título: cinzas
data de publicação: 03/03/2025
quadro: luz acesa
hashtag: #cinzas
personagens: carla, ezequiel, marta, pedro e dona emília
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Luz Acesa. — Essa história contém aí alguns gatilhos e referências a um abuso, então ouçam com cuidado. — E hoje eu vou contar para vocês a história da Carla. Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]Carla na época dessa história ela tinha 21 para 22. Carla ali no auge da sua juventude, indo para baladas e saindo com os amigos… — E a Carla fazia uma coisa que eu e minha prima Eliane a gente fez muito no passado e eu não recomendo: A gente saia em, sei lá, quatro, cinco meninas, óbvio, nenhuma tinha carro e lá alguém ficava com algum menino que tinha carro [risos] para a gente ter carona para voltar. Então, o cara em questão ia deixando as amigas, cada uma na sua casa e ficava por último com a pessoa, com a amiga nossa que ficou com alguém. Então esse era o nosso método de carona dos anos 90. Errado? Errado. Problemático? Problemático. — Então elas iam as amigas para a balada e sempre ali descolando uma carona. — Com um rapaz da balada, geralmente o rapaz que você fica na balada ou que você tem interesse em ficar nessa balada. —
Paralelo a isso, Carla morando com seu pai, que a gente pode chamar aqui de “Ezequiel”, com sua mãe que podemos chamar aqui de “Marta” e com seu irmão que podemos chamar de “Pedro”. Uma família muito estruturada, muito unida… Uns dez anos antes, morava também Dona Emília… Dona Emília era aí a mãe do seu Ezequiel, do pai de Carla. E ela, uma avó, pensa numa avó querida… Uma avó maravilhosa, uma ótima sogra… Foi uma perda muito grande também pra Marta, enfim, todo mundo gostando muito, muito dessa senhora. E quando ela morreu ela era aposentada da Telefônica e, na época, a Telefônica tinha um bom plano funerário. — Eu sempre falo para vocês que plano funerário. Plano funerário a gente tem que ter, se você é da classe C… Mas precisa ter um bom também, porque eu tenho uma [risos] história de plano funerário que a Janaína fez [risos] que eu posso contar para vocês depois, que não foi muito legal. —
Plano funerário aí maravilhoso, que tinha cremação… — Nem todos têm, tá? — E Dona Emília falava: “Olha, eu quero ser cremada e tal”, Dona Emília foi cremada, as cinzas foram colocadas numa urna de madeira bonitinha, assim, e foi deixada na estante da sala. É aquela coisa, né, gente? Você põe ali a caixinha com as cinzas, enfim, aquela urna e você esquece daquilo… Você não vai ficar ali, a não ser que seja da sua religião de cultuar os antepassados e as pessoas que morreram, que você pode ter um tipo de altar, enfim… Mas não era a questão. O tempo foi passando, Carlinha indo nas baladas e, numa balada que ela foi num domingo, domingo tinha regra, domingo você não podia chegar mais que dez horas da noite em casa. Ela foi numa baladinha que era dessas mais cedo e lá ela começou a paquerar um cara. O cara era muito bonitinho, parecia ser só um pouco mais velho, as amigas também gostaram dele… — Porque tem aquela coisa também, né? Às vezes você vai paquerar um cara que suas amigas batem o olho e falam: “Credo, odeio” e aí você desiste. —
Todo mundo achou ele bonitinho, legal… Ele veio, tomou ali junto uma caipirinha com elas e falou: “Ah, vocês tão de carro? Como é que vocês vão embora?” e, tipo, nove meia elas já iam sair, né? E aí eles falaram: “Não, não estamos” e ele falou: “Ah, eu posso levar vocês e tal” e elas estavam em cinco meninas — o carro ali já é para cinco pessoas, então tinha uma mais —, elas se apertaram ali quatro atrás e a Carla — que estava paquerando o cara — no banco da frente. Isso era umas nove e quarenta da noite e ele ia fazer isso que a gente fazia também, eu e minha prima, então o cara ia deixando as amigas nas suas casas e por último ficava aquela que queria alguma coisinha, trocar umas beijocas e só também, né? Ele deixou a primeira menina, depois mais duas e a última, antes da Carla, ela morava na rua de trás da Carla, então deixando ela, automaticamente era obrigatório você virar a direita e virar a direita de novo, que já era a rua da Carla. Não tinha outro caminho, era uma rua de mão única a rua da menina, então não tinha como voltar por aquela rua. De qualquer forma, ele teria que passar pela rua da Carla.
Ele deixou a última amiga da Carla e virou ali, ela tinha falado que morava perto, mas até então não tinha dado tantos detalhes. Quando ele virou, que ela ia falar que ela morava naquela rua, ele parou na esquina o carro e estacionou… — Sei lá, pra eles conversarem, trocarem um beijo e tal. — Na casa de Carla, Seu Ezequiel, Marta e Pedro estavam ali na sala, ele com um fone ouvindo música e os pais ali da Carla assistindo televisão. — No domingo à noite me dá uma depressão, que depois já é segunda, né? Você tem que trabalhar… E quem que gosta de trabalhar? A gente trabalha porque a gente precisa… —
E aí eles lá sentados, assistindo, conversando e, num dos intervalos do programa, você fica mais disperso ali no intervalo conversando, eles escutaram um barulho… Era um barulho de coisa arrastando… Aí você olha pros lados, nada… Quando seu Ezequiel fixou o olho ali em cima da televisão, a urna de Dona Emília estava arrastando. Não tinha ninguém, não tinha nada… Ela estava andando pra frente — arrastando no móvel aquela urna — e ela foi arremessada da estante no chão.
E no chão ela fez com as cinzas ali o que parecia uma letra C. Ninguém entendeu nada, todo mundo ficou assustado… Como que aquilo voou dali? Seu Ezequiel falou: “Meu Deus, deve ter um rato”, porque obviamente você pensa em rato… Quando ele estava já pensando em rato, que ele teria que arrastar as coisas para ver onde estava esse rato na estante, enfim, ele ouviu a voz da mãe dele, Dona Emília, no ouvido dele, falando: “A Carla”. Seu Ezequiel não ouviu mais que isso, apenas a sua mãe falando no ouvido: “A Carla”. Ele não sabe de onde veio a ordem: “Sai de casa, sai correndo” e ele pegou a chave e saiu correndo. Dona Marta e o Pedro eles não sabiam o que estava acontecendo e saíram correndo atrás… Conforme ele saiu no portão, ele olhou para a esquerda e saiu correndo. Seu Ezequiel não sabe dizer, porque não tinha nenhuma ordem falando para ele: “Corra para a esquerda” ou “saia correndo”, era alguma coisa que era mais uma intuição do que uma ordem. E quando ele sai correndo para a esquerda ali, lá na esquina, tinha um carro parado, que já estava um pouco embaçado…
E quando ele vai chegando perto, ele vê sua filha Carla sendo sufocada por um homem aleatório, que era aquele homem que deu carona. Ele consegue abrir a porta do carro e arrancar a Carla e também consegue arrancar o cara… E aí ele começa a bater no cara, o Pedro sem entender nada começa a bater no cara também… Algumas pessoas saem na rua, alguém chama a polícia e a polícia vem. E aí explicam ali para a polícia o que estava acontecendo, a Carla com o pescoço muito machucado e foram todos para delegacia. Na delegacia, descobriram que aquele cara era um procurado da Justiça e ele tinha já alguns casos de abuso. No carro, que o cara começou a beijar ela e apertar o pescoço dela e ela pediu para ele parar e ele falou que queria que ela estivesse desacordada e depois disso ela só ficou ali lutando… E, quando ela viu, o pai dela já estava ali. — Agora a sorte que o cara parou na rua dela, né? Porque já pensou, se é longe, o que você faz? — E aí rolou um processo todo também, né? Porque ali o que aconteceu com a Carla foi mais um crime que ia ali para a lista de crimes daquele cara.
E quando eles voltaram para casa, porque foi todo mundo para delegacia, né? As cinzas estavam lá, e aí que eles notaram que tinha um formato de letra C. — Provavelmente “C” de Carla. — E aí eles resolveram recolher aquelas cinzas… — Até perguntei: “Mas vocês aspiraram a Dona Emília com aspirador de pó? Sua vó…”, ela falou: “Não, a gente varreu ali as cinzas para uma pá, depois um saquinho e a gente resolveu jogar num gramado, numa praça lá que minha avó gostava. Meu pai não quis mais aquela urna dentro de casa”, mas ele diz que ele ouviu claramente a voz da mãe dele dizendo “a Carla”, só isso… E o resto depois, se alguém falou para ele, ele não escutou como voz, sabe? Foi mais, assim, uma intuição… — Pedro passou muitas noites com pesadelo, porque a urna foi arrastando bem devagarinho na estante. — E aí culparam o rato, mas se é rato, ele dá com o rabo e empurra… O modus operandi do rato, ele não vai empurrar bem devagarinho. E outra, o rato, dependendo do tamanho do rato, você vê ele ali atrás da urna, o rabinho, a bundinha… Não era. Então a urna foi deslizando bem devagar até a ponta da estante e aí ela foi arremessada com força no chão. Dona Emília estava ali? Dona Emília estava lá com a Carla na hora? A Carla falou que não sentiu nada sobrenatural, nada de nada… E realmente ela achou que ela fosse morrer, mas não aconteceu nenhum evento sobrenatural, o que aconteceu foi lá na casa. —
Depois disso, até a Dona Marta, a mãe da Carla, pediu para rezar uma missa e tal para a Dona Emília, mas não voltou a acontecer nada…Ninguém nem sonhou com a vó, nada parecido. Foi só mesmo esse evento pontual. — E aí? Essa vózinha veio para salvar a Carla ou ela já estava lá na casa? Ou ela já ficava andando com a Carla? O que vocês acham?
[trilha]Assinante 1: Oi, nãoinviabilizers, aqui é Marcelle do Rio de Janeiro. Carla, fiquei muito impactada com a sua história, porque é incrível como as nossas avós, mesmo depois da partida, elas continuam cuidando da gente, né? Perdi minha avó, as cinzas dela também ficavam ali na casa onde eu morava com os meus pais e, desde então, eu sinto que a minha avó tem um poder de me ajudar a tomar uma decisão mais segura. Que bom que a gente tem o poder das nossas avós aí para cuidar e olhar pela gente. Eu espero que vc tenha ficado bem, não tenha ficado nenhum trauma depois do que você passou. Um beijo, gente.
Assinante 2: Oi, nãoinviabilizers, aqui é Tamires de Guarulhos. Eu fiquei muito emocionada, apesar de ser um Luz Acesa, porque é muito lindo ver esse amor ancestral cuidando da gente, mesmo não estando presente fisicamente. Eu perdi a minha avó faz pouquíssimo tempo e é lindo sentir esse amor, hein? Carla foi muito abençoada pela Dona Emília ainda, tenho certeza que ela ainda está cuidando da família inteira.
[trilha]Déia Freitas: Comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis com a Carla. Um beijo e eu volto em breve.
[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]