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título: depressão
data de publicação: 08/04/2022
quadro: alarme
hashtag: #depressao
personagens: gabriela

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Atenção, Alarme. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. E cheguei para mais um episódio do quadro Alarme. O tema de hoje é depressão, e eu não estou aqui sozinha, eu estou aqui a convite da Janssen. — Meu publi. — [efeito sonoro de crianças contentes] Para falar do movimento Falar Inspira Vida. Esse movimento Falar Inspira Vida tem por objetivo mudar a visão das pessoas sobre depressão. — E como que a gente vai fazer isso? — Trazendo informação correta, informação qualificada. — Porque, gente… — Depressão não é frescura. — Sabe? — Muito menos falta de religiosidade, por exemplo. Depressão é uma doença e, assim, uma doença com base biológica e com vários outros fatores que influenciam, e tem tratamento. Então, eu vou deixar o link aqui do movimento Falar Inspira Vida. — Na descrição do episódio. — 

Mas se vocês quiserem já dar uma corrida lá é: falarinspiravida.com.br. E hoje eu vou contar para vocês a história da Gabriela. Então vamos lá, vamos de histórias. 

[trilha] 

A Gabi é uma mulher preta, linda, de 27 anos, que trabalha num banco aí. — Que a gente vai chamar de Banco Pônei — E no Banco Pônei, ela acabou de receber uma promoção. [efeito sonoro de fogos de artifício] — E a gente sabe, né? Quem trabalha em banco sabe que para vir uma promoção ali precisa de muito empenho, estudo, hora extra… — E a Gabi sempre curtiu o trampo dela, ela sempre gostou de produzir muito, de estudar finanças. — Sempre que eu falo a palavra “finanças” eu lembro da Nath, um beijo Nath Finanças. — E a Gabi sempre recebeu muitos elogios assim, né? Entre os colegas e os chefes… E todo mundo se sente muito confortável perto da Gabi. 

Acontece que, de uns tempos para cá, nada estava fazendo muito sentido, assim, na vida da Gabi. — Sabe? — Mesmo essa promoção que ela recebeu… Ela curtiu? Curtiu, mas ela não conseguiu comemorar. E ela meio que não entendia porque ela não estava na vibe, sabe? E aí, poxa, você acabou de ganhar uma promoção, te dá um gás, né? — Você fica assim mais felizinho, né? Mais animado. — Com a Gabi acontecia o contrário, assim… Ela já vinha nessa vibe mais para baixo mesmo e, nas reuniões que ela tinha ali online, ela não conseguia prestar atenção, o rendimento dela começou a cair mesmo no trampo assim… E a Gabi começou a sentir muito sono. — Muito sono mesmo. — E, assim, a sorte é que ela ainda está em home—office. — Até agora ela está em home office. Então, assim, a função que ela que ela tem no banco permite que ela ainda fique em home—office. — 

Só que está todo mundo empolgado para voltar. — Ela tem uma turma boa no banco assim, eles saíram para almoçar, para conhecer restaurante novo, né? Aí juntava lá para fazer fofoca, comia um bolo à tarde… — E, estranhamente, a Gabi não quer voltar. — E ela não é assim, sabe? — Ela não está sendo ela. Só da Gabi pensa em sair de casa e ir trabalhar, ela já perde total o ânimo assim. — E tudo bem, gente, sabe? Vez ou outra a gente fica assim, mas virou uma constante na vida da Gabi. — Até que um dia, ela estava lá na casa dela [efeito sonoro de campanhia tocando] e chegou o Edu. — O Edu, um homem preto lindo, namorado da Gabi há quatro anos e, assim, os dois muito, muito, muito cheios de planos… — 

E ele chegou e disse pra Gabi que tinha uma surpresa… — Ê, Edu… Vocês já sabem que eu odeio surpresa, né? [riso] Mas a Gabi ama, sempre gostou de surpresa. E ele resolveu fazer uma surpresinha pra Gabi… O que era essa surpresinha? — O Edu pediu a Gabi em casamento. [música de casamento] E, assim, era tudo o que ela queria… — Há uns tempos atrás… — E agora, assim… — Ela ficou feliz? Ah… — Aceitou? Aceitou. Contou para a família, todo mundo vibrou, fez post no Facebook, mas assim, no fundo, no fundo, ela meio que não sentiu muita emoção. — Em nada. Porra, e o Edu sempre foi um cara parceiro, sabe? Cúmplice mesmo assim, os dois ali lado a lado? — E ela não conseguiu animar mesmo, não conseguiu curtir esse pedido de casamento assim com a intensidade que ela curtiria. 

Gabizinha também no começo do ano — Deste ano agora. — foi num abrigo e adotou um cãozinho muito parecido com o Kiwi. — Muito parecido. — E ela deu o nome para o cãozinho de “Norberto”. [efeito sonoro de cachorro latindo] E, assim que ela adotou o Norberto, ela tava feliz pra caramba, eles passeavam bastante, ela comprou vários brinquedos… — Sabe, animada? — E aí também com o Norbertinho, de uns tempos pra cá, ela deu uma desanimada… Ela ama ficar com ele ali deitadinha, conversando com o Norbertinho, mais sair, passear com ele, sabe? — Dar uma espairecida? — Ela não estava conseguindo muito mais… [música de tensão] Então era mais ela ali fechadinha com o Norbertinho, no carinho… 

Mas sair, ver gente, levar ele a altos passeios como ela fazia antes, não… Era só assim, mais o básico ali do passeio. — Porque ela sabe das necessidades do cãozinho que ela tem e tal. — E até com o Norbertinho, — Mesmo amando, amando muito, ela deu uma desanimada. — E, assim, né? A gente sempre tem ali uma amiga ou outra que saca mais a gente, né? E a Gabi ali — Com uma amiga chamada Elaine… — conversou com Elaine e falou: “Puts, eu não sei o que está acontecendo comigo, eu não consigo sentir nada, parece que eu estou vazia de sentimento assim, não consigo me animar com nada”. E a Elaine que já vinha meio que sacando a Gabi falou: “Gabi, terapia. Procura uma terapeuta, começa uma terapia… Porque já tem um tempo que eu queria te falar isso”. — Terapia. — 

E aí a Gabi foi lá, pesquisou, achou uma… — Ela queria uma psicóloga preta. — Achou e começou a terapia. Terapeuta incrível, a conversa foi evoluindo… Só que chegou uma hora que a psicóloga falou pra Gabi: “Você precisa de um complemento”. — No seu tratamento. — “Eu aqui sozinha eu consigo lidar com você, com as suas demandas até certo ponto, mas você precisa de uma medicação para ajustar algumas coisas aí no seu organismo mesmo, e a gente conseguir aproveitar melhor essa terapia. Então eu vou te indicar aqui uma psiquiatra, vou te dar o contato e eu gostaria muito que você fosse conversar com ela”. E aí a Gabi saiu ali da terapia meio bolada, né? — Tipo: “Psiquiatra? Mano, não eu não tô louca, o que eu vou ter que ir no psiquiatra agora?” — 

E aí conversando de novo com a Elaine, — Aquela amiga dela. — ela falou: “Não, tem que ir imagina, normal, vamo que vamo. Vamos no psiquiatra e tal”. E aí Gabi marcou e foi, conversou lá com a psiquiatra, falou como ela estava se sentindo assim… Que antes ela tinha prazer em fazer as coisas e hoje em dia, assim, coisas que davam muito prazer para ela, que ela ficava muito feliz, ela não sentia nada… — Ela não tinha nem ânimo para fazer. — E aí depois de conversar lá com o psiquiatra e tal, ela passou umas medicações pra Gabi. Gabi começou a tomar e não achou que melhorou… Ela voltou de novo na psiquiatra, a psiquiatra ajustou ali as doses, os tempos… — De quanto em quanto tempo ela ia tomar a medicação. — E também continuou do mesmo jeito. 

E aí a Gabi já começou a ficar irritada, tipo: “Não tem jeito… Eu não tenho conserto”. — Consertou bem entre aspas. — E a amiga ali e o Edu também, — O noivo. — todo mundo: “Não, paciência, é assim mesmo, precisa de ajuste e tal”. Só que ela não queria mais voltar… Mesmo a psicóloga falando: “Não, você tem que ir, tem que ajustar a medicação pra gente dar continuidade aqui no trabalho com maior aproveitamento e nã nã nã”. E aí até que a Elaine falou: “Eu vou com você”. — “Eu vou com você, vou entrar lá com você no psiquiatra, vamos juntas”. — E, assim, antes disso, a Gabi tinha ido na casa da mãe dela, — Tipo num domingo, né? Comer… — e a mãe dela tinha feito a comida que ela mais gosta — Para os ouvintes aí do podcast eu vou falar que a comida que ela mais gosta é o rondele especial [trilha do podcast] [risos] — 

E aí a mãe da Gabi fez ali o rondele especial e ela nem conseguiu comer. — Estava sem vontade. — E aí a mãe dela meio sem paciência, falou: “Você tem tudo… Você tem um bom emprego, você nunca passou dificuldade, você tem um noivo que te ama”… — Como se assim… Como se a Gabi não estivesse se esforçando pra estar feliz ali com tudo o que ela tinha. — E aí como ela viu que a mãe dela falou: “O que mais que você quer? Você está com frescura e nã nã nã”, ela falou: “Bom, daqui já vi que não vai sair a ajuda que eu preciso”. E aí tanto a psicóloga quanto a psiquiatra, tinham falado pra Gabi: “Mano, faz um exercício físico, você não gosta de fazer alguma coisa? Vê alguma coisa aí pra movimentar o corpo e tal”. 

E a Gabi falou: “Bom, é só o que está faltando, né? Vou procurar aqui uma coisa que eu queira fazer e vou atrás”. E a Gabi foi lá, se inscreveu numa academia. — E pensando ali no que a psiquiatra tinha falado para ela da serotonina, né? Que “não, o exercício vai te ajudar, você vai ficar mais bem humorada e vai ter uma sensação de bem estar maior e tal”. — Só que Gabi já estava num ponto que ela não conseguia, mesmo medicada, não tinha ânimo para sair da cama… [música triste] Não tinha ânimo mais nem para fazer esse passeio básico com o Norbertinho ali pelo quarteirão. Ela estava nesse ponto assim… 

O Edu muito preocupado foi lá, comprou a comida que a Gabi mais gosta [riso] no restaurante. — O rondele especial. — E trouxe assim, querendo animar, querendo saber o que mais que ele podia fazer… E ela também não conseguia comer, ela já estava, assim, desesperada… Porque ela estava tomando o remédio, o remédio não funcionava, ela ia na terapia, a terapia também não estava ajudando tanto e o Edu ali fazendo tudo que ela queria, mas ela não conseguia corresponder… — E lembra lá da Elaine? Que a Elaine falou: “Não, a próxima consulta eu vou com você”?” — E assim a Elaine fez… Pegou na mão ali da Gabi e falou: “A gente está juntas e vamos lá, eu vou com você… E, assim, não é para você chegar lá e comentar por cima, você tem que falar tudo… Tem que falar que você não está melhorando nada com os remédios que ela passou, tem que contar tudo”. 

E aí lá foram elas… — Lá no consultório do psiquiatra. — A Gabi explicou que ela não estava melhorando nada e que, assim, o medicamento não estava funcionando. E depois de conversar bastante, analisar ali as circunstâncias, a médica identificou o tipo de depressão da Gabi. E a Gabi tem um tipo de depressão que chama DRT. — Depressão Resistente ao Tratamento. E, gente… A Gabi foi três vezes ao psiquiatra antes de descobrir o tipo de depressão que ela tinha. — E isso é uma condição muito mais comum do que a gente imagina. Tipo, de três pessoas diagnosticadas, uma tem esse tipo de depressão. — Que é Resistente ao Tratamento. — E aí junto ali com a psiquiatra, a Gabi conseguiu encontrar um medicamento que realmente começou a fazer efeito para ela. — Porque é aquilo, né? Cada pessoa é uma pessoa… Às vezes o medicamento que é bom pra mim não é bom para você, não funciona para você. O que funciona para você e você fica super bem, não funciona para mim, vai me dar sono, vai me dar um rebote, entendeu? Então, assim, cada organismo funciona de um jeito, né? Não existe uma fórmula só para todo mundo. — 

E aí a Gabi pesquisando sobre esse tipo de depressão, — que é Resistente ao Tratamento. — ela chegou até o site do movimento Falar Inspira Vida e foi aí que ela descobriu o site e, lá no site, tem um jogo que chama “Jornada do Acolhimento”, que é um game mesmo assim e é super sensível e tal, que mostra como é a caminhada de uma pessoa com DRT. — Com Depressão Resistente ao Tratamento. — E aí ela foi ali vendo o passo a passo e tal, vendo como outras pessoas também se sentiam e foi ali falando: “poxa, não estou sozinha nessa, tem outras pessoas assim também, né?”. E aí a Gabi ali com o apoio da amiga e do noivo, tomando a medicação… — Que vocês viram aí quando ajustes até chegar na medicação correta, né? — 

Tomando a medicação, fazendo terapia, ela foi ali voltando para a qualidade de vida… — Que ela tinha. — Hoje ela já passeia de novo com o Norbertinho, né? Aqueles passeios longos, aquelas caminhadas que ela gostava de fazer com ele, ela voltou a fazer. Ela já voltou a cozinhar com um noivo, que é uma coisa que ela gostava também bastante de fazer e, pasmem, Gabizinha já quer sair do home—office, [efeito sonoro de crianças contentes] quer voltar pro banco pra encontrar a galera ali. — E dar uma focada também, né, Gabi? Que eu sei. — E o mais importante de tudo isso é que, assim, a Gabi sabe que ela tem com quem contar e que ela está ali amparada, né? Ela tem uma rede de apoio, tem uma psicóloga, tem uma psiquiatra, tem a amiga, tem outros amigos também… — E, gente, assim… Não ter ânimo um dia ou outro, ficar triste um dia ou outro é ok. Não é ok a gente tá assim todo dia. Aí não é ok, entendeu? — 

E, assim, tudo é depressão? Não. — Não. — Não é assim que funciona… Mas você tem que investigar para saber se o que você está sentindo, se você se sente assim como a Gabi todo dia, você tem que ver se é depressão ou não e, para isso, você tem que ir procurar um psicólogo, um psiquiatra para te ajudar nisso… E a gente acha que essa sensação de viver sem ânimo aí, “ah, tá legal, uma hora eu melhoro”… — A real é essa, gente… Não precisa se sentir assim. — Ou às vezes você vai no psiquiatra e pega um remédio lá e melhora um pouco, — Fica ali meia boca, sabe? — E fala: “Ah, tá bom já” e não, sabe? Volta lá, muda seu remédio, ajusta o seu remédio até você voltar a ficar legal. — Sabe? — 

Porque é para isso que o psiquiatra está lá e é para isso que a sua terapeuta está lá, para conversar com vocês também, para te ajudar aí nessa caminhada. Então, não se contenta com meia boca, não acha que é normal você ficar assim como a Gabi tava, porque não é. Com ajuda médica adequada, com psicoterapia, às vezes uns lances aí que você muda na sua alimentação, uma atividade física que você faz, sabe, já te ajuda a melhorar a qualidade de vida, sabe? Você não precisa viver assim como a Gabi estava, procura ajuda. E se aquele profissional não deu certo, se aquele remédio não deu certo, procura outro. É isso. 

[trilha] 

Déia Freitas: Agora vocês vão ouvir três profissionais comentando a história da Gabi: o médico psiquiatra e pesquisador do Departamento de Psiquiatria da Unifesp, Dr. Elson Azevedo, a psicóloga Karen Scavacini, fundadora do Instituto Vita Alere de prevenção e posvenção ao suicídio, e a pesquisadora, neurocientista e farmacêutica da Janssen, Karina Gomes. 

[trilha] 

Elson Azevedo: Olá, eu sou Elson Azevedo, sou psiquiatra e pesquisador do Departamento de Psiquiatria da Unifesp e, atualmente, sou diretor técnico do CAISM da Vila Mariana, que é o hospital-escola desse departamento. Uma coisa muito interessante na história da Gabriela é que, através dessa história, é possível reconhecer vários aspectos fundamentais no cuidado com a depressão, tanto em relação ao diagnóstico quanto em relação ao tratamento. Mas a gente não pode também perder de vista a uma frase que eu ouvia dos meus antigos professores que é: “Não existem doenças, existem pessoas que adoecem”. Então, ainda que um fio condutor aí dessa história a gente possa extrapolar para cada pessoa com depressão, obviamente, cada pessoa é única e a história de recuperação pode ser diferente para cada uma delas. 

E em relação à Gabriela, talvez a primeira coisa a se notar é que ela é muito produtiva. Ela é dedicada e esse esse aspecto dela nos ajuda a reconhecer que depressão não tem nada a ver com fraqueza. Algumas pessoas falam assim: “Ah, eu sempre fui forte, então não vou ter depressão”, pelo contrário, a depressão é um problema de saúde, não escolhe em quem ela vai entrar. É um problema de saúde e ela pode acontecer em qualquer pessoa, dedicada ou não dedicada, bem sucedida financeiramente, mal sucedida financeiramente… Então, esse aspecto é interessante, que a Gabriela sempre foi muito produtiva. Talvez tenha uma pontinha aí de um aspecto considerado um fator de risco, assim, ela sempre leva as coisas muito a sério. Pode ser uma característica muito positiva, mas ao mesmo tempo pode ser uma fonte de estresse. 

De uns tempos para cá, a Gabriela começou a ter algumas alterações de comportamento. Notou-se uma queda de rendimento, um aumento do sono, uma falta de prazer nas coisas, gostava de encontrar as pessoas e deixou de querer… Um sentimento de vazio, né? Ela tem um relacionamento ótimo com o namorado que, inclusive, a pediu em casamento e nada disso teve tanto impacto emocional. Até o cachorrinho que ela adotou, o Norberto também não foi o suficiente para que ela pudesse sentir prazer nas atividades, né? É interessante essa questão do sono, porque no caso dela, ela tem um aumento de sono, uma hipersonia e essa é uma característica dos tipos de depressão que a gente chama de Depressão Atípica, porque corriqueiramente, o que acontece na depressão é insônia, né? A perda de sono, especialmente a insônia terminal, a pessoa acorda três, quatro horas da manhã e não consegue voltar a dormir. 

Esse período das três da manhã até a metade do dia é aquele período devastador da depressão. Até o Andrew Solomon, é uma pessoa que teve depressão e é um escritor, ele escreveu o livro “O demônio do meio dia”, né? Sobre esse período que é tão devastador na depressão. E aí a Gabriela comentou com uma amiga que ela estava se sentindo sem sentimentos, estava achando tudo sem graça e a amiga recomendou que a Gabi fosse procurar um terapeuta. Veja que o papel pode ser importante de alguém que a pessoa que está com sintomas de depressão possa recorrer, possa desabafar… Essa é uma conversa muito importante, que deve ser uma conversa carinhosa, entre iguais, reconhecendo que a solução que você tem para si mesmo pode não ser a solução para a pessoa. 

Mas a indicação da amiga parece que ressoou com a Gabi… Ela procurou uma terapeuta que ela se identificava e essa terapeuta, depois de uma avaliação inicial, recomendou que ela procurasse um médico. E aí vem o estigma da psiquiatria, o estigma em relação às doenças mentais… “Como assim um psiquiatra? Eu não tô doida”, como se ter problemas no funcionamento da mente fosse algum demérito, fosse alguma coisa muito diferente do que ter um problema em outra parte do corpo, ter um problema de pressão alta, de diabetes… E esse raciocínio do diabetes foi o que fez sentido também pra Gabi. Assim como pessoa com diabetes vai no médico, às vezes precisa de insulina ou outro remédio, a depressão é a mesma coisa. Então isso a tranquilizou para que ela fosse ao médico. 

E o que aconteceu com a Gabi? Ela não teve resposta às primeiras alternativas de tratamento. Isso é algo que acontece com uma porcentagem das pessoas, em torno de um em cada três pessoas com depressão têm esse quadro, que a gente chama de Depressão Resistente ao Tratamento. Ou seja, não funcionaram as primeiras e mais corriqueiras opções de tratamento. Isso quer dizer que a depressão não vai melhorar? Que é horrível e que a pessoa tem problema? Não, nada disso… É só uma característica. Como eu estava dizendo, não existem doenças, existem pessoas que adoecem. Quando na medicina a gente escolhe os tratamentos mais comuns, eles são os tratamentos mais comuns para a maior parte das pessoas nos estudos, mas a Gabi pode não ser aquela pessoa dos estudos. 

Então, existem também essas características individuais que, muitas vezes, exigem um tempo para o reconhecimento na relação médico paciente de qual é a melhor alternativa a ser tomada. E aí a Gabriela começou a se angustiar muito com isso, “Não é possível, como é que eu não melhoro?” Deve ter alguma coisa errada comigo”. Não, não tem nada errado, isso acontece, é algo esperado… Inclusive não só na psiquiatria, se você for pensar, por exemplo, na pressão alta que é um problema corriqueiro, uma parte das pessoas com pressão alta os remédios para pressão não funcionam, não vão funcionar direito nas primeiras alternativas. E aí o cardiologista vai trocando e, eventualmente, o tratamento funciona. 

Veja só, ela foi desabafar com a mãe, mas a mãe não tinha essa compreensão sobre depressão. “Depressão é coisa da sua cabeça, para de frescura” e, de certa forma depressão é coisa da cabeça mesmo. O cérebro fica na cabeça, mas é um órgão do corpo e é o órgão do corpo talvez mais sensível… O cérebro ele representa 2% do peso do corpo, mas ele consome mais de 30% por cento da energia do corpo, pele, músculo, coração, pulmão, tudo dá mais ou menos o que o cérebro consome de energia, tamanha a sobrecarga desse órgão. Então é um problema na cabeça? É, mas não é inexistente. É um problema de saúde assim como outro qualquer. 

E aí a Gabi, digamos assim, é uma paciente dedicada, então leu na internet que a atividade física é importante para a depressão e ela se esforçou, mas não tinha ânimo para sair da cama e fazer esses exercícios, né? O cachorrinho pedia para passear e ela não conseguia sair de casa… A título de exemplo, eu já tive pacientes que estavam há dias sem comer por conta de depressão e diziam assim: “Doutor, sabe por que eu não como? Eu não consigo imaginar que eu tenho a energia de pegar a comida e colocar na minha boca”, tamanha pode ser a falta de energia das pessoas que estão sofrendo com depressão. E aí também essa falta de apetite, o namorado muito preocupado e ela preocupada também da possibilidade de voltar… E aí uma amiga conversou e falou: “Poxa, mas o que está acontecendo?” e a Gabi pôde falar que não estava melhorando… 

E a amiga deu todo o suporte, “nós estamos juntas, estamos juntas… Vamos enfrentar isso, conte comigo” e essa amiga apoiou para que ela busca-se um atendimento e foi reconhecido esse quadro da depressão, que é a Depressão Resistente ao Tratamento. E aí, a partir dessa compreensão, a Gabi também reconhecendo que não era uma questão dela, não era que ela tinha algum problema, não, era algo esperado, faz parte e ela conseguiu encontrar alternativas de tratamento. A Gabi também teve contato com o material do movimento Falar Inspira Vida e especialmente a “jornada de acolhimento”, que é um game muito divertido assim para entender o que a pessoa com Depressão Resistente ao Tratamento passa… Em qualquer jornada dela, o que pode acontecer… 

E a Gabi, a partir dessa desse ponto de inflexão a Gabi começou a restabelecer sua qualidade de vida. Passeava com o Norbertinho, voltou a fazer as coisas que amava e ela sabia que tinha com quem contar. A mensagem na minha visão dessa história é, assim, que depressão tem que ser tratada totalmente. Não adianta… Porque sintomas de depressão, às vezes as pessoas consideram que fazem o tratamento, melhoraram, mas continua com sintomas e então está tudo bem, vou aguentar os sintomas para o resto da vida. Não… O importante é que a depressão tenha uma remissão completa, porque poucos sintomas de depressão já são suficientes para alterar muita a qualidade de vida. Ainda mais num quadro de Depressão Resistente ao Tratamento, quando a melhora inicial não foi significativa. Então, o sofrimento, a angústia, o desespero e a perda de qualidade de vida são enormes. Vale a pena e é importantíssimo o trabalho de reconhecer a Depressão Resistente ao Tratamento e indicar os tratamentos que têm mais evidência científica para essa questão. Então, a mensagem final é essa… Identificar adequadamente e tratar adequadamente. 

Karen Scavacini: Meu nome é Karen Scavacini, eu sou psicóloga, fundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio. Diretora científica da ABEBS e representante no Brasil da International Association for Suicide Prevention. Bom, a história da Gabi é uma história que ilustra algo que acontece com muitas pessoas quando elas descobrem a DRT e todo o caminho percorrido para chegar até o tratamento correto. Então, desde a dificuldade de entender qual era o momento de pedir ajuda, né? Quando que os sintomas que vão acontecendo durante o dia a dia significam que a pessoa precisa pedir ajuda. Então, a gente vê na história da Gabi assim vários sinais de que as coisas não fazem mais sentido, que o rendimento cai, que ela começa a ter muito sono, que o que ela gostava antes ela não gosta mais, que fazer coisas que ela fazia com muita tranquilidade começam a ficar muito difíceis… É difícil tirar o pijama, é difícil contar até para as outras pessoas o que está acontecendo, né? 

Ver então o pedido de casamento do namorado da Gabi e o quanto que isso não traz tanta felicidade como o traria numa situação comum… Traz também o Norberto, o cachorrinho da Gabi que então, desde que ele sempre foi uma alegria para ela, não consegue mais alegra—la. Então, coisas que ela fazia que antes colocava para fora, né? Colocavam para longe um humor às vezes mais difícil, que não é depressão… Eu estou falando de humor. Começa a fazer mais efeito… A Gabi também fala sobre se sentir sem sentimentos, quase como se ela não conseguisse perceber o que tem à sua volta, tanto dos afetos das pessoas que elas amam quanto do que ela sente com relação ao que acontece. É muito bom que a Gabi procurou uma terapeuta, conseguiu achar uma terapeuta preta como ela, como ela fala na história, como ela conta na história e isso a gente vê que faz diferença para muitas pessoas e a gente vê também na história da Gabi como é difícil aceitar quando há um encaminhamento para o psiquiatra. 

Muitas pessoas acabam travando nesse momento, de “para que eu preciso ir no psiquiatra? Isso não é coisa… Eu não tô doida, eu não preciso ir”. E quanto preconceito que ainda tem relacionado a esse médico, né? A esse especialista… E medo… Como se ele não estivesse lá para ajudar tantas pessoas. O psiquiatra é o médico especialista, que deve ser incluído nos casos que têm relação com saúde mental. Depois a Gabi conta toda a dificuldade dela com relação ao tratamento, como que é você tomar remédio e ele não fazer efeito, uma sensação que dá como se você fosse a culpada por isso não estar fazendo efeito, por não estar sentindo diferença. E tem pontos muito importantes da história da Gabi, como você poder falar para o médico tudo que está acontecendo, confiar nessa relação. 

Levar para ele todas as questões, de não estar se sentindo bem, do remédio não fazer o efeito esperado e de também o que ela está escutando das pessoas próximas. Porque como tem uma dificuldade de perceber afetos, de perceber a própria doença em si, você poder ouvir o que os outros trazem e levar isso para o médico é algo que costuma ajudar, tanto para o psiquiatra como, claro, para o terapeuta durante o processo. Gabriela tentou fazer esporte, ela tentou andar com o Norberto e mesmo assim nada passava… Quando muitas coisas são feitas e nada aparentemente resolve, precisa incluir aí o médico, fundamental incluir o psiquiatra nesse cuidado e que também o psiquiatra possa trabalhar em conjunto com o terapeuta e em conjunto com a família, quando necessário, para que todos possam formar uma rede de apoio e de proteção para o paciente com o DRT. 

Quando a Gabi recebe o nome do que ela tem, quando nomeado o que ela está passando, então que ela está com DRT, uma Depressão Resistente ao Tratamento e ela fica sabendo que isso atinge mais pessoas do que ela imaginava, uma em cada três pessoas, é como se abrisse aí um caminho para Gabi, como se ela pudesse perceber que tem uma alternativa e, realmente, ela faz o tratamento então corretamente e sente uma melhora, começa a ter aí uma sensação nova, começa a querer viver novamente da forma como ela vivia… E é fundamental que a gente perceba que viver mal, viver sem ânimo, viver sem prazer, viver triste isso não é normal e que tem muitas formas de lidar com isso. Tem muitas alternativas e que, não, a gente não pode desistir, né? Porque essas alternativas elas podem sim trazer alívio, elas podem trazer conforto, elas podem trazer solução, o que ajuda é muito individual, é muito de cada pessoa… 

Mas a gente sabe que fazer terapia, ter ajuda adequada, ajuda médica adequada, comer bem, fazer atividade física, ter um bom sono são coisas que, sem dúvida nenhuma, vão ajudar na qualidade de vida, vão ajudar, claro, no auto cuidado e vão fazer com que as coisas sejam mais tranquilas. Ninguém é obrigado a passar pela DRT sozinha, a gente está falando de um transtorno, ele não passa se a gente não fizer nada, se não tiver um trabalho aí em conjunto com todos esses atores e não tiver o apoio medicamentoso. Então, gente, vamos deixar o preconceito de lado, vamos buscar o psiquiatra quando precisa… E se você tem DRT, se você faz um tratamento psiquiátrico e percebe que não melhora, converse com seu médico, converse com seu terapeuta e descubra quais são os diversos caminhos que você tem para melhorar a sua qualidade de vida. Muito obrigado a todos e até a próxima. 

Karina Gomes: Olá, meu nome é Karina Gomes, eu sou farmacêutica, fiz minha carreira na área de neurociências com foco em psiquiatria, trabalhei no Instituto Max Planck de Psiquiatria como pesquisadora convidada e hoje sou gerente da área médica de Neurociências da Janssen. Depressão é uma doença que não tem uma causa única, é sabido que existe sim um componente genético, no entanto, são muitos genes envolvidos, é muito difícil de estudar… É sabido também que há vários fatores ambientais que têm uma repercussão importante no risco de desenvolvimento de depressão e também de outras doenças psiquiátricas. Por exemplo, se o contexto socioeconômico onde a pessoa vive é desfavorecido, isso contribui para a ocorrência da doença no futuro… 

Se existe exposição à violência, maus tratos na infância, enfim… Todos esses são componentes que influenciam, sem dúvida nenhuma. E existe um outro fator que é a interação do ambiente com os genes, né? É sabido que a exposição a situações traumáticas pode modificar a expressão de alguns genes e também favorecer a ocorrência não só de depressão, mas de outras doenças também. Um outro fator importante também, que pode estar alterado no nosso organismo e levar à ocorrência de depressão, são alterações hormonais… A exposição a uma situação estressora de maneira crônica, inequivocamente leva à ativação de um eixo hormonal no nosso organismo, que culmina na liberação de alguns hormônios que, por sua vez, podem provocar alterações em algumas regiões do nosso cérebro e o aumento nos níveis plasmático desses hormônios, a longo prazo pode também provocar alterações no próprio eixo hormonal que é finamente regulado, mas que pode aí sofrer uma alteração em função dessa situação de estresse crônico. 

[trilha] 

Déia Freitas: Gente, eu vou deixar aqui na descrição do episódio o link para o site do movimento Falar Inspira Vida e, lá no site, além do jogo tem um monte de ferramentas para ajudar a gente nos mais diversos tipos de situação, no ambiente de trabalho, entre jovens, tem de tudo… Valeu, Janssen, pelo convite. Um beijo e eu volto em breve. 

[vinheta] Alarme é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta] 

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.