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título: cheiro de lixo
data de publicação: 01/07/2024
quadro: luz acesa
hashtag: #lixo
personagens: murilo

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Luz Acesa. E hoje eu vou contar para vocês a história do Murilo. Então vamos lá, vamos de história.


[trilha]


Essa história aconteceu quando Murilo fazia faculdade — agora ele já é formado, já trabalha na área, enfim — e, na época, ele se mudou da cidade dele pra uma grande capital e foi morar numa casa de uma senhora na frente e atrás ela fez vários cômodos com banheiro para estudantes realmente. — Então, cada um tinha seu cômodo com banheiro que você botava ali, sei lá, um frigobar, um microondas, sua cama, sua escrivaninha, uma TV e, assim, acabou o espaço. — Era um quarto com banheiro, uma suítezinha, mas tudo separado, ninguém tinha acesso a outros espaços da casa. — Então, do lado da casa da senhora tinha um corredor e lá nos fundos tinha, sei lá, uns dez quartos assim. — E para você chegar da faculdade até essa casa, você tinha que andar uns 40 minutos, mas compensava porque você já economizava o dinheiro do ônibus. — Então, assim, estudante… O que você puder economizar, você economiza e o Murilo tava aí nessa vibe, economizando. —

Até que um dia, quando ele saiu da faculdade, estava chovendo muito… [efeito sonoro de chuva caindo] E não passava, não parecia que ia ser uma tromba d’água, muito trovão, muito raio… E o Murilo falou: “Bom, quanto mais tarde ficar, mais perigoso vai ser para eu andar tudo o que eu tenho que andar na rua, então eu vou na chuva”. — Eu tenho o mesmo pensamento que o Murilo, eu acho que quando tá muita chuva, dificilmente o bandido vem… — Com esse pensamento de que, o Murilo começou a caminhar, ele tinha um guarda chuva, ele começou a caminhar ali com seu guarda chuva… Só que chegou uma hora que sabe quando a chuva tá de vento? Você fala: “Puts, agora não dá mais, deixa eu parar aqui em algum lugar pra ver se passa um pouco, pra eu ajeitar meu guarda chuva, enfim”… E o Murilo numa rua comercial — tudo fechado, tá? — que tem aquele parte de cimento para frente. — Não sei como chama isso, essa beirada, essa lajezinha pra frente, marquisezinha para frente assim. — E aí ele parou na frente de uma loja que tinha esse cobertinha e falou, porque a loja ficava iluminada mesmo fechada,  “vou dar um tempo aqui e esperar um pouco”.


De repente, Murilo não sabe como — porque, assim, quando você está olhando para frente, você tem uma visão lateral, periférica, meio que dá para você ver — surgiu um homem do lado dele. Ele não sabe de onde aquele homem veio… E aquele homem estava sem guarda chuva e estava absolutamente seco. — Seco. — Ele tava com uma camiseta de gola — que nós chamamos, eu não sei se agora ainda tem, gola careca —, com dois botõezinhos, um blazer mais de ombro mais estruturado, uma calça jeans bag e um sapato que eu não sei agora como chama, mas é tipo um “docsizinho”. E você olhava pra ele, claramente ele tava vestido de anos 80. Não parecia que ele era um andarilho, uma pessoa em situação de rua, mas a roupa dele tava muito gasta… Gasta assim sabe quando a camiseta fica até meio transparente assim? Como se a roupa estivesse apodrecida? E o cara tinha um cheiro insuportável e ele ficou do lado do Murilo, uns três, quatro passos só — do Murilo —, olhando para o Murilo… Murilo na hora achou tudo muito estranho, mas colocou ali na conta do maluco e falou: “Esse maluco vai me dar uma pedrada”, sabe gente assim que está na rua e, sei lá, não toma medicação? Foi isso que ele pensou. 


“Esse doido vai me dar uma pedrada” e ele pegou o guarda—chuva dele e começou a andar… E o Murilo falou que só ouvia o barulho da chuva e os passos dele. Só que agora você ouvia os passos dele e os passos deste homem atrás dele. E Murilo foi apertando o passo e o homem foi apertando o passo… Até que o Murilo começou a correr e o homem também começou a correr. Murilo correu que uma hora ele não sabe se o guarda chuva escapou da mão dele ou se ele soltou o guarda chuva, ele correu ali com a mochila… — Ele tinha colocado a mochila na frente, então é mais difícil para você correr com a mochila na frente. — E aí ele correu, correu, correu… — Eram dois portõezinhos, o portãozinho da lateral ali e o portãozinho que dava para os quartos lá, né? — E destrancou os dois portões e trancou, porque tinha que deixar trancado… destrancou a porta do quarto dele e entrou correndo. Esse corredor que ficava os quartos tinha a porta e a janela, a janela dava para o quintal, assim, todas as janelas para o quintal para arejar, enfim… E a porta também, você entrava nos quartos ali e todos ficavam lá no fundo, no quintal… 

Então, até ele entrar dentro do quarto dele — desse quarto com banheiro — ele estava na chuva… O corredor todo ali, tudo aberto… E aí quando ele entrou, ele automaticamente olhou pela janela que dava para o quintal que estava aquela chuva para ver se o cara tinha, sei lá, pulado, que eram portões baixos, né? Atrás dele. E deu um raio, assim, que até ficou tudo claro e ele está olhando pelo vidro lá para fora… Quando deu o raio, ele se viu no vidro e viu atrás dele o homem… [efeito sonoro de tensão] O homem estava dentro do quarto do Murilo. Murilo do jeito que ele estava na janela, ele virou e aí ele não sabia o que fazer, porque o homem estava lá dentro e o homem olhava para a cara dele com uma cara de desespero, sem falar nada. — Sem falar nada. — O Murilo ali perto da janela, ele ajoelhou e ele começou a rezar… Rezar, rezar, rezar e uma hora ele abriu o olho, o homem não estava lá, mas aquele cheiro que era um cheiro de lixo. — Sabe quando tem aquela água do lixo, aquele cheiro de lixo que está há muitos dias? Era esse cheiro assim, um cheiro de lixo com carne podre, sei lá, uma coisa muito horrível assim. —


E o homem não estava mais lá, mas esse cheiro tava… Murilo, com muito medo, porque a janela não tinha grade… Ele falou: “Andréia, eu fiquei… Eu dormi com aquele cheiro, porque eu queria abrir a janela para dar uma arejada mesmo com a chuva, mas e se ele me pula a janela?”, mas eu falei: “Murilo, se ele já estava dentro do seu quarto [risos] com a janela fechada, você podia abrir, que se ele quisesse voltar, não ia ser a janela o empecilho”, mas na hora, você sabe, você pensa mais racionalmente. No dia seguinte o Murilo foi trabalhar — porque ele trabalhava e estudava, trabalhava meio período —, foi para a faculdade ele deixou a luz do quarto acesa e a idosa, que era dona dos quartos lá foi lá e apagou, ainda mandou mensagem para ele dizendo que ele não podia deixar a luz do quarto acesa, né? Enquanto ele não estava lá. — Porque você pagava só aluguel, você não pagava água e luz, nada. — E, quando ele voltou, olhou de fora pra dentro do quarto dele, porque ele já estava cismado, estava tudo escuro, mas naquela escuridão ele viu a silhueta do cara dentro do quarto. — A sombra do cara, assim, né? —


E o Murilo, sem coragem de entrar, mandou mensagem e foi dormir na casa de um amigo. — Só que não dava para dormir na casa do amigo sempre, né? — E a senhora quando ela entrou lá para apagar a luz, ela também falou para ele: “Olha, você precisa ver o que tem no seu frigobar lá que tá cheirando podre… Isso não pode acontecer” e era uma senhora, assim, meio tolerância zero… — Que você sabe, com estudante universitário para você manter uma ordem ali, sei lá, dez quartos… Então ela era muito rígida assim… — E aí o Murilo tinha essa preocupação também e ele passou dois dias na casa desse amigo, e aí ele resolveu falar com a mãe dele, numas de, assim: “Eu vou ter que sair desse quarto”, só que ali era perfeito pra ele, porque ele não precisava compartilhar banheiro, nada, ele tinha um espaço dele, tudo trancado, as coisas dele separado, era perfeito para ele. E a mãe dele ficou muito brava, né? A gente pode chamar aqui de Dona Luzia.


A Dona Luzia falou: “Você tá louco, você não vai sair desse quarto? Eu que te ajudo a pagar isso… Já foi uma luta para a gente conseguir um lugar assim, nesse preço” e falou, falou, falou várias, e aí o Murilo resolveu contar do dia da chuva e que um homem seguiu ele e que esse homem entrou no quarto dele e a mãe achando que era um homem real… E ele falou: “Não, mãe, eu tranquei a porta, eu entrei e, quando eu me virei, ele já estava dentro do quarto… Ele não é uma pessoa viva”. E aí a Dona Luzia ficou mais brava ainda e falou: “Ah, moleque, não sei o que, não sei o que lá”, mas ela ficou com aquilo na cabeça, e aí umas duas noites depois, a Dona Luzia teve um sonho… Ela sonhou que tinha um homem que estava com um blazer assim meio fofo e uma camisa com dois botões, calça jeans e sapato… E o Murilo não tinha falado pra ela como o cara estava vestido, nada… — Ele estava de sapato, mas quando a pessoa é enterrada, ela não é enterrada descalça? Não é enterrada de sapato, é? Fiquei com essa dúvida. — E ela sonhou que este homem estava no cemitério… — Ela estava no cemitério visitando alguém e este homem, com essa roupa muito desgastada, apontava o túmulo dele e ela não conseguia entender. — [efeito sonoro de grunhidos ] 


Dona Luzia não conseguia entender no sonho o que ele falava, até que ele pegou pelo braço e levou até o túmulo e, quando chegou no túmulo, a cova estava aberta… A tampa do caixão estava aberta, toda arranhada, e ele se via dentro do caixão, de bruços. Dona Luzia acordou assustada e o Murilo tinha falado só pra ela que era um homem branco de barba e esse homem era branco de barba. E Dona Luzia ligou pro filho e contou o sonho e falou a roupa tudo, e aí o Murilo falou: “É o homem que tá aqui”, e aí a Dona Luzia começou uma série de novena e, assim, foi em tudo quanto é lugar. — Até terreiro, foi em tudo quanto é lugar. — Ele começou a colocar pano embaixo da porta, porque ele tinha medo que o cheiro saísse — que aquela senhora dona dos quartos soubesse e botasse ele para fora, né? — e depois de um mês, ele fazendo isso, convivendo com aquele cheiro de lixo, dormindo na casa de amigos também sem contar porque, depois de um mês mais ou menos, simplesmente parou. Sumiu assim. — Então, provavelmente foi alguma coisa que a mãe dele fez, não se sabe o que, porque ela foi em todas as religiões, então qual que deu certo não sabemos, né? Mas este homem que estava lá foi embora. —


Dona Luzia acha que esse homem — na década de 80 ou antes — pode ter sido enterrado vivo. — Ela está falando baseada no sonho dela, tá? — Pode ter sido enterrado vivo e estava querendo contar isso para as pessoas, sei lá… E aí tanto que as orações, novenas, coisas que ela fez, foi tudo pra ele aceitar a morte, porque ela falou que a visão de ver o caixão todo arranhado e de ver ele de bruços dentro do caixão e ele se mostrando pra ela no caixão, né? — Agora me diz por que quem não sonhou foi o Murilo que já estava vendo ele? Por que foi a mãe? Como que o cara, esse fantasma se ligou a Dona Luzia morando, sei lá, em outro lugar, em outro estado, sabe assim? Então, assim, coisas aí do além que eu fico sem entender. — E o cheiro, depois de mais ou menos uns 25 dias, de um dia para o outro acabou, assim… Do mesmo jeito que chegou, acabou. Fica aí essa história do Murilo, onde ele passou aí pelo menos 3 semanas com esse cheiro de lixo dentro do quarto. O homem nunca falava, nunca tentava tocar nele, nada… Só tinha uma cara de desesperado assim. 

A parte que mais me assombrou foi o cara correndo atrás dele, porque se é uma mulher ali, já fala: “Pronto, né?”, você nunca que você vai pensar que é uma assombração. O marido também naquela hora não pensou, mas ele pensou em que? Em assalto ou num doido… A gente ia pensar em mais coisa, né? Então para mim foi mais assustadora a história nesse ponto… De alguém correndo atrás de mim na chuva… O que vocês acham?


[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, eu sou a Paula e falo do interior de São Paulo. A gente vê como a conexão entre mãe e filho é tão forte que a mãe conseguiu enxergar no sonho a angústia que o filho estava passando. Com certeza as orações da mãe foram muito efetivas para que o encosto que ele estava vendo finalmente descansasse, né? Se você está passando por isso, pede para alguém da família que você tenha uma conexão muito grande, pode ser avó, mãe, pai, rezar… Independente da crença, né? Na maioria das vezes isso resolve. E se você ver um encosto também, orar por essa pessoa para que ela descanse e é isso. Um beijo a todos, até a próxima. 

Assinante 2: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, eu sou a Amanda, estou falando do Jalapão. Murilo, agradeça muito a sua mãe, porque que situação difícil… Minha mãe fala que antigamente, infelizmente, muitas pessoas eram enterradas ainda vivas porque tanto não existia a lei das 24 horas quanto o acesso a hospitais e médicos era muito difícil, então às vezes a pessoa adoecia de manhã, desmaiava e a tarde os familiares já enterravam. Depois quando as covas eram abertas para enterrar outros familiares, era visto que os ossos estavam revirados. Hoje isso não acontece mais com tanta frequência, né? Que bom e que medo… 

[trilha]

Déia Freitas: Então é isso, gente. — Deus me livre. — Um beijo, e eu volto em breve.

[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.