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título: chinelos
data de publicação: 31/10/2021
quadro: luz acesa
hashtag: #chinelos
personagens:  wagner

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra um Luz Acesa, e hoje eu vou contar para vocês a história do Wagner. É uma história que aconteceu durante a pandemia. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha] 

O Wagner ele trabalhava numa gráfica, uma gráfica grande. Ele tinha um bom cargo e um bom salário, só que com a pandemia as coisas foram complicando e a gráfica acabou sendo vendida para uma outra gráfica, e aí as pessoas que eram dessa gráfica do Wagner foram mandados embora. Ele entre essas pessoas. E aí ele pegou aquela graninha que ele recebeu da indenização para se segurar, só que uma coisa ele teria que fazer, ele teria que sair do apartamento dele que ele não ia conseguir mais pagar o aluguel e ir para um outro lugar mais barato. 

Enquanto ele procurava apartamento, — Ele foi falando ali nos grupos de amigos do WhatsApp, enfim… — uma amiga dele falou assim: “Olha, a minha mãe está vindo para cá para ficar comigo, eu estou preocupada com ela, eu não quero que ela fique sozinha no apartamento. Ela tem dois gatos, os gatos vêm junto com ela porque ela não fica sem os gatos de jeito nenhum, mas a gente está preocupada de deixar o apartamento sozinho. Então, se você quiser ir lá para Goiânia ficar no apartamento da minha mãe enquanto ela fica aqui, pra gente ótimo, não tenho o menor problema, a gente continua pagando o condomínio porque lá é um condomínio mais caro, mas você arcando com água, luz e internet você pode ficar lá”. 

E o Wagner falou: “Gente, vai ser demais, porque eu vou conhecer um outro estado, eu não vou pagar aluguel e eu vou estar sozinho no apartamento… Eu topo”. — E topou. — E aí fizeram um combinado e tal, a senhora foi com os gatos para casa da amiga do Wagner e o Wagner foi para Goiânia ficar aí nesse apartamento dessa senhora. Primeira semana, tudo beleza, ele tinha só que tirar um pó também, né? — Não vai bagunçar a casa dos outros. — Então o Wagner mantinha tudo assim arrumado. 

Até que uma noite, ele dormia muito tarde, tipo de madrugada, ficava vendo série… — No tablet ali, e dormia com o tablet ligado… Aquelas coisas que a gente faz também. — Ele acordou ouvindo passos. — Como eram esses passos? — Sabe quando você anda arrastando o chinelo? — Então, era assim. — E ele parou para prestar atenção, que estava um silêncio, o tablet estava ligado, mas estava pausado. — Tipo, você assistiu X episódios e ele parou sozinho. — Tinha uma luzinha fraca ali do tablet e ele ficou prestando atenção se vinha do apartamento de cima ou de baixo. 

E ele notou que os passos de chinelo vinham de dentro do apartamento que ele estava. — Como ele sabia isso? — Porque ele estava dormindo no quarto… — Pensa assim. — Era um apartamento de três dormitórios, então um dormitório era da senhora, o outro dormitório ela transformou tipo num escritório que tinha umas coisinhas dos gatos assim, e o terceiro quarto era tipo um quarto de hóspedes que quem dormia era amiga dele. — Do Wagner, quando ia para lá. — E o Wagner não fechava a porta de nada, então ele estava no final do corredor no quarto que era da amiga dele, e o quarto da senhora e o quarto que seria escritório para os gatos brincarem ali estava aberto. Então ele conseguia perceber que os passos vinham do corredor. 

E, conforme o Wagner sentou na cama… — Porque o Wagner não acredita em nada. Nada sobrenatural. Pelo menos não acreditava. — Ele sentou na cama e ele olhava para o corredor escuro. [efeito sonoro de grito de susto] — Eu jamais faria. — E escutando aqueles passos e pensando: “gente…” — Sabe quando você está meio dormindo ainda? — A primeira coisa que ele pensou: “será que a senhora voltou? Tipo ela chegou e…” — Sei lá, né? Não avisou, chegou e não quis acordar ele. O que você faria se você acordasse no meio da noite escutando chinelo arrastando pelo chão em passos lentos e achasse que alguém voltou sem te avisar? Você falaria um “oi, tem alguém aí?” ou você levantaria e iria lá ver ou você ia voltar a dormir? O que você faria? —

O Wagner achou que seria uma boa perguntar se a pessoa precisava de ajuda. Então, da cama ali sentado ele meio que gritou, ele falou: “oi, tudo bem aí? Está precisando de ajuda”. — Pensando que seria a mãe da amiga dele, que ela ia falar: “não, tudo bem, já cheguei, já me instalei. Desculpa, te acordei”. Algo assim, né? — Do final do corredor, que desembocava ali na sala, ele escutou um gemido. E aí esse gemido não era um gemido de dor… Sabe quando você reclama? — Você geme e reclama? — 

Então, foi um gemido meio bravo. E aí ele pensou: “poxa, falei alto demais, sei lá…” E ele achou que seria uma boa ideia voltar então a deitar, fica na dele. — De manhã ele pedia desculpa e tal. — Passou. Nada mais aconteceu. De manhã ele acordou e ele passou pelo corredor, a porta do quarto do escritório estava aberta, a porta do quarto da mãe da amiga dele estava fechada e estava aberta quando ele foi deitar, porque ele não fechou nenhuma porta. E ele passou para a sala, estava tudo no mesmo lugar, foi até a cozinha… Ainda olhou dentro da pia. — Ele tinha tomado um refrigerante à noite e não tinha lavado o copo… — Ainda ele pensou: “poxa vida, vacilo meu, deixei um copo na pia, ela viu e tal” e ele rapidinho lavou o copo, começou a passar um café, isso era umas oito e meia. 

Quando foi umas nove e meia ele resolveu mandar a mensagem para a amiga dele. — A amiga dele chama Mila. — Ele falou “oi, Mila, eu falei muito alto com a sua mãe ontem, depois você pede desculpas, ela não acordou ainda… “Aí a amiga do Wagner respondeu pra ele: “Você tá louco? Minha mãe está aqui comigo te mandando um beijo”. — E mandou áudio da mãe dela e tal. — E aí o Wagner já falou: “Meu Deus”, mandou o áudio para elas falando “então tem alguém no quarto da sua mãe… Tinha alguém aqui a noite, tem alguém no quarto da sua mãe. Eu vou chamar a polícia. Eu vou chamar a polícia”. 

E aí a Mila falou: “não, imagina, o vento bate aí… Bateu à porta. Vai lá, abre a porta. — E o Wagner até então pensou sempre em bandido, não pensou em fantasma, nada. — Ele foi lá, devagar e, com ela na linha, abriu a porta e nada. — Tinha nada. — Estava tudo intacto. E aí ele passou o dia ali meio agoniado, meio sem entender, porque ele falou: “eu não estava dormindo, eu ouvi os passos e a pessoa me respondeu”. E aí caiu a noite, ele foi dormir. Dessa vez ele fechou a porta dos dois quartos, fechou a porta da cozinha… Então ficou só a sala, o corredor e o quarto que ele estava, que era o quarto da amiga dele. E ele fechou e trancou a porta do quarto. 

E aí está ele lá dormindo, resolveu nem ver série, nada, tomou um remedinho para dormir, está lá num sono pesado… Quando ele sente uma coisa arder no rosto dele. E aí ele acordou, mas tinha tomado remédio então ficou meio meio sonado assim e, conforme ele abriu os olhos, ele conseguiu ver o que seria uma pessoa. — Ele diz que era uma mulher. — E essa mulher tava de roupa de hospital, e essa mulher estava olhando para ele assim como uma cara, um mix de brava e espantada. Tipo surpresa de ter visto ele. Só que ele estava muito sonado por causa do remédio e ele não consegue entender se foi um sonho ou não foi. 

Mas de manhã, quando ele acordou e foi no banheiro, foi lavar o rosto, enfim… Ele tava com como se fosse uma unhada no rosto. — Só que, gente, ele pode ter se unhado, né? Eu falei isso e ele falou isso. A gente concordou que poderia ter sido ele mesmo se unhando, né? À noite, um pesadelo, alguma coisa. Então essa foi a segunda noite. — Aí passou mais um dia, ele não conversou com a amiga dele, ele estava cismado aí que lembrava do rosto dessa mulher. E aí quando foi seis horas na tarde, — Seis horas da tarde, estava claro ainda. — ele estava sentado no sofá vendo televisão e na frente dele, de uma pessoa que não acredita em nada, de novo apareceu essa mulher. Seis horas da tarde. 

Surgiu do nada e veio na direção dele e sumiu do nada. E aí ele quase teve um, sei lá, um derrame, porque ele viu, estava na frente dele. E aí ele ficou completamente atordoado e ligou para a mãe dele para contar, mas assim, como ele não acredita em nada… — As pessoas também não levam muito a sério, né? —E aí ninguém levou muito a sério. Ele ficou meio aí apavorado, resolveu sair do apartamento. E aí não tinha mais coragem para voltar, mas também não tinha onde ficar. Acabou voltando e mesmo para quem não acredita em nada, o Wagner rezou e voltou. Deitou ali, ficou coberto e passou a noite, dormiu. 

Quando ele acordou tinham alguns recados da Mila no celular dele. — O que tinha acontecido, gente? — A primeira vez que ele ouviu o chinelo tinha sido a hora que a tia da Milla, irmã da mãe dela, tinha morrido. A tia da Mila estava internada — Com Covid. — há um certo tempo, então assim, melhorava depois ficava ruim, melhorava, ficava ruim… E ela faleceu nesse primeiro dia que o Wagner ouviu os chinelos, e as duas eram muito unidas. E aí ninguém estava com coragem de contar para a mãe da Mila. E aí foram contar só depois de três dias ali. E aí a Mila sacou na hora, falou: “Meu Deus, deve ser a minha tia que está lá no apartamento, porque elas eram muito unidas”. 

E essa tia morava no mesmo prédio, só que ela já estava internada faz tempo, né? Então só podia ser ela. E aí o Wagner todo trêmulo falou: “por favor, me manda uma foto da sua tia”. E aí quando mandou a foto era foto que estava às três. — Uma foto bonita assim. — Era ela… — Era a tia da Milla. — Que estava na casa e que, provavelmente, assustou de ver um homem na casa, de ver um estranho… — Que ele era um completo estranho. — E aí Wagner fez as malinhas dele, pegou as coisas dele e foi embora da casa. Não teve mais coragem de ficar. A mãe não voltou até hoje, — Está com a Mila… Com a Mila, com os gatos e tal… — Vai uma pessoa lá de tanto em tanto tempo dar uma olhada no apartamento, dar uma limpada e tal. E também nada mais aconteceu, pelo menos ninguém contou mais nada para Mila e a Mila não contou mais nada para o Wagner. 

Mas o Wagner que não acreditava em nada, — Em absolutamente nada. — e dava risada, e tirava sarro e tal, ficou traumatizado. Ficou assustado. Hoje ele fala que ele é um cara assustado assim, se ele precisar ir tomar uma água na cozinha à noite ele não vai, ele traz a água para o quarto e, dependendo também se ele estiver assustado, ele não abre o olho para tomar água. Então ele escreveu mais para falar que ele era a pessoa que não acreditava em nada e que viu na frente dele, e não sabe explicar. Assim, continua meio sem acreditar, mas com muito medo. E outra, ele gostaria de saber o que ele pode fazer para que ele não tenha mais tanto medo, porque agora ele tem muito medo. Tem medo do escuro, tem medo de ficar sozinho… 

Pensa, já mandou rezar missa para essa mulher, para essa tia da Mila, mas ele ainda lembra da imagem, lembre dela aparecendo na sala às seis horas da tarde com tudo claro, gente. Como pode? Eu também, eu custo a acreditar, mas aí quando eu pego uma pessoa assim que também não acredita e aconteceu com ela, eu já fico cabreira, entendeu? O que essa senhora estava procurando a irmã, queria se despedir… Aí, lógico, que a mãe da Mila ficou mal, e aí queria voltar para encontrar a irmã fantasma, enfim… Mas seguraram ela lá, porque também não tem o que fazer, né? Mas engraçado, ela nunca apareceu para a irmã e apareceu lá no apartamento para o Wagner que não conhecia ninguém assim, que não era da família. Como é que se explica isso? Eu não sei. 

[trilha] 

Assinante 1: Olá, Não Inviabilizers, me chamo Ruana e falo de Borrazópolis, norte do Paraná. Wagner, ouvindo tua história eu penso que você pode procurar um entendimento e acolhimento dentro de um centro espírita. Lá você pode encontrar alguém que, ao contar a tua história, pode te explicar o que aconteceu e, quem sabe entendendo a existência dos espíritos, que eles estão entre nós e que eles podem até nos influenciar, você possa ressignificar esse trauma que aconteceu contigo e conseguir viver melhor com os medos. Eu espero que dê tudo certo, que você fique bem. Um abraço. 

Assinante 2: Oi, Wagner, meu nome é Jéssica, eu falo de fortaleza e eu quero dizer que eu entendo o super o seu sentimento, eu também ficaria com medo se fosse você, e você já tem feito o que é possível fazer, que é rezar pela alma da tia da Mila, né? A tia dela, eu acredito que ela apareceu lá no apartamento porque era onde ela imaginava que a irmã dela poderia estar, e que ela não aparece na casa da Mila porque ela não conhece esse lugar. Então, assim, que ela tenha descanso, já foi uma pessoa que sofreu com a doença, morreu de Covid. Então, assim, que a gente possa rezar por ela, para que ela tenha um descanso eterno e que você também fique bem, fique em paz. Eu acredito que foi uma situação totalmente atípica e que, aos poucos, você vai voltando para sua base, se sentindo mais seguro, ficando mais tranquilo, tá? Boa sorte, vai ficar tudo bem. 

Déia Freitas: Então essa é a história do Wagner. Wagner, tamo junto. Só isso que eu posso te dizer. Um beijo, gente. 

[vinheta] Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta] 

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.