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título: carne de pescoço
data de publicação: 15/09/2020
quadro: picolé de limão
hashtag: #carnedepescoço
personagens: silvana e joesley

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei com mais uma história. Bom, a história de hoje é da Silvana e do Joesley. [risos] O Joesley é um açougueiro e a Silvana uma dona de casa que vende produtos de beleza por catálogo. Ela que me conta a história.

[trilha]

A Silvana conheceu o Joesley ainda muito nova, ela tinha quinze anos e quando ela estava com dezoito eles casaram, e ficaram casados por vinte anos. Com trinta e oito anos ela pediu o divórcio e aí as coisas pioraram. O Joesley sempre foi um cara grosso com ela, bem grosseiro mesmo, ficava no açougue mais de doze horas, quando ia pra casa gritava, jogava as coisas, a Silvana falou que ele nunca a agrediu fisicamente, mas verbalmente e, assim, algumas ameaças, ele sempre fez. Então ela foi aguentando, e aí o tempo foi passando e ainda bem que chegou uma hora que ela disse “chega”. Os filhos grandes já, um moço de dezenove anos e uma menina de dezessete, e aí ela falou: “Chega, agora eu quero o divórcio”, eles tinham mais de uma casa, que eles moravam e uma outra estava de aluguel, ela falou: “Não me importo, eu posso ir pra casa de aluguel ou você vai, eu sei que aqui juntos a gente não fica mais, eu quero me separar” e ele tomou um choque, né? Porque Joesley jamais imaginou, né?

Aí, assim, a condição do Joesley era: tudo bem, ele saía de casa, ia morar na outra casa que eles tinham, tinha que esperar desocupar, então a mulher que estava lá na casa pediu dois meses. Ele falou que ele saía, mas ele não queria se divorciar legalmente, ele queria só separar então de casa, ela ficava na casa dela, na casa que eles moravam e ele ia pra essa outra casa, mas eles continuavam casados. A Silvana não queria continuar casada com o Joesley de jeito nenhum, mas era um primeiro passo, ela pensou que assim que ele saísse da casa já, a vida dela fosse melhorar. — Eu, né, morro de medo, um açougueiro com facão, sei lá, precisa ter mais cuidado, né? — Então ela foi fazendo tudo com calma assim, meio que entrando na dele, fazendo o que ele pedia, contanto que ele saísse de casa… Já era um grande passo ele sair de casa.

Finalmente a inquilina desocupou a outra casa que era num bairro até mais perto do açougue, ia ficar melhor pro Joesley, aí ele saiu de casa e a Silvana comemorou, estava felicíssima que tinha conseguido se separar daquele homem. A Silvana deu três meses ali que ele tinha saído de casa e voltou a falar com ele da questão do divórcio, ela queria o divórcio. Então ela falou pra ele se o seu medo é o açougue, você pode ficar com o açougue, tocar o açougue, a gente vê ali uma renda, alguma coisa que você tenha que me dar, porque assim, ela ajudou muito o Joesley a abrir o açougue, a ter o açougue, a fazer as coisas então ela também não ia deixar tudo pra ele de mão beijada.

E ela falou: “Nem me meto lá, contanto que você me dê um rendimento só, uma parte dos lucros, a gente faz esse bem bolado, não tem problema”, e ele não queria, não queria. Com um ano de separação de corpos já, cada um morando numa casa, a Silvana ameaçou Joesley com o divórcio litigioso, falou: “Olha, se você não vai me dar por bem, você vai me dar por mal, eu quero continuar minha vida sem você” e falou um monte pra ele, tudo isso por telefone. Aí ele falou assim pra ela: “É, eu tenho uma coisa pra te falar, é por isso que eu não queria me divorciar, eu preciso te falar pessoalmente”. — Gente, eu não vou, tem maior cara de cilada, né? — A Silvana esperta e cabreira obviamente, falou: “Não, se tem alguma coisa pra falar pra mim fala por telefone, não tenho que te encontrar, não quero te encontrar”, e aí ele, o Joesley, falou que ia conversar com os filhos.

Os filhos iam muito pouco na casa dele porque ele trabalhava muito lá no açougue e ele também não tinha sido um bom pai, né? Então os filhos só cumpriam assim as visitas de protocolo, não tinham nem tanto apego assim ao pai. E aí ele falou que ia conversar com os filhos primeiro e depois conversava com ela, o que seria? Ele marcou com os filhos numa lanchonete num domingo pra fazer a revelação que ele tinha lá pra fazer. E aí quando os dois, os filhos chegaram, encontraram um homem careca, sem sobrancelha, sem cílios, com uma voz assim mais fraca, e o Joesley estava com câncer. [efeito sonoro de surpresa] Câncer de próstata.

Foi um baque para os filhos e depois pra Silvana, de alguma forma ela se sentiu culpada e acabou aceitando o Joesley de volta pra fazer o tratamento, né? Pra ver se ele ficava bom. E ela sempre ajudou o Joesley no açougue, né, então assim, ela manjava de tudo, e ela só não ficava lá mais porque senão eles acabavam brigando muito. E aí ele ficou em casa se tratando, o Joesley contratou uma enfermeira pra ficar com ele meio período e a Silvana voltou pro açougue, tipo, tomou a frente do açougue, né? Foi trabalhar no lugar dele enquanto ele se tratava e, ainda assim, a Silvana se sentia culpada porque ela saía quatro e meia pra ir pro açougue porque o açougue abria às sete, mas as carnes chegam antes, tem um monte de coisa pra fazer antes e trabalhava até… O açougue fechava às dezoito, então até umas dezenove e pouco ela estava no açougue ainda.

Então ela saía muito cedo e chegava tarde em casa, chegava oito e meia, nove horas da noite e quase não via o Joesley, não tinha tempo de fazer as coisas pra ele, então ela chegava e se ele queria uma sopa que só ela fazia, ela ainda ia fazer sopa pra ele. E era muito, muito corrido e ela se sentia culpada e os filhos trabalhavam e estudavam, então também não estavam em casa o tempo todo, e era mais a enfermeira, que era uma senhorinha que o Joesley que tinha contratado, então era mais a enfermeira que fazia as coisas pra ele. E a Silvana se sentia péssima, né? Tipo de ter um ex-marido que agora tinha voltado a ser marido mais ou menos e debilitado, né? E era a senhorinha que acompanhava o Joesley nas quimios, nas consultas, ele sempre foi um cara magro, mas ele estava um pouco mais magro, careca, com uma aparência esquisita e a Silvana ficava muito, muito assim, chateada de não poder fazer mais por ele.

E ela colocou na cabeça que “Ah, ele desenvolveu esse câncer de desgosto”. — Não Silvana, foi porque ele não fez exame de próstata, né? Como devia ter feito todos os anos pra prevenir aí, qualquer coisinha pegar no começo, mas enfim ela se sentiu culpada. — E eles foram levando, foram levando assim quase um ano. A Silvana de ficar muito no açougue, abre aquelas geladeiras, fecha, carrega a carne, ela desenvolveu uma hérnia de disco, então ela ficou meio mal também de saúde. E aí tinha épocas que ela, nossa, pra sair pra trabalhar era horrível e a senhorinha enquanto ela estava saindo cinco e pouco, a senhorinha estava chegando e a senhorinha via ela meio que até arrastando a perna e tal pra ir pro açougue e aquilo foi indo. 

Até que um dia ela estava lá no açougue, era, sei lá, meio-dia, uma hora da tarde e a senhorinha apareceu lá, na hora Silvana já pensou o pior, né? Se a enfermeira que cuidava do Joesley estava lá no açougue, quem que estava com o Joesley, o que tinha acontecido? Ele foi internado? Ainda bem que nesse período, nesses oito quase nove meses de tratamento, ele nunca precisou ficar internado, ele só ia nas consultas e fazia as quimios, tudo. E a senhorinha estava lá com uma cara assim preocupada, tensa, e a senhorinha estava tão aflita que ela começou a falar ali no balcão mesmo, não esperou nem que a Silvana chamasse ela lá atrás no açougue pra elas conversarem.

Ela falou assim pra Silvana, falou: “Olha, eu sou evangélica, eu sou da igreja, eu conversei muito com meu pastor e o meu pastor me orientou a vir até aqui conversar com você, Silvana”, e a Silvana lá… — Até largou a faca da carne. [risos] — “O que será que ela tem pra me dizer, né?”, “No começo eu aceitei esse emprego, depois o Joesley lá me falou do que se tratava realmente e eu achei que ele tinha um propósito, que era um propósito de Deus, e agora eu vejo que não é verdade”, e a Silvana com aquela cara de interrogação do jeito que estava continuou, né? Ela falou: “Olha, o seu marido está mentindo pra você” [efeito sonoro de susto]. Silvana continuou calada porque que o marido — ex-marido — que agora morava de novo na casa com ela era um mentiroso ela já sabia, ele sempre foi, mas ele estava mentindo sobre o quê agora?

E aí, gente, olha só, Joesley tinha mentido que estava com câncer. [efeito sonoro de susto] — O Joesley não tinha câncer. — Daí a senhorinha contou pra ela que tinha sido contratada achando também que o Joesley tinha câncer, né? Pra ser cuidadora dele, e aí logo na primeira semana ele contou, falou que aquilo era um plano pra conseguir a família de volta e ela como uma cristã da igreja achou que, de repente, era um plano de Deus para que ele voltasse pra família. — Como assim, né? Mentir e enganar todo mundo é um plano de Deus? — Mas enfim, ela achou que ela estava ajudando um homem a ter a sua família de volta, só que agora ela via que não era isso, que ele queria só se encostar ali, que ele tinha gostado que a Silvana agora tocava o açougue e ele ficava em casa nos dias da quimio, ele dispensava ela e ela não sabia pra onde ele ia. 

Até que um dia depois de conversar muito com o pastor, essa senhorinha resolveu seguir o Joesley pra ver onde ele ia nos dias que ele dizia que tinha quimio ou que tinha consulta e ela era dispensada mais cedo, porque o pastor queria ver se, de repente, ele estava indo em um culto em alguma outra igreja, porque ele falou pra senhorinha que ele era de uma determinada igreja lá, então ela queria ver se isso era verdade, se realmente ele estava lutando pela família dele. — Pior jeito de lutar, né? — mas tudo bem, ela embarcou nessa e foi enganada há oito, quase nove meses. Daí a senhorinha seguiu o Joesley e ele entrou num lugar chamado [risos] Sauna Drinks, [risos] então ele fazia a quimioterapia na Sauna Drinks, veja bem.

A Senhorinha ficou horrorizada, correu lá pra igreja pra falar com o pastor e foi orientada pelo pastor — Ainda bem, né? Depois de tantos meses… — a contar a verdade pra Silvana e era isso que ela estava fazendo. E aí aquela aparência esquisita que a Silvana achava, que assim, ela já tinha visto outros pacientes com câncer, tudo bem que ele estava careca, sem cílios e sem sobrancelha que depois ela ficou sabendo que ele raspava com a ajuda da senhorinha, ele raspou a primeira vez sozinho e depois com a ajuda da senhorinha. Pra fazer olheira ele pegava tipo um pouco de graxa e passava na cara, não entendi direito, mas ele usava graxa pra ter uma aparência de pessoa com câncer. — É o fim do mundo, né? — perguntei pra Silvana: “Mas e o cheiro?”, ela falou: “Não, ele tinha um cheiro sempre de éter, de álcool e, assim, eu não chegava muito perto dele porque eu não voltei a ser esposa dele, eu só deixei ele na casa, né?”.

E a senhorinha falou que realmente ele passava éter, álcool, no corpo pra ficar cheirando porque ele falava que dava cheiro de hospital, [rindo muito] que dava cheiro de hospital nele, então ele passava pra dar aquele ar de hospital. Gente, é até pecado isso, né? A Silvana ficou maluca, largou o açougue, já era umas três, quatro horas da tarde e foi pra casa ensandecida, jogou as coisas dele na rua e aí os vizinhos começaram a xingar ela, “onde já se viu colocar pra fora um senhor doente, um cara doente?”, e aí ela contou que era mentira, que ele não estava no hospital fazendo quimio, que ele estava na Sauna Drinks [risos]. Foi um “auê” porque a família toda também achava que ele tinha câncer, só quem sabia era ele, o pastor da senhorinha e a senhorinha. E ali sempre a senhorinha naquela esperança dele contar a verdade, né, falar que Deus libertou ele, Jesus, algo assim e não rolou, [riso] ele preferiu lá a Sauna Drinks.

E aí foi um “auê” porque a Silvana entrou com um advogado e agora, gente, se prepara. O advogado pediu não sei o quê da receita, fez uma investigação lá da vida financeira do Joesley e ele tinha desviado o dinheiro do açougue, ele tinha uma outra conta que a Silvana nunca soube dessa conta, tinha um monte de irregularidade na contabilidade do açougue. Tipo, o cara passou a perna na Silvana, geral, tipo o marido desde que eles abriram o açougue juntos meio a meio, e que ela trabalhou muito também no começo, só agora no final que ela já era dona de casa só porque era um saco trabalhar com ele. Mas ele tinha, nossa, aprontado várias e por isso que ele não queria o divórcio, né? Porque no divórcio iam acabar descobrindo todo o dinheiro que ele tinha separado, o pézinho, ele fez um pézinho-de-meia pra ele sozinho, até uma casa em Peruíbe [risos] ele tinha comprado, ele tinha uma casa na praia só dele.

E agora tá nesse pé, Joesley ainda não quer o divórcio, então vai ter que ser tudo no litigioso, vai ser complicado. Ele agora acusa Silvana de que antes ele não tinha câncer, mas agora a Silvana o deixou doente. [rindo muito] — Ai, meu Deus — E ela pôs ele pra fora da casa, ele voltou lá para aquela outra casa, os filhos também agora não querem mais saber, a senhorinha também voltou pra igreja lá. — Não tem mais o que cuidar também, né? — E ele tá lá sozinho na casa, só que ele não facilita nada. E a Silvana depois da última história que eu postei, ela sentiu vontade de contar a história dela. 

Olha, eu não posso nem mentir que eu fico surpresa com histórias de fake câncer porque não é a primeira que eu conto, já contei uma no Twitter e eu recebo, olha, algumas, viu? As pessoas realmente inventam que tem câncer, eu não consigo entender isso, então não me choca, a parte dele desviar dinheiro também não me choca, Sauna Drinks também não me choca, mas raspar os cílios realmente me choca, porque a sobrancelha entendo, mas os cílios você tem que segurar assim a pálpebra e passar a gilete? Jesus amado, foi a parte da história que mais me chocou, gente. Inclusive eu e Silvana rimos muito disso, porque ela também ficou chocada com essa parte dos cílios. [risos]

E pior que agora nem tem clima pra perguntar como ele fazia, ou se era a senhorinha que raspava, porque aparentemente ela ajudava então, sei lá, a gente riu muito disso. Mas, poxa, Silvana, boa sorte aí, né? Porque o cara pelo jeito vai viver muito e é um insuportável, né? Uma carne de pescoço aí, usando a gíria do açougue. E é isso, Silvana, força, um beijo e boa sorte aí com este homem. Então, beijo e até breve.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.