqui agora, eu vou cair aqui duro”, só que não apareceu… Chegando no cemitério, ele ficou um pouco mais aliviado porque tinha uns velórios, então tinha carro, tinha gente ali, né? Mas ainda assim ele teve que dar a volta pelo lugar que ele ia pular… E tinha um detalhe, ele pulou ali por um muro, mas quem lembra direito o ponto em que ele pulou do muro? Quando ele pulou para dentro, ele sabia que era uma daquelas perto ali do muro, mas não dava para enxergar nada. E aí ele começou a tatear de novo e agora já rezando, falou: “Meu Deus, eu não vou achar. Vou jogar a placa aqui em qualquer lugar, mas esse homem vai atrás de mim de novo”. E ele foi tateando, tateando, e aí ele ouviu um pouco mais longe: “Aqui, aqui” e pela terceira vez bem grosso: “Aqui”. E aí o Valdomiro, que queria correr ao contrário, teve que correr pra onde estava a voz e aí ele botou a placa ali e falou: “Me desculpa, me desculpa, me desculpa”, [risos] mas olha, mereceu Valdomiro. — [risos] Me desculpa… [risos] Ai, não era pra rir nessa parte, mas ele falou que ele falou mil vezes: “Me desculpa, me desculpa”, chorando já… —
Botou a placa lá, e aí não ouviu mais a voz, não ouviu mais nada… — Se eu sou espírito, eu falo: “Agora cadê? Você trouxe a parafusadeira? Porque vai parafusar, se não vou lá na sua casa”. — Só deixou a placa ali em cima da sepultura e pulou o muro, chorando e foi correndo para casa chorando pelo caminho e ainda teve que chegar em silêncio, engolindo o choro… Pulou o portão dele de volta para dentro, e aí ele foi deitar. No dia seguinte, quando ele acordou, o sapato dele estava cheio de barro… — Ele não sabe onde ele passou, que o sapato dele estava cheio de barro. — Aí ele ficou com aquilo: “Ai meu Deus, é barro do cemitério, barro do cemitério”, aí foi lá e limpou o sapato… A mãe dele viu ele de manhã cedo e falou: “Nossa, que prendado, tá até limpando o sapato”, mal sabia a mãe dele que ele tinha arrancado uma placa do cemitério por causa de uma aposta e que o dono da placa tinha vindo buscar a placa. —
Com toda razão… O espírito devia ter dado com a placa na cabeça… [risos] Eu achei foi pouco, achei merecido. Pô, o cara tá lá, sabe? No descanso eterno, já não tem nada pra fazer, vai alguém ali e arranca a placa? Você tem que ir atrás da pessoa, sabe? — Olha, Valdomiro, não vou passar esse pano. Mereceu aí… José Ovídio foi maravilhoso. Parabéns aí ao espírito. [risos] O que vocês acham?
[trilha]Assinante 1: Oi, Déia, oi, nãoinviabilizers, aqui é a Mariana de Brasília. Valdomiro, você ajoelhou e pediu, né? Se alguém me pega uma coisa estando viva, eu já quero ir atrás, imagina se eu estivesse no meu descanso… Tem tanta gente no cemitério e você vem pegar a minha placa? Ah, eu teria feito bem mais do que só puxar o seu pé… Tô do lado do defunto, ele está direito dele, entendeu? Interrompeu ali a paz dele no berço esplêndido… Acredito que seja a primeira história que estou do lado do defunto. [risos] Adorei a história, eu achei, assim, bem pedagógica, bem educativa, para a gente aprender a não pegar coisas que não são nossas achando que essa pessoa não vai vir atrás. Então é isso, um beijo.
Assinante 2: Oi, Déia, oi, nãoinviabilizers, aqui é a Raquel que fala de Portugal. Valdomiro, pelo amor de Deus, existem formas melhores de impressionar uma garota, né? Ô, misericórdia… Tinha que ir lá roubar a placa do coitado do espírito que estava descansando lá no mundo espiritual e, de repente, é importunado por alguém que decide roubar a sua placa? Pô, Valdomiro, tu devia era ter pendurado a placa, no mínimo, assim… Meu Deus, ainda bem que ele veio buscar e estava certo ele, também não vou passar esse pano, não… Ainda bem que ele veio te assombrar e dizer: “Devolve o que é meu”, porque não era teu. Tu podia ter dado flores pra moça, né? Acho que a moça ia preferir do que uma placa de alguém do cemitério. [risos] Ai, Valdomiro, pelo amor de Deus.
[trilha]Déia Freitas: É isso, gente, um beijo e eu volto em breve.
[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]