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título: bolo gelado
data de publicação: 01/06/2022
quadro: picolé de limão
hashtag: #bologelado
personagens: keyla e mariana

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão, e hoje eu vou contar para vocês a história da Keyla. —História de firma, história revoltante. — Então vamos lá, vamos de história.

[trilha]

A Keyla trabalha aí numa empresa grande — e no departamento dela são ali dez pessoas mais o chefe, então onze, no total. — E agora voltou… E a Keyla tem uma filhinha… — A Mariana de seis anos. — Mariana também voltou às aulas. — que ela já estava na escolinha desde os cinco anos —  E Mariana fez aniversário tem umas duas semanas, quase vinte dias. E aí o que ficou combinado entre escola e Keyla? Você não pode mais levar… — pelo menos lá na escola da Mariana — Você não pode levar o bolo inteiro, então só pode ser em pedaços. E, esses pedaços de bolo, eles têm que ser embrulhados separadinhos. — Pra nenhuma criança ficar meio que manipulando uns as coisas dos outros, sabe? Um o pedaço do outro, sei lá… Se fosse um bolo inteiro todo mundo ali em cima cortando, respirando em cima, enfim… —

E aí a Keyla falou: “Bom, eu vou encomendar um bolo gelado e pedir pra cortar em pedaços pequenos, porque são crianças de seis anos ali e pedir pra embrulhar no alumínio, né? Aí eu levo o geladinho e tal, fica beleza”. São doze crianças. — Na turma da Mariana. — E a Keyla encomendou trinta pedaços de bolo. — Porque, né? Tem sempre uma criança que come mais que um, tem a professoras, as tias, enfim… — Então ela encomendou ali trinta pedaços de bolo. E a Keyla trabalha das oito às dezessete horas. E a Mariana vai pra a escola das treze às dezessete e trinta. — Alguma coisa assim. — E quem leva quem busca a Mariana na escola é a mãe da Keyla. — Então, o que ficou combinado? — Quando ela fosse trabalhar, de manhã, ela pegava, — porque era meio longe — passava de carro, pegava esse bolo, deixava ali na geladeira do trabalho e o intervalo da Mariana — na escola — era mais ou menos ali umas três horas da tarde, quinze horas, quase quinze, assim. Então aí ela trocava o horário de almoço e dava uma corridinha lá pra levar o bolo pra filha, né? — E pra todo mundo… — 

E assim ela fez… Passou de manhã, pegou os bolos… Os bolos estavam numa Pôneiware grande, que a própria Keyla levou pra mulher colocar os pedaços de bolo. E ela pegou aquilo, foi para o trabalho, colocou na geladeira do trabalho e, em cima, ela colou um papel. — E, assim, para não ser post—it pra ninguém tirar — ela pôs, sabe quando você pega essas fitas largas [efeito sonoro de fita sendo esticada] de pôr em caixa de embalagem que é transparente? — Ela escreveu “bolo da minha filha Mariana, por favor, não mexa” — e colocou, colou o papel com essa fita e passou essa fita na tampa da Pôneiware. Então não tinha como tirar, né? Beleza… Deixou o bolo lá na geladeira e foi trabalhar. [efeito sonoro de tic tac de relógio] Trabalhou o dia todo… Trocou o horário de almoço, então ela ficou trabalhando e falou: “Bom…”, ela almoçava a uma… Ela falou: “Quando for uma e meia eu pego esse bolo, levo lá, saio pra almoçar uma e meia, volto e dá tempo de eu comer alguma coisa rapidinho”. 

Quando ela foi pegar, gente, a Pôneiware com o bolo… — Lembrando: tinham trinta pedaços de bolo, né? — Ali, no negocinho, tinham só quatorze pedaços de bolo [efeito sonoro de tensão] na Tupperware. Comeram dezesseis pedaços de bolo… — Do bolo da filha dela que estava anotado. — O papel continuava lá, porque era muito difícil tirar aquela fita, ela praticamente enrolou a tampa ali da Pôneiware. A galera comeu o bolo. E aí a Keyla deu um barraco ali, falou que queria saber quem foi, que ela estava levando o bolo pra a festa e tal e, assim, ninguém respondia nada, ninguém falava nada… Tinha gente que fingia que estava trabalhando. E aí ela só com aqueles pedaços de bolo, tudo bem, ainda dava um pra cada um, — acho, não lembro agora — mas não tinha como ela levar aquilo, assim. Tinham dois que estava meio abertos, enfim…  — E aí o que ela resolveu fazer? — 

Ela resolveu não levar o bolo… — Deixar o bolo lá dentro da geladeira. — Ela saiu correndo, passou numa padaria, comprou um monte de brigadeiro, — que aí é individual, um monte… Tipo, vários docinhos, né? Muitos docinhos, assim, variados, e aí levou… — Falou: “Olha, aconteceu uma coisa lá no meu trabalho”… E não teve bolo, teve só docinho, mas aí as crianças [efeito sonoro de crianças contentes] meio que distraem, comeram docinho… E aí ela voltou para a empresa P da vida. — P da vida. — E aí quando ela chegou de volta na empresa, já tinha um recado na mesa dela pra ela ir lá falar com o chefe dela… E aí vocês acreditam que o chefe dela chamou ela para saber por que ela estava brigando com todo mundo? — Que vieram reclamar dela. — Ela falou: “Pois é, pois aqui tá o bolo da minha filha…”. Foi lá, pegou, mostrou e o chef dela ficou quieto e falou: “Mas quem foi?” e ela falou: “Eu não sei, sumiram dezesseis pedaços de bolo daqui e foi alguém no departamento. Se não resolver aqui, eu vou no RH”. [efeito sonoro de tensão]

E aí ela foi no RH e, no RH, falaram pra ela que ela tinha que indicar alguém, ela falou: “Não, eu não sou obrigada a indicar ninguém, vocês que têm que fazer alguma coisa. A geladeira tá escrito lá que é uma geladeira comunitária” e, enfim, deu uma treta. O RH acabou suspendendo todas as pessoas do departamento da Keyla. — Por causa do bolo. — Suspendeu por um dia e, assim… — Nem sei como funciona isso, mas tipo… — A galera ficou brava com a Keyla, porque, tipo, a Keyla foi denunciar no RH e todo mundo arcou. A Keyla falou: “Bom, quem não quiser arcar então fala quem foi”. — Porque, gente, é muito desaforo, né? E agora meio que está a empresa… O chefe dela tá meio neutro. — Mas eu acho que o chefe dela tinha que fazer alguma coisa, porque a Keyla não fez nada de errado, né? — E tá, tipo, todo o departamento dela contra ela. Todo mundo acha que, tipo, a Keyla que tá errada… Todo mundo ali do departamento… De ter denunciado, e aí todo mundo foi penalizado.

Mas e aí? Ninguém deu conta do bolo, ninguém falou nada… Tá todo mundo agora evitando a Keyla, o chefe dela, tipo, não faz nada, finge que nada viu… Se bobear ele até comeu o bolo. — Mas ele não foi suspenso. — Gente, como pode? Escrito ali na Pôneiware que era da filha… Todo mundo sabe que a Mariana tem seis anos, que é a filha dela… Como que as pessoas fazem isso? E não deve ter sido uma pessoa só que pegou os dezesseis pedaços. — Dezesseis pedaços de bolo, né? — Com certeza foi mais gente. E isso deu um rolo…. Agora tá todo mundo de cara virada.  A Keyla pediu no RH… Porque lá, detalhe, lá tem câmera… Pediu no RH que ela quer saber, que ela tem o direito… E, assim, ela está fazendo tanta coisa pra saber quem é, que ela está com medo dela ser demitida, mas ela já falou até alto lá, que se ela for demitida ela vai até na televisão. — Ela vai, tipo, procurar o Cidade Alerta, sabe? — E que ela vai botar a boca no mundo. 

Então tá todo mundo meio assim, do RH, com receio dela… Tem um procedimento pra saber realmente quem foi aí nas câmeras, ela não sabe se ela vai ter acesso a esse vídeo ou não, porque a empresa parece que não é obrigada a mostrar pra ela. A empresa pode ver as imagens e tomar ali as atitudes que tiver que tomar, né? — Só que tem um detalhe… — Eu estava conversando com a Keyla e a gente acha que, de repente, o RH já viu essas imagens, assim, por isso que suspendeu todo mundo e que o chefe dela deve estar nessas imagens. Porque senão não ia ser o departamento todo levar essa suspensão, assim, né? Tipo, esse alerta do RH, né? O cara não levou, — o chefe — mas porque o RH não foi lá e viu quais as pessoas certas que fizeram isso? Ou foi todo mundo que comeu o bolo, que furtou o bolo ali da geladeira?

E a câmera está ali justamente porque, no passado, já teve esse tipo de treta por causa de comida, por causa de marmita, enfim… E agora a Keyla tá aí nessa batalha com a galera da turma dela, ela não tem mais gosto de trabalhar lá, mas é um emprego que paga bem. — Então, não é assim também sair, né? Se tiver que sair, eles que vão ter que demitir ela. — E ela tá no veneno e eu acho que ela está com toda razão. E ela não conversa mais com ninguém no departamento, ninguém conversa mais com ela… O chefe ali se faz de neutro, né? E, gente, quem será que comeu esse bolo? Será que foi todo mundo? Porque, assim, o que me deixa mais intrigada é que, assim, são onze pessoas lá… — Vai, tudo bem, tinham dez ali pra comer o bolo… — Sempre tem alguém que fala… — Não é verdade? Sempre tem alguém que fala… — Apesar de que é recente, né? Pode ser que daqui a pouco alguém aí espane e dê com a língua nos dentes e conte pra Keyla quem foi ou quem começou.

Porque, assim, eu acho que um foi e pegou um pedaço, outro foi e pegou um pedaço e assim foi indo… Será que foi isso? Mas dezesseis pedaços, gente? É muita coisa, né? É muita coisa… Então eu tô intrigada com isso, como ninguém falou nada? Será que não falaram nem no RH? Se fosse só uma pessoa eu acho que todo mundo ia se revoltar… — Assim, contra essa pessoa — Mas não tem ninguém, assim, mais revoltado… Está todo mundo meio revoltado igual. Não sei, gente, tá muito estranha essa história, muito estranha. Tem hora que eu acho que foi todo mundo, tem hora que eu acho que foi só o chefe… Mas se fosse só o chefe, alguém ia falar pra Keyla, não sei… E, assim, o jeito que tão tratando ela, assim, como se ela fosse a culpada, sabe? Essa é a história da Keyla, ela queria alguma luz de vocês aí… O que vocês acham que aconteceu ali naquela cozinha com aquela Pôneiware de bolo? O que vocês acham que aconteceu ali? 

[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, aqui é a Neyla de Curitiba. Keyla, do céu… Indignada é pouco. Mexeram não só com a comida alheia, como mexeram com a comida alheia que é de uma criança… Eu acho que denúncia no RH, amiga, que você fez, ainda foi pouco. Eu não sei o que eu seria capaz de fazer se mexessem com a comida da minha filha… E, pior: Todo transtorno que te causaram de você ter que sair correndo e comprar outras coisas, enfim… Menina do céu, não sei como vai ser o ambiente a partir de agora, porque pense bem, não foi só uma pessoa que comeu, não… Não foi só uma pessoa. Foram, no mínimo, umas cinco pessoas pra comer dezesseis pedaços de bolo de uma criança… Olha, sinceramente… A gente perde a fé no ser humano, viu? Um beijo, boa sorte aí pra você. Não leve mais bolo pra empresa, né, amiga? Não tem o que fazer… Abraço.

Assinante 2: Oi, Não Inviabilizers, oi, Déia, meu nome é Mariana, eu moro em São Paulo. Ouvi a história do bolo gelado e eu tô chocada… Porque tem menos de um mês e eu passei por uma história parecida no trabalho. Na verdade, no coworking. Que a gente fez dois dias de encontro da turma da minha equipe, teve um bolo no primeiro dia, guardamos na geladeira, um bolo incrível, pra comer o resto no outro dia… E, quando chegamos, tinha sumido o bolo. E aí eu saí andando pelo coworking e falei: “Onde está o bolo? Alguém viu? Vou denunciar um roubo de bolo”. Por sorte, o desfecho foi diferente, o pessoal assumiu a culpa e comprou um novo bolo, pediu desculpas… Então, sinto muito que essa história está complicada, mas eu acho que ela está certíssima, não pode mexer no bolo do outro. Força.  

[trilha]

Déia Freitas: Eu tô muito intrigada, assim, é um mistério… O mistério do bolo gelado. Então corram lá no nosso grupo do Telegram e deixem suas mensagens pra Keyla. E é isso, eu volto em breve. Um beijo. Tô muito, muito, muito cabreira com essa história.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.