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título: aviso
data de publicação: 28/03/2024
quadro: luz acesa
hashtag: #aviso
personagens: dona alcione

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Luz Acesa. E hoje eu vim contar para vocês uma história muito triste, a história da Dona Alcione. Então vamos lá, vamos de história.

[trilha]


A Dona Alcione quando ela estava ali com os seus 43, 44 anos, um dia ela estava lavando louça e ela sentiu uma presença ali na cozinha. Assim que ela virou de costas, ela viu a sua mãe. A mãe da Dona Alcione já tinha morrido há muitos anos e ela nunca tinha visto nada, nunca tinha presenciado nada e a mãe dela estava ali na cozinha e Alcione assustou… — Deixou cair um prato dentro da pia, caiu assim de quina, sabe? Quase dentro da cuba e quebrou. — E, conforme ela teve aquele susto, a mãe dela desapareceu. A impressão que dona Alcione teve é que a mãe estava tentando falar alguma coisa para ela e não tinha conseguido. E aí passou aquele dia, Alcione ali com três filhos, já tinha mandado mensagem de manhã para os filhos e tal, né? E aí, na hora do almoço, que foi quando aconteceu, ela ligou para os filhos e contou: “Vi sua sua vó e nã nã nã” e comentou ali no grupo da família. Passou… 


Alguns dias depois, numa noite, Dona Alcione sonhou com a sua mãe e, no sonho, a mãe falava que era para ela deixar as coisas organizadas e se despedir das pessoas. “Filha, deixe as suas coisas organizadas, se despeça das pessoas, troque carinho com as pessoas” e Alcione pensou: “Bom, vai acontecer, né? Eu vou morrer… Eu tenho que deixar tudo organizado”. E, a partir desse dia, a Dona Alcione, muito assim, resignada mesmo, aceitando ali um eventual destino, começou a organizar as coisas, inclusive até falar para os filhos quem ia ficar com o quê? E os filhos: “Ah, que bobagem, não sei o quê”. E a mãe da Alcione, que a gente pode chamar aqui de “Dona Jandira”, Dona Jandira continuava aparecendo para Alcione e sempre com essas palavras, né? “Se organize, se despeça dos seus… Fique junto com os seus enquanto você pode”. — E, assim, né, gente? Eu achei um pouco explícito, uma coisa assim, poxa, alguém vir avisar que você vai morrer, né? Um pouco de mau gosto também, não sei… Pode ter gente que, sei lá, que gosta de saber antes, mas é uma coisa que sei lá, né? Enfim… —

Mais um tempo se passou e mais uma vez a mãe da Alcione apareceu ali na casa dela. Dessa vez ela estava na porta de entrada da casa e falou pra Alcione: “Não saia”. Alcione não saiu… Ela pensou: “Bom, a minha mãe quer que eu morra em casa”. Então, Alcione, que não estava com nenhum problema de saúde, quarenta e poucos anos, os filhos ali na faixa dos 20 anos e tal, dois já tinham saído de casa, já estavam estudando, estavam morando em república para estudar, enfim, seguindo a vida, né? E Alcione não saiu e foi deitar na cama, tipo, “se eu for morrer, quero morrer deitada”. [risos] — Ê, Alcione… — E aí ela ficou deitada um tempo, ela ia sair, tinha compromisso, tinha coisa pra fazer e ela não levantou… E passou ali duas horas, nada aconteceu, né? Dona Alcione não morreu e ela levantou e falou: “Bom, então eu vou fazer as coisas daqui de casa, já que eu não posso sair, né?”. E aí ela começou ali a dobrar umas roupas — fazer serviço ali de casa que tinha para fazer —, quando o celular de Dona Alcione tocou. 

Do outro lado da linha, era um policial militar perguntando o que Alcione era de Kléber dos Santos. Alcione disse: “Eu sou a mãe dele” e avisando que o Kléber tinha sofrido um acidente e tinha sido encaminhado para o hospital tal. Na hora, Alcione saiu correndo e foi para o hospital tal e quando ela chegou no hospital, ela soube da notícia de que seu filho Kléber tinha falecido… Naquele dia, Alcione tinha combinado de ir até o mercado onde o Kléber trabalhava — o Kléber, o filho dela mais novo — pra poder fazer umas compras ali e eles irem almoçar juntos. Como a mãe dela apareceu e falou: “Não vá” e eles iam almoçar sempre no mesmo lugar, que era um lugar que eles almoçavam ali… E aí o Kleber falou: “Tudo bem, mãe, eu vou almoçar normal, como eu sempre vou, no mesmo lugar… Se a senhora hora mudar de ideia aparece lá”. E durante o caminho pra chegar nesse restaurante onde ele sempre almoçava — ou seja, estando com Alcione ou não, o Kléber não ia mudar a sua rotina —, Kléber foi assaltado, tomou um tiro e faleceu. Ele foi socorrido, mas já chegou no hospital sem vida.

E aí, assim, Alcione falou: “Andréia, aquele daquele momento até o meu filho estar num caixão no cemitério, é tudo um borrão”. — Eu fico muito emocionada, assim, [voz embargada] porque imagina uma mãe perder um filho… — E aí foi tudo muito, muito, muito doloroso, né? Pra dona Alcione… E ela não lembra realmente do que aconteceu nesse intervalo e eu entendo ela muito bem, que quando minha mãe morreu, eu também tenho um período que eu não me recordo de tanta dor que a gente sente, né? E aí, Dona Alcione, uma hora ela tava lá sentada no velório assim, né? Anestesiada, eu acho que é a palavra… E aí ela viu a sua mãe, e aí ela entendeu tudo… A mãe estava dizendo para ela ela se preparar pra perda que ela ia ter e para o que ia acontecer… Mas talvez — nas palavras de Dona Alcione —, ela acha que a mãe não tinha autorização para contar que um dos filhos dela ia morrer. E aí a mãe ficou um tempo ali olhando para Dona Alcione, ali junto com ela e agora parecia que Dona Alcione tava entendendo tudo. 


Dona Alcione entrou num período muito difícil da vida, que é você seguir sem o filho que morava com você, que era tudo pra você, enfim… Depois de uns meses de muito sofrimento, ela dormiu numa dessas noites e ela viu… A mãe dela levou ela até um hospital — diz a dona Alcione que era um hospital, mas era muito diferente — e lá ela pôde ver o Kléber… Deitado numa cama de hospital, dormindo. A Dona Jandira disse pra Alcione que o Kléber tava bem, mas que ele ia ficar ainda um tempo dormindo. — Isso já tinha se passado meses desde o falecimento do Kléber. — E aí a Dona Alcione acordou, assim, com aquela saudade, aquela dor, mas também um pouco em paz. Isso aconteceu já tem nove anos e Dona Alcione disse que um dia era aniversário dela, ela acordou, assim, não pensando em nada, em fazer festa, nada, e o Kléber tinha uma brincadeira com ela, sabe, cutucar? Fazer cócegas? E naquele dia ela sentiu ele cutucando e fazendo cócegas nela e, na cabeça dela, ela falou: “Andréia, eu não sei explicar, eu não ouvi fora, mas dentro da minha cabeça eu escutei ele falando: “Parabéns, mãe, eu te amo”. 


Para Dona Alcione, depois de oito anos e tal, o Kléber veio dar parabéns pra ela, assim… E pelo que ela pôde sentir, ele estava bem, estava feliz assim, estava animado e foi isso que fez a dona Alcione começar a melhorar, sabe? A entender tudo o que tinha acontecido, enfim, que um dia a gente vai morrer mesmo e que, na visão de dona Alcione, o Kléber está em um lugar melhor. Eu sou uma pessoa muito cética, assim, eu custo a acreditar que existe uma vida após a morte e tal, mas o que me toca mais nesse relato realmente é a dor da perda, né? E talvez as coisas que a gente precise pra superar essa perda, pra seguir um pouco melhor até que a nossa própria hora chegue. Eu e a dona Alcione a gente chorou muito, a gente riu… Porque a vida é isso, né? A hora de todo mundo vai chega e que bom que ela teve tempo de ficar com ele, de dizer eu te amo… E tudo porque a mãe veio avisar.


E então acho que é isso, né? Então, vamos aproveitar que ninguém veio avisar a gente, já falo aqui pros meus parentes mortos, [risos] se eventualmente isso realmente existir, não precisa vir me avisar, porque as pessoas que eu amo sabem que eu as amo e eu não sou uma pessoa de falar, eu sou uma pessoa de fazer. Então, eu estou aí presente na vida das pessoas que eu amo, tentando fazer alguma coisa por elas. Então, se você não é uma pessoa de fazer e você é uma pessoa de falar, manda uma mensagem aí, dá uma ligada, fala: “E aí, senti sua falta, eu te amo e tal”, porque a gente não sabe realmente o dia de amanhã. Então é isso, um beijo, Dona Alcione, já te amo, a senhora é maravilhosa… E não vou nunca consegui imaginar o que é a dor de perder um filho. Mas é isso, uma hora gente vai estar todo mundo junto em algum outro lugar. — Ou em lugar nenhum, né? Se não existir nada. — Então talvez saberemos, talvez não. 

[trilha]


Assinante 1: Olá, Déia, olá, Não Inviabilizers, eu sou Lívia de Montes Claros, Minas Gerais. Dona Alcione, que história linda… Como a sua mãe, mesmo que distante, está olhando por ti e tentou te preparar para você fazer as coisas que você tinha que fazer. Com certeza você fez tudo o que poderia fazer, deu amor, deu carinho, as coisas que você poderia estar deixando para amanhã, você fez no hoje. Eu espero que a senhora esteja bem, muito emocionante essa história, muito linda e eu desejo que a senhora fique bem. 

Assinante 2: Aqui é a Talita, de Jacareí. E, ai, Dona Alcione, tô muito emocionada com essa história. [voz embargada] Que bonito, sabe? Meio que a senhora teve um amparo pela sua mãe. Ela sentiu sua dor, talvez, ela te apoiou e deve estar cuidando de seu filho, porque amor de vó é muito bonito e eu desejo toda a luz da vida da senhora e que a senhora ficar bem e que vocês possam se encontrar um dia. [chorando] Ai, que história linda e muito triste, mas eu espero que a senhora esteja bem e que bom que você teve esse amparo espiritual. É isso, um beijo. 

[trilha]

Déia Freitas: Então é isso, gente, um beijo. Deixem uma palavra de amor, de carinho lá pra Dona Alcione no nosso grupo do Telegram e eu volto em breve.

[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.