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título: combo
data de publicação: 01/04/2024
quadro: picolé de limão
hashtag: #combo
personagens: letícia e um cara

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão. E hoje eu vou contar para vocês a história da Letícia. Então vamos lá, vamos de história.


[trilha]


A Letícia conheceu um cara aí um dia que ela tava numa cafeteria. — Vamos chamar aqui de Starpônei? Ou Pôneibucks? Pôneibucks. — Ela estava lá na Pôneibucks e tinha um cara muito gato lá, assim, ele estava lá também com um laptop e eles se olharam, a Letícia precisava ir embora e Letícia deu o telefone dela para o cara da Pôneibucks. Passado ali algumas horas, o cara entrou em contato com a Letícia [efeito sonoro de mensagem no WhatsApp] e eles começaram a conversar. Ele estava ali na Pôneibucks pra encontrar alguns amigos, porque a ideia era, num futuro bem próximo, que eles começassem uma startup de tecnologia. E Letícia conversou muito com aquele cara e gostou dele, ele também provavelmente gostou dela e eles começaram a sair. E foi tudo lindo, o cara nessa época tinha um trabalho na Faria Lima — então ele era meio Faria Limer assim, mas não tão engomadinho, sabe? Ele era mais modernex assim… — 

Esse namoro foi evoluindo, só que assim… Nem ele e nem a Letícia falavam muito de apresentar a família. Então, assim, eles tinham um assunto mais ou menos sobre família, era um namoro sério, mas ninguém estava preocupado em conhecer família e, sei lá, a dar um passo a mais naquele namoro. — Tanto a Letícia quanto o cara. — Quando tava ali por volta dos seis meses de namoro, esse cara ele mudou um pouco, ele foi ficando mais preocupado, assim, mais tenso… E a Letícia começou a ficar preocupada também, né? Tipo, sei lá: “o que que está afligindo o meu amorzinho?”, né? E aí o cara resolveu ter uma conversa franca com a Letícia… E o diálogo foi o seguinte, ela falou assim: “Amor, você está diferente, você está mais preocupado, o que aconteceu e nã nã nã?” e ele falou pra ela que ele estava com problema de moradia e já que ela tava dando essa abertura, se ele poderia morar temporariamente com ela.

E ele frisou que era temporário, porque a Letícia falou: “Olha, eu não estou preparada para morar com o namorado, eu moro sozinha e tal, esse apartamento é espaçoso, mas eu gostaria que você entendesse que, assim, esse apartamento é meu…”, a família da Letícia é a Letícia, a mãe, um irmão e o pai que faleceu. Quando esse pai faleceu, eles tinham a casa — que é a casa da mãe — e tinham dois apartamentos para aluguel, então no inventário ficou definido que um apartamento ficaria para o irmão, um apartamento para a Letícia e a casa para a mãe. — Foi assim que eles chegaram no acordo de inventário. — E o apartamento da Letícia é um apartamento bom, um apartamento de dois quartos e tal, perto do metrô… — Não é assim bairro chique, nada, mas tem um metrô praticamente na porta, então isso ajuda muito, né? — Apartamento amplo, espaçoso e que o cara pediu para ficar temporariamente. — Então, a única coisa que ele falou foi “problema de moradia”.


A Letícia falou: “Bom, se for temporário mesmo, claro, pode sim”. Essa conversa que eles tiveram foi no final de semana, quando foi na terça—feira, a Letícia falou: “Olha, você vem na terça e tal, fica com a chave para você guardar suas coisas e tal, depois eu faço uma chave para você, porque é a única chave que tem que eu tenho a mais fica com a diarista, que vem uma vez por semana, toda sexta-feira”. Era uma terça-feira, a chave ficou com ele e Letícia foi trabalhar. Quando a Letícia chegou, por volta das oito da noite, — bem tarde, né? — é um predinho de três andares e ela mora no segundo andar. E aí ela foi subindo e já na escada ela escutou vozes — que podia vir do apartamento do lado do dela ou do dela — e conforme ela foi chegando mais perto, ela percebeu que as vozes vinham do apartamento dela: “Ele mal se instalou na minha casa e já trouxe gente?” Quando a Letícia abriu a porta, ela deu de cara com o namorado, um senhor, uma senhora e um garoto e na hora ela já sacou que eram os pais do cara, o que ela pensou? “Os pais do cara eles vieram trazer o cara, as coisas do cara”. A Letícia entrou, ele apresentou Letícia, ela falou: “Ah, tudo bem?”.  — Poxa, casa dela lotada, ela chegou cansada do trabalho e tal. [risos] —

E aí ela ficou meio ali sem saber o que falar… E aí ela falou pra ele: “E aí você já se instalou e tal?”, e aí, gente, vocês estão preparados? O cara falou: “Ah, deu tudo certo… Como que a gente fez aqui pra atrapalhar menos possível? Eu coloquei as minhas coisas no seu quarto, coloquei as coisas dos meus pais e a geladeira no outro quarto” — que seria o quarto de hóspede da Letícia — “e o meu irmão vai dormir aqui na sala porque ele é pequeno mesmo, então não tem problema”. — Oi? — A Letícia ali na frente de todo mundo ela não soube o que dizer, porque era hora de dizer: “Como assim? Eu falei que eu ia abrigar você temporariamente, não sua família toda”. Ela ficou totalmente sem reação. E aí ela foi lá para o quarto para pegar as coisas para tomar banho e tal… E, assim, detalhe: A casa da Letícia tem dois quartos, mas não são suítes, é um banheiro só… — Não tem lavabo, é um banheiro. — É sala, dois quartos, cozinha e banheiro. É espaçoso? É, mas pra cinco pessoas já dá uma complicada.

Quando a Letícia foi para o quarto, esse cara foi atrás e já foi meio que dando um beijo nela e falando: “Poxa, obrigado por essa força”, e aí a Letícia falou pra ele, falou: “Olha, eu tinha entendido que só você viria. Você veio com a sua família toda?”, e aí ele explicou que quando ele falou que o problema era de moradia, é que eles tavam devendo aluguel da casa que eles estavam e iam ser despejados. — Então antes de ser despejados, o que eles fizeram? Eles despacharam os móveis para a garagem lá de uma tia que morava numa cidade distante, colocaram a geladeira e o microondas no quarto que a Letícia já tinha uma cama de casal — porque antes a Letícia alugava aquele quarto, tipo, pra jovens, para estudantes, enfim… E depois ela parou, né? Dava muito problema, enfim, ela parou… — e no canto, onde tinha um movelzinho eles tiraram o movelzinho e botaram a geladeira e, em cima da mesa onde tinha um abajur, umas coisinhas, eles colocaram um microondas… — No quarto. — E o fogão, que era um fogão que já estava muito velho, eles se desfizeram do fogão. — Então os eletrodomésticos [risos] da família do cara estavam lá e os móveis tinham ido pra casa de uma tia. —

E aí a Letícia falou: “Olha, vai ficar complicado eles ficarem aqui, é muita gente”. E aí o cara reforçou que era temporário, né? E a Letícia falou: “Bom, tá bom?”. — Aí era a hora dela falar não e já avisar, falar para eles que não podia ficar, mas enfim, ela não falou nada. — Primeira noite, como é que foi? O cara ficou no quarto com ela, os pais ficaram no quarto do lado e o menino de 12 anos já instalou o vídeo game na TV da Letícia. [risos] E aí ela não conseguia dormir, o menino ficou até altas horas jogando vídeo game… — Ele tem 12 anos, né? Não devia deixar o menino até tarde assim, né? — Ninguém falou nada. Quando foi seis horas da manhã, o pai e a mãe do cara já estavam de pé porque tinha que fazer as coisas do menino ir para a escola e tal, enfim, né? E aí aquele barulho seis horas da manhã, porque a Letícia dorme até mais tarde porque ela entra mais tarde no trabalho… Ela entra tipo onze horas no trabalho e ela não conseguiu mais dormir. E aí ali ela ficou sabendo que o pai do cara tá aposentado — então significava que ele ia ficar em casa o dia todo —, a mãe do cara é dona de casa e o cara tinha aproveitado que ele ia ficar na Letícia — reparem — e ele saiu do emprego. [marcha fúnebre] 

Lembra que ela encontrou com ele lá na Pôneibucks? Era uma reunião que ele tinha com os amigos, porque eles iam abrir essa startup, aí ele achou que era o momento certo dele sair para empreender com os amigos. — Pensa… — Já tem dois meses que eles estão na casa da Letícia, a conta de luz praticamente triplicou. — Porque tem a geladeira no quarto… [risos] E também eles ficam lá o dia inteiro, com luz acesa e tal, né? — O menino não sai do sofá e da TV da Letícia, então a Letícia não consegue mais assistir televisão. A mãe do cara toda hora muda as coisas do lugar. Um dia a Letícia chegou e o sofá tava, tipo, invertido… E aí a Letícia falou: “Prefiro do outro jeito”, e aí a mãe dele toda boazinha, falou: “Mas é que assim pra gente é melhor, porque aí o Fulano” — que é o pai do cara — “consegue esticar os pés aqui e nã nã nã”, não mudou de volta para o jeito que a Letícia disse que precisava. A diarista vai de sexta—feira para lavar as roupas da Letícia — que está combinado, né? Elas tem esse combinado —, só que agora a família está botando roupa lá, e aí a diarista já avisou a Letícia que não vai lavar a roupa da família toda, que o combinado era lavar a roupa da Letícia.

A mulher acha que por ela estar fazendo uma parte do trabalho da diarista, a diarista pode lavar a roupa dela. — Mas não foi esse o combinado, né? — A Letícia acha que a diarista não vai aguentar muito. Até a diarista não está aguentando. [risos] O pai fica o dia inteiro lá… É o que menos dá trabalho, porque ele fica no quarto ouvindo radinho… Só que ele ouve radinho, das seis da manhã até, sei lá, onze da noite, só que também de sábado e domingo.  É aquele radinho o dia todo, o menino o dia todo na TV da Letícia. Banheiro muito difícil, tem que dividir… E, assim, eles não dão um real… Eles não dão um real, a Letícia está fazendo compra só do mínimo, ela falou: “Andréia, eu estou gastando mais, mas eu estou comendo fora, eu estou saindo onze horas e almoço na rua e, antes de chegar em casa, eu janto, porque se não o primeiro mês eu fiz uma compra e durou uma semana”. Eles estavam pegando coisas da geladeira da Letícia e botando na geladeira deles do quarto. [risos] E eles estão lá, se fazem de sonso… A Letícia já conversou com o cara algumas vezes e o cara fala que eles não tem pra onde ir, que eles não tem pra onde ir… 

E as amigas da Letícia elas acham que eles tem pra onde ir, que eles não querem ir pra lugar longe. — Porque ali tá do lado do metrô, a escola do menino de metrô é rapidinho pra ir, então tá fácil ali. — A Letícia não sabe como falar, ela já teve uma conversa com a família e eles só falam isso, que é temporário e que eles vão sair. — Mas eu falei pra Letícia que ela tem que dar um prazo pra eles… Fatalmente o relacionamento vai acabar? Vai acabar, mas eu acho melhor…  Termina. E aí a Letícia fica nessa porque ela gosta dele, mas nem trabalhando ele está, ela que tem que pagar tudo, a conta de luz altíssima… Ela não tem mais privacidade na casa dela, não consegue mais assistir TV. Ela não tem paz para ficar no quarto dela, porque é parede com parede e fica aquele radinho o dia todo… O cara recebe uma aposentadoria que ela não sabe de quanto é, mas eles não ajudam em nada, em absolutamente nada. Teve um dia que ela chegou e foi aí que ela teve uma conversa — que ela falou que eles precisavam já se organizar pra sair —, ela é a dona da casa, se você vai pedir pizza, você não vai esperar ela chegar? 


Quando ela chegou, eles tinham acabado de jantar pizza e ninguém deixou nada pra ela. Isso pra mim já era motivo para já falar: “Pode sair da minha casa agora… Agora.”. Não deixaram pizza pra ela, não deixaram nada… Na conversa parece que eles não vão sair. Eu acho que a Letícia tem que ser mais, assim, enérgica. Só que tem um detalhe, porque que nem ela falou: “Andréia, se eles saíssem, sei lá, para passear, para fazer qualquer coisa, eu te juro, eu tirava as coisas deles daqui, colocava lá embaixo e trocava a fechadura, porque eu tô nesse ponto”. Só que eles não saem”. A mãe vai levar o menino até o metrô pra ele ir para escola, ele já vai sozinho, o pai aposentado não sai e o cara também não sai, porque agora ele está aí empreendendo, entre aspas, e ele faz mais as reuniões online e tal, ele não sai… Então não tem uma brecha. Mas eu falei pra ela, “Mas fazer isso também é chato, sei lá”, mas eu não sei também como que ela vai expulsar essas pessoas se ela já falou e eles já falaram que era temporário, mas não dão um prazo? Eu acho que o próximo passo então é a Letícia botar um prazo. 

Dá um prazo, um limite, fala: “Olha, não tem como mais, gente”, ela tem que começar a falar também do financeiro e falar que ela não tem mais privacidade… — Ela não consegue levar ninguém na casa dela mais… As amigas, a família dela, nada assim… — A mãe dela e o irmão eles não estão nem, sabendo porque senão a vida dela vai virar mais um inferno. É isso, ela tem a casa própria dela, mas não está sendo muito dela no momento. [risos] A Letícia não é nenhuma boba, trouxa, nada, mas assim, a situação foi feita tão de um jeito que na hora ela não conseguiu falar “não”, mas também depois com o tempo parece que não sei… Parece que eles são traiçoeiros, ardilosos, ela não sabe explicar… Parece que todo mundo é muito bonzinho, mas é estranho. Tem que botar prazo… Botar prazo e é isso, já começa a falar assim: “Olha, precisa deixar a geladeira desligada, que eu estou pagando muita luz”, porque parece que não pode deixar desligado que mofa por dentro e tal, porque quem sabe eles já mandam a geladeira e o microondas para outro lugar. 

E a TV dela, ela falou: “Andréia, só depois que eles forem embora que eu vou ver se teve algum dano e tal, porque o menino quando ele chega da escola até de noite ele fica no videogame” e as vezes que eu peço para ver televisão está todo mundo na sala. Quer dizer, eu não consigo ver em paz e no meu quarto não tem onde botar a televisão, que é uma televisão grande… E aí o menino fica emburrado porque ele quer assistir vídeogame… Meu sofá tá um lixo. Assim que eles forem embora eu vou ter que dar o sofá embora. Tá todo desbeiçado já, todo encalacrado e vai ter que comprar outro sofá”. Eu perguntei se a Letícia gostava ainda dele, ela falou: “Até gosto, mas eu vi que não tem futuro… Porque ele não está trabalhando e eu não vou ficar segurando a onda dele pra ele poder empreender com esses caras”. A família dele já não tem pra onde ir, assim, né? E aí a questão é: E se eu tirar eles daqui e eles forem pra rua?”. Não mandou as coisas lá pra casa da tia? Aparece lá na casa da tia com a geladeira, o microondas e já fica por lá, que aí é parente.

[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, Não Inviabilizers, eu me chamo Amanda, sou pernambucana, mas resido em Palmas. Letícia, que realidade paralela é essa, minha irmã? Isso além de ser absurdo, porque eu fiquei extremamente angustiada só de escutar sua história, imagine você que está vivendo… Pensa em você. Eles são ardilosos, ainda é uma situação além de absurda, extremamente perigosa, porque são pessoas, é uma família inteira que você não conhece. Hoje mesmo eu juntaria polícia, advogado, minha família e meus amigos e eu fazia uma procissão dentro desse apartamento para arrancar esse povo de lá e colocar na rua. Não importa se eles não têm onde ficar lá, não é você que tem se preocupar com isso, é seu namorado que nem emprego não tem, nem um serviço não tem pra tirar a família dele da rua. Junte todo mundo, minha filha, se jogue pra fora. Se liberte. 

Assinante 2: Oi, meu nome é Maria, sou aqui de Brasília e, olha, essa história me lembrou daquele filme “mãe”, que simplesmente era uma casa com duas pessoas e ficava invadindo, gente, ficava parecendo um monte de gente, até que a situação se tornou descontrolável… E, realmente, a nossa heroína está passando por esse problema e a solução, querida, é simplesmente jogar a real no seu namorado e acabar esse relacionamento. Porque, sinceramente, do jeito que você está pra pegar o ranço é daqui para ali. Já tá começando o ranço, né? Mas assim, não está tão instalado assim… Quando ele for totalmente instalado, a situação vai ficar muito pior, você vai começar a ser insuportável e as pessoas vão começar a dar razão para essas supostas vítimas que invadiram sua casa. Então, é melhor acabar tudo com isso e eles vão dar um jeito, são todos vacinados e vai dar tudo certo. Então, força… 

[trilha]

Déia Freitas: Se a Letícia for ficar pensando que eles vão pra rua — que eu acho pouco provável, pouquíssimo provável —, você vai fazer o quê? Faz sua mala e muda você. Não tem outro jeito, tem que pôr prazo… Já que você não quer expulsar, chegar lá amanhã e falar: “Olha, vão sair daqui amanhã”, se você não vai ter coragem de fazer isso, dá um prazo e depois você volta aqui para contar pra gente o desfecho. É isso… Então comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis com a Letícia. Um beijo e eu volto em breve.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.