título: desmazelado
data de publicação: 19/01/2022
quadro: picolé de limão
hashtag: #desmazelado
personagens: gabriela e um cara
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]Déia Freitas: Oi, cheguei… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão, e hoje eu vou contar para vocês a história da Gabriela. Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]A Gabriela todo dia ela pegava uma van para ir pro trabalho. Então, assim, o bairro que ela morava não tinha muito ônibus de linha e tinha aí umas vans meio duvidosas, mas que funcionava até onde ela precisava ir e ela pegava essas vans… Um dia, — Na van. — ela viu um cara… Cara bonitinho, interessante… Então ela estava lá no fundo da van, porque ela pegava primeiro que o cara, né? E sentava lá no fundo. Ela estava lá no fundo da van, ele entrou sentou, mas ela só viu quando ele já estava sentado. Ela achou ele bonito de rosto, ele olhou, ela olhou… Só que quando ela foi descer… — Ela deu aquela geral nele assim… — E viu que ele estava meio amarrotado… — Sabe aqueles caras, assim, que são mais desleixados? Que a gente até acha bonito, mas fala: “puta cara mal arrumado”. Minha mãe usava uma palavra que eu nem sei se vocês conhecem, que é: “Desmazelado”. É, acho que era isso. Desmazelado. —
E aí esse cara era meio desmazelado assim, sem meio largado, com a roupa meio amassada, meio puída assim, meio estranho. Mas Gabriela gostou, fez um charminho, desceu… No outro dia, encontrou o mesmo cara. Ele também já no interesse, desceu junto com Gabriela. Trocaram telefone, começaram a se falar… Só que o cara andava mesmo mal arrumado, não ligava para nada e tal, cabelo até meio ensebado. — Ô, Gabriela… Ô, Gabriela, aí também já é demais, né? Mas tudo bem… — Aí Gabriela começou a ficar com esse cara. [música romântica] E aí Gabriela entrou naquele primeiro erro de ONG de macho, — Que eu já fui, você já foi e todo mundo precisa ter cuidado, porque um dia pode ser. — de querer dar uma ajeitadinha do visual do boy. — Vocês já tiveram isso também? Eu já fiz muito isso. —
Então você dá uma camisa mais bonita, [efeito sonoro de caixa registradora] você incentiva um corte de cabelo melhor, [efeito sonoro de caixa registradora], você dá um sapato que não parece um pato que tá todo desbeiçado… [efeito sonoro de caixa registradora] [risos] Você dá uma ajeitada ali, né? Um verniz no rapaz. E foi o que Gabriela fez. — Ela deu um verniz no rapaz ali. — Foi arrumando o visual dele e ele ficou bonitão. Ele já era bonito, mas ele era muito mal arrumado, muito desleixado, assim, largado. — Acho que a palavra é largado. — E aí agora ele estava mais bonito, Gabriela estava mais feliz de andar com ele na rua de mão dada. [risos]
Casal feliz, passeio no shopping, cinema… — Sabe assim coisinha de namoro? — Aquela felicidade, né? O namoro foi evoluindo… O cara que agora se via mais bem arrumado, às vezes ele via ali a foto de um tênis ou uma camiseta que ele gostou, ele mandava para Gabriela… E Gabriela achando que, assim, ia incentivar o boy a andar mais arrumadinho, às vezes ela comprava, às vezes não… — Que nem tudo também dá para comprar, a gente está falando aqui de um casal classe C mesmo. — E aí o tempo foi passando, o namoro indo bem… Até que um dia Gabriela estava lá — Na casa dela. — com uma roupa de ficar em casa… — Porque nós temos isso, roupas de sair e roupas de ficar em casa. Diferente dos ricos, né? Que tem, sei lá, roupa de gala e o restante todas as roupas são ou de sair ou ficar em casa, tanto faz, mas pobre não é assim, né? Vocês sabem. —
E aí ele chegou, — Arrumado praticamente com todas as roupas que Gabriela tinha dado pra ele. — e falou assim para ela: [efeito sonoro de voz grossa] “Nossa, você vai sair assim?” e ela falou: “Não, né? Vou me trocar ainda pra gente sair e tal”… — Como é que ele falou? — [efeito sonoro de voz grossa] “Ah bom, porque agora o meu padrão é outro”. — Oi? — Gabriela não entendeu muito bem, mas deu uma risadinha e foi se arrumar. A partir daí, dessa fala, ela passou a reparar que ele estava mais saidinho… Olhando para umas garotas assim mais estilo patricinhas, sabe? — Inha… — Assim, meninas que talvez ele não olhasse se ele não tivesse arrumadinho, mas Gabriela falou: “Poxa, isso é ciúme, né? Isso é coisa da minha cabeça”.
Mais um tempo se passou, Gabriela estava no trabalho, quando ela recebeu um print de um telefone que ela não conhecia. — Um número desconhecido. — E neste print lá estava o nosso amigo desmazelado, — Ex desmazelado, que teve aí toda uma curadoria fashion de Gabriela. — com uma moça num shopping. Então, imagina assim… — Que nem aqui, vou falar da minha cidade… Aqui em Santo André tem três shoppings, então eu vou no intermediário. Tem o mais pop, o intermediário e o mais top. Eu vou no intermediário que é mais perto da minha casa, enfim, raramente você vai me ver no mais top… Porque, enfim, é mais caro, tem um pessoal mais fresco… —
E Gabriela ia no shopping perto da casa dela com ele, que é ali do padrão deles. E, nesse print, o ex desmazelado estava num shopping, tipo… — Não chegava a ser classe A… — mas era um shopping acima do padrão deles. — E a gente sabe como que essa coisa de shopping, né? — E ele estava com uma moça que também parecia ser uma pessoa com mais posses… Gabriela não acreditou, mas era, assim, vários prints, várias fotos. — Não tinha texto. — Só que ela reconheceu o shopping, porque assim, tinha uma decoração, enfim, ela sabia onde era. — Mas ela não sabia se era a foto de agora, se ele estava lá naquela hora, se não estava… E aí ela ficou trêmula lá, falou para as amigas dela trabalho, uma até sugeriu: “Ah, será que não é montagem e nã nã nã” e aí passou, ela resolveu não ligar para ele, porque ela queria mostrar, para ver a cara dele.
E aí ela fez isso, ele foi na casa dela à noite, ela mostrou os prints e ele começou a gaguejar. E aí ele disse que tinha conhecido essa moça, [música de tensão] — Perto do trabalho dele. — e que ele estava apaixonado por essa moça, e que foi bom até que ela recebeu esses prints, porque agora ele queria terminar. Gabriela ficou em choque, porque eles estavam bem, sabe? Não tinha acontecido nada assim, né? Só que ele foi muito cruel terminando, falando que ele merecia mais… — Guardem essa frase… Ele merecia mais, ele achava que ele merecia mais. — E aí Gabriela chorou, ficou mal, mudou de van… — Para não encontrar o traste. — Passaram-se ali quase, cinco meses, ela voltou para a van que ela pegava. — Porque ela tinha que fazer outro trajeto, demorava… —
E ela está lá no fundo da van, quem que entra? — E ela tinha bloqueado, né? O ex desmazelado em tudo. Quem que entra? O mal arrumado. — Ele estava como? Mal arrumado. Por que é isso, minha gente, quando você tem uma pessoa que está ali te dando os presentinhos bons e te dizendo como você deve se vestir. — Você aceitando essas dicas, né? Porque ninguém tem que falar que roupa que você tem que usar, nada… — É uma coisa, né? É praticamente você ter uma consultora de moda ali do lado, outra coisa é você fazer isso sozinho. Então, não se sabe o que aconteceu na vida desse rapaz, ele estava ainda mais puído. [risos] Mais engordurado do que quando a Gabriela conheceu ele.
E ela lá no fundo da van, assim, deu aquela passada mal, né? Que você não está esperando encontrar. E ele quando entrou, acho que já tinha, sei lá, desencanada de procurar por ela… Mas a hora que ela foi descer, ele viu e ele desceu atrás… E aí ele chegou querendo falar com ela, pedir desculpa e tal, e ela falou que não, que não desculpável e que era para ele seguir a vida dele. E aí esse cara ali, quase em frente do trabalho da Gabriela, teve coragem — Coragem… — de falar a seguinte coisa para Gabriela: que não tinha dado certo com a menina porque a menina levou ele nos lugares que ele não se sentiu bem e ele não tinha roupa para acompanhar… E se a Gabriela, agora, relembrando os velhos tempos, não podia ajudar ele a comprar um tênis que ele queria. — Gente, sério? —
Sério que ele queria um tênis da Gabriela? E aí a Gabriela olhou para o pé dele e ele estava com aquele sapato que ele usava antes de ganhar as coisas dela, sabe? — O que ele fez com as coisas? Vendeu? Sei lá, usou até gastar? — E aí ela virou as costas, saiu andando, falou um palavrão e nunca mais encontrou esse cara. [efeito sonoro fogos de artifício] Mas assim, eu recebo muitos e-mails com histórias assim, tanto de mulheres novas como a Gabriela, que é uma jovem, mocinha, né? Como de mulheres mais velhas… E, assim, quando você dá banho de loja no cara e depois o cara, a asinha cresce e ele quer, como esse cara disse aí, alguém que ele acha que merece mais, sabe? Que ele merece mais…
Isso é uma coisa que acontece, né? E quem nunca já arrumou aí as roupinhas do namorado, do marido e… Não vamos fazer mais. [risos] — Acho que é isso… Deixa eles — Ou pega e compra no cartão deles, fala: “Tá bom, você quer ajuda ai para se vestir melhor? Quanto você tem de limite, quando você vai gastar com você mesmo?” — Né? Porque aí fica justo. — Você não precisa sair com a pessoa toda carcomida, engordurada, desbeiçada e ele gasta o dinheiro dele com ele mesmo, fica uma troca justa.
[trilha]Assinante 2: Oi, Déia, oi, gente, eu sou Stefhany e estou falando de João Pessoa. E, Gabriela, você acostumou o cara com uma ONG do look do dia, como é que isso é possível? O cara não quer nem fazer o esforço mais de fazer a curadoria das próprias roupas… Ele vai ser enquadrado pela Lei Maria da Moda aí, porque não tem condição uma coisa dessa, gente… A cara de pau de pedir tênis, que situação…
Assinante 2: Salve, salve, aqui é Nathália Ferreira, sou de Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco. E eu fiquei muito curioso com esse nome, porque normalmente a gente chama aqui de “desmazelado” ou a gente de “desmantelado”, que foi desmantelo essa história, viu? Esse homem. [risos] Mas olha, a moral da história é que beleza não é tudo, viu, meninas? Não dá para sustentar relacionamento com rostinho bonito e dá pra se vestir bem pagando pouco, né, minha gente? Porque a gente é pobre, mas a gente é limpinha e cheirosa, né? Tá aí os brechós, as roupas mais baratas aí pra dizer, né? Que a gente pode sim fazer nosso It-favela. Beijos.
Déia Freitas: Então, não façam como Gabriela. E o título do e-mail dela [risos] era: “Fui ONG de macho”. Então, que bom que agora não vai mais ser. E é isso, gente, um beijo.
[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]