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título: cuidado
data de publicação: 18/02/2022
quadro: picolé de limão
hashtag: #cuidado
personagens: meire e maneco

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão, e hoje vou contar para vocês a história da Meire. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha] 

A Meire ela estudava numa escola técnica, — Isso no final dos anos 60 ali, quase começo dos anos 70. — e era muito difícil — Na época, né? No lugar onde a Meire morava. — que uma garota conseguisse continuar os estudos, principalmente no ensino técnico, mas a Maire tinha batalhado e tinha conseguido uma vaga. Só que ela tinha que trabalhar o dia inteiro, porque a família dela não tinha condição de mantê-la estudando sem que ela trabalhasse, né? — Por mais que a escola técnica fosse gratuita. — Tinha que pagar o ônibus, enfim… Então ela tinha que trabalhar. Então ela estudava, não chegava a ser tão noite… Ela saía oito horas da noite da escola e pegava o ônibus e ia para casa. 

E, nesse dia específico, era um dia de muita chuva. Então, imagina assim, já estava escuro, [efeito sonoro de chuva caindo] não tinha gente na rua e estava chovendo muito. Eram umas oito e meia da noite e aquela chuva, aquela chuva… E a Meire desceu do ônibus, abriu ali o guarda-chuva e foi seguindo para casa, ela teria que andar ali uns três quarteirões até chegar na casa dela. Conforme ela foi andando — E estava chovendo, então ela apressou o passo. — ela percebeu que tinha um cara que também estava andando na mesma direção que ela do outro lado da rua, ela ficou assustada e apressou um pouco mais o passo. [efeito sonoro de passos rápidos] 

E esse cara apressou o passo também… E aí a Meire não sabia se corria ou se fingia que não estava vendo o cara. — Porque vai que ele passa direto e tal. — E, enquanto ela pensava no que fazer, esse cara atravessou a rua e começou a andar do lado da Meire. E aí a Meire se preparou pra gritar ou pra que alguma coisa acontecesse, quando esse cara falou: “Oi”, e aí a Meire assustada ainda falou: “Oi”, ele falou para ela: “É meio perigoso você andando sozinha aqui nesse horário”, e aquela chuva, aquela chuva… — O cara de guarda-chuva, ela de guarda chuva.. — e ela não respondeu e ele falou de novo: “Você não acha que é perigoso você andando sozinha esse horário?” 

E aí a Meire criou coragem e olhou pra cara do cara e respondeu só que sim, assim, com a cabeça, já apavorada… E quando ela olhou para o cara, ela percebeu que era um cara mais ou menos um pouquinho mais velho que ela, era um cara interessante… Só que tinha um quê de assustador na situação, porque estava uma chuva, não tinha ninguém na rua e um cara abordando ela… E aí o cara foi com ela até a porta da casa dela e falou: “Olha, que bom que você chegou”, né? — “Então você mora aqui”. — “Toma cuidado, não fica andando sozinha noite que é perigoso” e o cara foi embora. 

Passado ali uns dois dias, no serviço da Meire ela sai ali na hora do almoço para dar uma volta — Porque ela comia na empresa mesmo, né? Ela levava marmita. — e aí encontra esse cara de novo. E esse cara fala pra ela assim: “Oi”… — E ela não tinha dito o nome dela, né? — “Ah, você é a garota que eu encontrei na chuva. Qual o seu nome?” — E aí, assim, como era, tipo, meio dia e estava sol e tinham pessoas na rua, a Meire não viu problema em responder, né? E aí falou, né? “Meu nome é Meire e tal”, ele falou que o nome dele era Maneco. — E aí a Meire pensou “Ah, deve ser Manoel e ele tá falando Maneco”. — E eles começaram a conversar… 

Dali dois dias — Na hora do almoço. — esse cara apareceu de novo para conversar com a Meire. [música de tensão] Assim, a Meire tinha achado ele bonito, né? — Só que é aquela coisa que eu sempre falo para vocês, a gente tem que confiar no instinto da gente. — E por mais que estivesse de dia, tivesse gente na rua e ele fosse bonito, a Meire achava que tinha alguma coisa errada? — Sabe quando você sabe… No fundo você sabe que tem alguma coisa errada. Então, A Meire sabia que tinha alguma coisa errada. — E nesses dias ela tinha falado pro pai dela, né? Que ela estava com medo de voltar sozinho, o pai dela estava indo buscar a Meire no ponto de ônibus à noite. 

Então ela começou a encontrar sempre esse cara na hora do almoço, ali no trabalho dela… — E era muita coincidência, né? O cara aparecer no trabalho dela. — E era na época que, assim, os namoros, se fosse acontecer um namoro, alguma coisa, esse cara teria que falar com o pai da Meire… E eles conversando, né? Ela já interessada. — Porém com essa pulga atrás da orelha. — Esperando pra ver se ele falava alguma coisa do tipo: “Ah, eu quero conversar com seu pai, te pedir em namoro”. Isso sem acontecer absolutamente nada, gente, entre eles, mas eles conversavam de um jeito já, assim, com mais proximidade, né? 

Até que um dia esse cara sumiu, desapareceu… A Meire ficou, assim, sentida e, ao mesmo tempo, aliviada. — Estranho isso, né? — Ela não tinha nada com ele, mas ele aparecia ali no trabalho dela na hora do almoço e ele ficou sumido um tempo. E aí a Meire seguiu com a vida dela, e o pai dela esperando ela todo o dia ali no ponto de ônibus, né? Um dia ela está em casa fazendo a unha, ela fazia a unha ali junto com a irmã em final de semana, sabe? Escutando o rádio… E aí no rádio falam que tinham prendido um maníaco que tinha assassinado duas moças ali no bairro dela. — E era, assim, um caso que ela já conhecia. — e ela escutou aquilo e “Nossa, prenderam e tal” e nisso, a vó dela que morava com eles falou: “É, saiu no jornal” e foi pegar um jornal e falou: “Olha ele aqui”. 

Quando a Meire olhou a foto do cara que tinha sido preso — E que tinha assassinado duas garotas. — era esse cara… Esse Maneco. O nome dele não era Maneco e ele estava no jornal. Gente, essa história me deu um arrepio na alma quando eu li, porque nesse dia da chuva, o que será que motivou esse cara a não atacar Meire? Ou será que ele fazia tudo isso antes de atacar alguém? De, sei lá, ela se aproximar e, sei lá, ganhar confiança. E aí como o cara tinha sido preso já, tudo, a Meire ficou quieta. Ela não falou nada assim em casa, não falou nada para família e tal que ela conversava com esse cara… — Porque qual era uma o medo dela? De, tipo, sei lá, apanhar do pai, ficar de castigo… Que mesmo ela já sendo uma mocinha, naquela época rolava isso. — 

Então ela ficou quieta, ficou apavorada… Passou, assim, anos assustada e fazendo o pai dela buscar ela em tudo quanto é lugar, né? Esperar no ponto de ônibus… E, gente, já pensou esse dia de chuva, ela encontrou o assassino de garotas… — Tinha assassinado duas, né? — E ele acompanhou ela até em casa. Eu não sei o que pensar assim, além de todo o risco, de todo o medo envolvido… Que história… 

[trilha] 

Assinante 1: Oi, gente, oi, Déia, aqui quem fala é Milene, eu falo do Rio de Janeiro. Meire, que história a sua, minha nossa… Eu não sei se você tem uma religião, mas independente da sua religião, eu ia agradecer muito… Agradecer a Deus, Jesus, Alá, Buda, aos mestres protetores, ao anjo da guarda, aos orixás… Eu não sei o que você iria agradecer, mas assim, eu já estaria agradecendo muito tempo, porque você foi muito protegida, olha do que você se livrou. Garota, é como se você tivesse ganhado uma nova vida, meu Deus… Ainda bem, ainda bem que nada aconteceu. 

Assinante 2: Oi, gente, oi, Déia, eu sou Ana Cristina, sou natural de Belo Horizonte. A gente sabe que a maioria dos crimes cometidos contra mulheres acontecem dentro de casa e são praticados com pessoas de confiança dessas mulheres, né? No caso de assassinos em série também é comum que eles estabeleçam alguma relação de proximidade com as vítimas antes dos ataques. Por sermos mulheres, é muito importante que a gente pense e fique atenta em formas de nos proteger, de nos cuidar. Isso é muito diferente, obviamente, de culpar as vítimas quando acontece alguma coisa, isso é abominável e não deve ser feito, mas a gente precisa ficar atenta e, o que pudermos fazer para estarmos seguras, é muito importante. Então, no primeiro sinal de estranhamento, de desconforto com determinados comportamentos, essas coincidências de “ai, apareceu na minha porta, agora apareceu no meu trabalho, agora apareceu aqui na minha rua e tal”, sai fora… sai fora. Que bom que está tudo bem com a Meire e que fique tudo bem com todas as ouvintes aí do Picolé de Limão. Um beijo. 

Déia Freitas: Então é isso, a Meire está lá no grupo, então sejam carinhosos. Eu fiquei… Essa história… Eu confesso que essa história me apavora, assim, ela andando e ele andando e a chuva… Medo. Essa história tá no Picolé de Limão, mas eu não sei, deveria ser um Luz Acesa, né? Porque é apavorante. Um beijo, gente, eu volto em breve. 

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.