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título: derrame
data de publicação: 26/01/2023
quadro: picolé de limão
hashtag: #derrame
personagens: mara e um cara

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão. E hoje eu vou contar para vocês a história da Mara. Então vamos lá, vamos de história.


[trilha]


A Mara ela conheceu um cara aí muito bacana e ela se casou com esse cara. [efeito sonoro de sino de igreja] E, assim, o casamento era ótimo, excelente. Eles faziam tudo juntos, assim, eles tinham uma rotina legal de final de semana, de sábado limpar a casa junto, faziam as compras juntos, viajavam… Era, assim, um casal bem parceiro mesmo. E o relacionamento durou assim uns oito anos, de boa. Até que um dia, a Mara tava no trabalho — ela estava digitando ali um relatório — e, de repente, ela começou a ver na frente, assim, dos olhos dela, um véu como se tivesse um pano entre… Ela conseguia enxergar as coisas, mas ela enxergava as coisas, mas tinha um pano na frente dela e ela não conseguia mais se mexer… E nem falar.


E aí ela conseguiu, num movimento, assim, que ela não sabe quanto tempo demorou, tombar a cadeira e cair. — Mara estava tendo o que eu tenho mais pânico na minha vida e que, meu Deus, me assombra… — Mara estava tendo um derrame. [música triste] E aí ela foi socorrida, foi levada para o hospital e ficou desacordada. Ficou um tempo sem os sentidos assim, né? E enfim… E quando ela foi voltando, — Depois ela ficou sabendo que ela ficou assim fora do ar durante nove dias. — o marido dela estava lá porque ela estava na UTI ainda e ele estava lá chorando, chorando e chorando do lado dela. E aí, assim que ela voltou, outros testes de mobilidade, um monte de coisa foi sendo feito para ver se tinha ficado alguma sequela, enfim… E a Mara estava com um lado do corpo paralisado.


Então, ela teria que fazer muita fisioterapia para ver o que era possível ainda voltar em questão de movimentos, enfim, ela ia ter um tratamento longo ainda pela frente. E o marido dela ali do lado dela, dando uma força e abraçou, chorou… Isso foi o primeiro dia dela acordada no hospital. E aí, nos outros dias — a Mara ficou internada mais 13 dias — só quem ia visitá—la ali era a mãe. O marido alegava que estava trabalhando muito, que enquanto ela ficou o período em que ela ficou desacordada, ele ficou direto ali com ela. E que agora ele tinha que compensar esses dias, mas daqui a pouco ela estava saindo e nã nã nã. No dia que ela teve alta, — porque dali pra frente era um trabalho multidisciplinar ali com vários profissionais da área de saúde, mas ela não precisava mais ficar internada, estava fora de perigo.— ele foi buscar a Mara no hospital… Só que ele não levou a Mara para a casa deles, levou a Mara pra casa da mãe dela. 


Ele já tinha conversado com a mãe dela e ela já tinha concordado de cuidar da Mara nesse tempo… O que a Mara achou? “Bom, será que ele vai me deixar aqui na minha mãe e depois que ele sair do trabalho ele passa e me pega? Como é que vai ser isso?”. E aí ele simplesmente deixou a Mara na casa da mãe dela e nunca mais apareceu. Este cara levou as roupas, os pertences pessoais, todas as coisas da Mara pra casa da mãe dela… Eles moravam num apartamento alugado, levou as coisas do quarto do casal, então um guarda roupa, cama, televisão… Montou o quarto pra Mara lá na casa da mãe dela, a Mara acabou dormindo inicialmente no quarto da mãe, porque ela precisou alugar uma cama hospitalar, né? Inicialmente… E depois, enfim, teve que alugar também nesse começo uma cadeira de rodas e tal. E esse cara simplesmente pediu o divórcio.


Enquanto a Mara não conseguia nem segurar uma caneta pra assinar os papéis do divórcio, ela teve que botar a digital. — Esse cara pediu o divórcio… — E aí o que ele alegou pra Mara? Que foi um impacto muito grande saber que ela estava paralisada de um lado do corpo e que ele não aguentou quando a viu saindo da UTI de cadeira de rodas e que ela não ia levantar da cadeira de rodas. Ele disse pra Mara que ele queria filhos… E não tinha nenhum impedimento, a Mara poderia ser mãe, ela não teve nenhum dano nesse sentido, mas ele já achou que ela não poderia mais. Enfim, né? Largou a Mara aí nesse pós derrame. Esse divórcio pegou a Mara muito de surpresa, porque eles eram muito, muito, muito parceiros e muito apaixonados… E o cara virou um outro cara assim que a Mara ficou doente.

E aí ela foi fazendo fisioterapia, foi se recuperando e foi voltando à rotina dela, retomando o trabalho… E ai o cara, quando viu que a Mara estava de novo numa boa, que já tinha se recuperado, pediu pra voltar… O bonito depois do divórcio, depois de mandar as coisas da Mara para a casa da mãe dela, depois de dizer do impacto que ele teve da Mara da cadeira de rodas e que ela não teria filhos saudáveis, — foram as palavras dele — ele pediu pra voltar. Obviamente que Mara disse que que não, né? Ela, pô, enfrentou um período ferrado aí, uma depressão, enfim, né? E aos poucos foi se tratando e resolvendo as questões de saúde que ela tinha, tanto de saúde mental quanto de saúde física. E aí, agora que ela estava bemzona, o cara querendo voltar, o bonito.


Daí a Mara disse que não, que não ia voltar de jeito nenhum, né? Em hipótese alguma ela voltaria para ele. E esse cara mandava poema, chorava… — Aquelas coisas, né? Que a gente odeia. — E, gente, passado quatro meses que ele estava tentando voltar com a Mara, esse homem sumiu… Ninguém achava ele. — E, assim, Mara não estava sabendo disso, porque a Mara não entrava em contato com ele, né? — E aí depois de quatro dias sem dar sinal de vida, foram na casa dele e ele estava morto… Ele teve um infarto tomando café — na mesa de café — e ele estava lá na mesa de café, tomando, café, enfim… E foi encontrado depois de quatro dias. Que ele teve esse infarto Numa sexta feira, aí ficou sexta o dia inteiro, né? Não foi trabalhar, e aí o pessoal não procurou. Ficou sábado, domingo e segunda…


Na segunda, quando ele não respondia mensagens, no final da tarde, né? Segundo dia sem ir pro trampo, aí resolveram ir lá e ele estava morto. Teve um infarto e estava morto. E aí a Mara se culpou, porque achou que teve infarto por causa de… — Ué, Mara, não é assim que funciona o organismo. Você não teve seu derrame e se tratou? Você não teve derrame por causa do cara. Ele teve um infarto porque, sei lá, não se cuidava, vai saber… 1000 coisas. Não foi porque você não quis voltar com ele? Não encana nisso. Ela escreveu pra gente por causa disso, que ela está se sentindo culpada de, “poxa, o cara morreu”, e enfim…  — Eu não acho que foi culpa da Mara. Lógico que não. Coisas da vida, a gente está aí… Hoje a gente está aqui, amanhã pode não estar, né? Então eu acho que foi isso.


[trilha]

Assinante 1: Oi, Déia, oi, pessoal, eu sou a Gabrielle, de Florianópolis. Começou a história e eu já imaginei, sabe? Que o marido ia abandonar ela quando contou que ele estava lá chorando, porque os homens são socializados para o abandono e a mulher para o cuidado, né? Parece que nós temos esse grande contrato, que mulheres tem que estar do lado do homem em qualquer situação, doença, prisão, qualquer coisa… As mulheres na mesma situação são abandonadas e não tem um cuidado, não são acolhidas, não tem nem 1% de empatia desses homens. Eu sinto muito, Mara, que você tenha passado por isso. Sinto muito pela perda também do marido, mas assim, bola pra frente, né? 

Assinante 2: Aqui é Ariana, fala dos Estados Unidos. Que plot twist, hein, Mara? Eu não estava esperando esse final, mas não se encana com isso, sabe? Você pensou em você em primeiro lugar e, se você ficar com esse pensamento de que você é a culpada, porque você não voltou com ele e tudo mais, isso só vai adoecer a sua mente. Eu acho que não é algo que você precisa no momento, né? Você já passou por muita coisa e não merece passar por mais isso, não é culpa sua… Jamais foi culpa sua ele ter algum problema de saúde e tudo mais. Então, o que eu tinha dito no momento é buscar terapia pra poder resolver isso com você mesma. Um beijo, fica bem, querida. 

[trilha]

Déia Freitas: Então, Mara, ó, relaxa, relaxa… Foi do organismo dele aí… Coisinhas da vida. Comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis com a Mara. Ela ficou muito encanada com isso de que ele morreu, porque, de repente, ela não deu essa chance. Mas aí também, né? Se a gente tiver que voltar com todo ex pro cara não morrer… — Antes ele do que eu, sabe? Desculpa. — Então é isso, gente, um beijo e eu volto em breve.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.