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título: desaparecido
data de publicação: 27/02/2023
quadro: picolé de limão
hashtag: #desaparecido
personagens: marlene e um cara

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão, e hoje eu vou contar pra vocês a história da Marlene. Então vamos lá, vamos de história.


[trilha]


A Marlene estava casada há 12 anos, dois filhos e ela tinha um casamento ali que ela considerava ok. A vida seguindo, ela trabalhando o dia todo, as crianças meio período na escola e meio período com a mãe dela, a mãe dela ia buscar, enfim… — Aquela ajuda familiar que a gente que é da classe C sabe como é, né? Quem está ali por perto que dá uma força. — E aí o tempo foi passando, o casamento ok, os dois ali colocando grana em casa, morando de aluguel… Um belo dia, o marido da Marlene sai pra comprar um remédio pra filha e desaparece… — E não é assim que ele fez mala, sei lá, saiu de casa, não… Ele desapareceu. Entre o caminho da casa dele e a farmácia, algo aconteceu… —  As horas vão passando, aquele marido não aparece, Marlene vai ficando preocupada, ele não é um homem que ficava em bar, né? — Porque a gente podia pensar: “Sei lá, ele ficou num bar, perdeu a hora” e a criança ali precisando do remédio pra febre…


E a Marlene tendo que lidar com a menininha ali que estava adoentada, né? Que já tinha passado no posto, mas estava precisando do remédio porque lá no posto não tinha. Falou pra mãe dela ficar com as crianças enquanto ela ia na farmácia pegar o remédio, voltava e depois ela ia sair para procurar o marido dela. E assim foi feito… E a Marlene procurou esse marido a noite toda — Inclusive indo em IML — e ele não apareceu. [efeito sonoro de tensão] No dia seguinte, ela um caco, sem conseguir fazer nada, ligou no trabalho dela, pediu o dia, né? Explicou que o marido estava desaparecido e a chefe dela falou: “Não, tudo bem, procura seu marido, né?” e deu, assim, umas instruções, tipo: “Vai na delegacia, faz um boletim de ocorrência e nã nã nã de desaparecido”. E aí assim ela fez…


Demorou pra conseguir fazer o boletim de ocorrência, só depois de três dias ela conseguiu, porque a polícia meio que fica esperando que a pessoa reapareça, sei lá, que foi um lapso, enfim… Só que ele não não apareceu e ele tinha saído só com a carteira dele e a roupa que ele tava, com a roupa do corpo. E aí sem saber absolutamente por onde começar, a Marlene começou uma busca pelo marido. E aí já tinha o B.O., esse B.O. já tinha sido aberto o inquérito ali de pessoa desaparecida. — Aqui em São Paulo é feito via DHPP, só que ela não é de São Paulo, então o contato dela era ali na delegacia local. — Tudo muito difícil… Ela ia trabalhar uns dias e aí ela saía do trabalho às seis horas da tarde e ela ia, tipo, olhar pelas ruas, tipo em pontos que tinham pessoas em situação de rua. Ela falava: “Meu Deus, meu marido perdeu a memória, deve tá caído por aí”. Aquela coisa de você ir no ML quase todo dia pra ver se o seu marido tá lá…


Ela recebeu um telefonema [efeito sonoro de celular vibrando] do IML para ir lá fazer uma verificação de um cadáver que tinha chegado, então aquele dia foi um dos piores dias da vida dela. E assim perdurou essa saga da Marlene por 43 dias… Quando deu 43 dias, ela recebeu um telefonema de um investigador que era ir até a delegacia. E aí, assim… Tremendo, gente, tremendo, mal… E a mãe dela sempre dando aquele apoio, ficando com as crianças, as crianças também muito mal, sentindo falta do pai. Ela falou: “Pronto, agora acharam o corpo dele, eu tenho que me preparar pra isso” e lá foi ela, lá foi Marlene pra delegacia conversar com o investigador. E aí chegou na delegacia, demorou demais, assim, pra ela ser atendida, ela ficou, tipo, umas duas horas lá sentada… — Passando mal já, né? 


E aí ela foi chamada para uma sala e, sei lá, ambiente de delegacia deixa a gente nervoso, né? — Pelo menos eu fico assim e a Marlene também, e ela estava nervosa e tal ali, sem saber o que ia acontecer, o que o investigador ia falar pra ela? — [efeito sonoro de porta rangendo] A Marlene já tinha ido algumas vezes na delegacia, já conhecia aquele investigador e ele já sabia de toda a busca dela. — E eu, como uma pessoa que já trabalhou há alguns anos junto com a Ivanise Esperidião, que é presidente da ONG Mães da Sé, que é uma ONG especializada em busca de pessoas desaparecidas e de dar suporte e apoio para os parentes das pessoas desaparecidas, para os entes queridos daquelas pessoas que desapareceram, eu sei bem o quanto tudo isso é horrível assim… — E a Marlene estava acabada, estava um caco e o investigador começou a falar que sabia da busca dela e que, por um lado, ela podia ficar aliviada porque a busca dela tinha acabado… E ela começou a chorar… — Porque ele estava falando de um jeito que pô, o marido dela tá morto, né? E aí veio o baque, gente… —


Ele não tava morto, ele simplesmente saiu de casa — com a roupa do corpo e os documentos — e foi morar com uma outra mulher com quem ele já tinha uma família e três filhos. — Filhos todos menores que os filhos que ele tinha com a Marlene. — É um relacionamento que ele teve depois já que ele estava com a Marlene e ele simplesmente resolveu trocar de família. E, como ele trabalhava como ajudante de caminhoneiro, assim… Então ele não tinha um caminhão, ele trabalhava no caminhão das outras pessoas, então ele era meio livre assim, nessa coisa de trampo, não tinha uma empresa fixa que ele ficava e tal, então ele continuou trabalhando normal, só que agora fazendo tudo com essa outra família. Aí o investigador falou que esta mulher estava ciente que ele era um homem casado e tal e que quando a polícia localizou ele e foi na casa dele, nessa nova casa, ele falou que ele não queria mais voltar, que ele não queria contato e a polícia não pode obrigar ninguém a ter um contato com você, né? Ele não cometeu nenhum crime na real, assim… 


E que era isso, que ele não queria contato com a família… E o investigador orientou a Marlene a procurar um advogado, porque ali tudo o que tinha que ser feito na esfera criminal foi feito, né? Ele foi localizado, ele está bem, ele está com outra família e agora é a Marlene entrar na Justiça pra fazer o divórcio, enfim, requerer pensão, essas coisas… E aí, nossa, a Marlene não conseguir levantar da cadeira, precisou tomar água, precisou ligar pra mãe dela pra mandar alguém ir lá buscar ela… E o investigador ficou com tanta pena que ele falou: “Não, eu vou te deixar em casa” e foi, deixou a Marlene em casa… Então a parte da polícia estava feita, o cara estava localizado. Ele pediu que o paradeiro dele não fosse revelado e não foi. Então, assim a Marlene teria que, via um advogado, pra solicitar qualquer coisa que fosse, inclusive o endereço dele. E aí, quando a Marlene chegou em casa, ela contou o primeiro pra a mãe, que ficou em choque também, chegou também a passar mal. — Porque ele era um cara que era bom com elas, assim… Era um marido bacana, pensava Marlene. Quer dizer, ela não conhecia o cara que estava debaixo do mesmo teto dela, né? —


E aí ela resolveu que ela ia contar para as crianças a verdade, contou… Porque estava todo mundo achando que ele estava morto, né? As crianças choraram muito, a Marlene resolveu que ela ia contar pra todo mundo. Já que o Facebook dela era só foto do marido dela, desaparecido, desaparecido e ele tava em outra cidade aí —foi a única coisa que ela descobriu pelo investigador, que era outra cidade. — vivendo a vida dele com outra família. E aí todo mundo ficou espantado, enfim… E ela teve que colocar um advogado, botou um advogado e ela teve um encontro com o marido. A Marlene encontrou o marido no fórum, numa audiência que precisou ter, que era inevitável, enfim… E ele, vocês acreditam nisso? Ele foi com a nova esposa e com os filhos dele com essa nova esposa. A Marlene não ia levar as crianças pro fórum daquele jeito… Enfim, né? — Ainda bem que ela não levou. — E aí a Marlene falou que aquele dia no Fórum ele não olhou na cara dela, não olhou na cara dela. E ela teve a certeza de que o cara com quem ela casou e passou boa parte ali do final da adolescência até a fase adulta junto, era uma mentira, que o cara era uma farsa, enfim… 


Hoje a Marlene faz terapia, toma medicação, não conseguiu se recuperar totalmente, porque realmente é um baque muito grande. — E, pior de tudo, é saber que toda a busca que você fez, as noites que ela passou olhando embaixo de viaduto, até em matagal, toda a dica que ela recebia que, sabe, que podia ser o marido dela ela ia checar. — Procurando um homem que estava vivendo a vida dele com a sua família paralela e que não teve a decência de falar: “Eu vou embora”, né? De fazer o mínimo. E aí essa é a história da Marlene, uma história muito dura, né? Uma história que mexeu muito comigo, porque eu lidei diretamente com pessoas que estavam à procura de seus entes queridos desaparecidos e eu vi aquela dor, aquele olhar vazio, sabe? A desesperança. E a Marlene passou por isso por um… — Eu não posso dizer aqui o que eu queria dizer desse cara, sabe? — Então eu vou deixar esse debate pra vocês.


[trilha]

Assinante 1: Olá, Não Inviabilizers, tudo bem? Eu sou a Ruth e falo de São Paulo. Marlene, querida, que história difícil. Mexeu muito comigo a sua história… Então, eu, como advogada, filha, sobrinha de homens, não poderia dizer que sou surpresa com a sua história, tá? A minha tia passou por isso… Um tio meu fingiu que foi sequestrado durante três dias e depois de localizarmos a gente viu que, na verdade, ele estava com outra moça. Então, eu imagino a sua dor, mas, Marlene, no fim do dia, essas coisas acontecem pra gente entender que muita coisa que acontece na nossa vida não tem a ver com a gente, tem a ver com o outro. Então, espero que você consiga seguir em frente, superar e entender que não tem nada a ver com você e com a sua linda família. Fica bem. Um beijo… 

Assinante 2: Aqui quem fala é Beatriz, eu sou de Niterói, do Rio de Janeiro. E, Marlene, eu acho muito cruel que quando uma pessoa comete uma coisa dessas, assim, nesse nível de ruindade com a gente, a gente que fique sofrendo, né? A gente que fica tentando quebrar a nossa cabeça pra entender o motivo pra achar um porquê e aquela pessoa ali segue a vida dela e, enfim, acha que a gente não merece uma justificativa. Eu espero que você seja justa com você mesma daqui para frente e que entenda que o que ele fez não tem nada a ver com você e que tem coisas nessa vida que a gente não tem que entender, a gente não tem que ser compreensiva. Então é isso, espero que fique tudo certo com você. Um beijo. 

[trilha]

Déia Freitas: Pra Marlene eu torço que a vida seja mais gentil com ela daqui para frente. É um baque, pra se recuperar não deve ser fácil, mas Marlene um dia de cada vez, um dia de cada vez e vamo que vamo. Deixem uma palavra de carinho pra Marlene lá no nosso grupo do Telegram. Se você ainda não tá no nosso grupo, é só jogar na busca “Não inviabilize” que o nosso grupo aparece. Um beijo e eu volto em breve.

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.