título: divino
data de publicação: 21/10/2024
quadro: picolé de limão
hashtag: #divino
personagens: sara
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]
Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para mais um Picolé de Limão. — E hoje eu não tô sozinha, meu publiii. — [efeito sonoro de crianças contentes] Quem está aqui comigo hoje de novo é a Wondery Brasil e o podcast “Exaustas”. As apresentadoras Samara Felippo, Caroline Figueiredo e Giselle Itié estão cansadas e prontas para falar aí o que pensam. Em “Exaustas”, as três atrizes discutem família, maternidade, trabalho e sociedade, além de interagir com o público. Já estão disponíveis os quatro episódios em vídeo no canal da Wondery Brasil no YouTube e na sua plataforma de podcast favorita.
Novos episódios saem todas as quintas—feiras. — Eu vou deixar o link certinho aqui na descrição do episódio. — A história de hoje ela tem gatilhos mais fortes sobre violência doméstica, então ouçam com cuidado. Originalmente eu pensei em colocar no quadro Alarme, mas o quadro Alarme não é um quadro tão ouvido como o Picolé de Limão. Então ouçam com cuidado. — E hoje eu vou contar para vocês a história da Mirian. Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]A Mirian terminou a faculdade — essa história já tem mais de 15 anos e uma coisa que eu tenho que deixar pontuada é que, assim, por mais que a história tenha violência, é uma história que eu considero com final feliz, por quê? Em histórias de violência doméstica, quando a mulher não é morta, eu considero um final feliz, né? Porque em muitos casos nós somos assassinadas — e quando ela estava ali no finalzinho, no último ano, ela conheceu um cara que também estudava e também estava no último ano da faculdade dele. Ela conheceu justamente por aquelas questões de formatura, quem vai fazer, quem não vai fazer, numa das reuniões ela conheceu esse cara. E ali um interesse surgiu, conversaram, trocaram contatos, começaram a conversar pelas redes sociais e depois da formatura — na formatura eles mal se encontraram, cada um estava com a sua turma, com com seus familiares — depois de um tempo a Mirian começou a sair com esse cara.
Esse relacionamento virou um namoro, Mirian dizia que era um namoro ótimo, não tinha problema nenhum com esse cara e ela conheceu a família desse cara. Ele tinha um irmão, tios, primos que ela foi conhecendo ao longo desse namoro, mas inicialmente ela conheceu o irmão do cara, o pai — que a gente vai chamar de Seu Divino —, conheceu a mãe — que a gente pode chamar aqui de Dona Cleide — e conheceu o irmão — que a gente pode chamar de Marcos —, conheceu ali a família do cara… O Marcos dois anos mais novo que esse irmão. E a vida seguiu num relacionamento muito bom, quando completou seis meses — este cara deu ali um primeiro sinalzinho amarelo, digamos —, a Mirian marcou de fazer as unhas com as amigas… Era uma coisa que ela não fazia há muito tempo, geralmente a Mirian fazia suas unhas em casa, ela mesma e era o momento de você estar com suas amigas que você não via há um tempo e tal, que quando começa a namorar, realmente você vê menos os amigos. Se vocês não tem tantos amigos em comum, né? Que esse era o caso.
E aí ela marcou num sábado, uma hora da tarde com as amigas num salão. — Que todas iam fazer a unha, então, pensa: São seis ali para fazer a unha, vai demorar… Você vai ficar nesse salão aí até o final da tarde, converse, dá risada… — Como ela estava com a unha feita, ela deixou o celular dentro da bolsa e não olhou… Quando terminou tudo, que ela pegou o celular, ela viu ali que tinha mais ou menos 50 ligações desse cara e mensagens ofensivas. Mirian ficou muito assustada e, na hora ligou pra ele, falou onde tava… Ele fez ela fotografar onde ela tava. — Então, veja, né? Foi péssimo… Péssimo mesmo. — Ela relevou… A Mirian botou a culpa em si mesma: “Fiquei umas cinco horas sem dar notícia e ele ficou bravo mesmo, tá tudo certo”. O relacionamento seguiu, naquele sábado eles saíram a noite, ele ainda estava meio emburrado, mas ficou tudo bem. E, um tempo depois, tinha um churrasco na casa desse cara mesmo e ele passou pra pegar a Mirian e a Mirian estava de short, chinelo, camiseta… Ele pediu pra ela não ir de short, porque tinham muitos primos dele lá e ele ia ficar com ciúmes. Enfim, ela foi, trocou de roupa numa boa assim ele não foi agressivo, nada, e eles foram pra esse churrasco.
O tempo passou mais um pouco e Mirian se casou com esse cara… Teve um casamento, foi o Seu Divino que pagou ali pelas coisas e tal. Seu Divino motorista de ônibus — Mirian sempre se deu muito bem com ele —, casaram, foram pra Santos na lua de mel. — então, assim, uma coisa mais simples… Santos, Guarujá ali e foi tudo bem… — Voltaram e começaram essa vida em comum. Quando eles casaram, algumas coisas mudaram. Por exemplo, a mãe do cara ela fazia a comida dele diferente, assim… Então, digamos que ele não come lá um monte de tipo de tempero, a Mirian teve que começar a adaptar as coisas pra fazer do jeito que a mãe do cara fazia. Não tinha uma flexibilidade desse cara, tudo ele implicava com essa coisa de comida, eram regras que ele tinha na casa que a Mirian foi se adaptando, mas sempre eram regras impostas por ele. A Mirian trabalhava e saía às 18h, ele já calculava em quanto tempo ela chegava em casa. — Então, digamos que fosse 40 minutos… 18h41 ele começava a ligar… [efeito sonoro de celular tocando] E aí você pode dizer: “Poxa, o cara ficava preocupado, né?”. — Será? — Mas a partir das 18h41 já dava uma taquicardia na Mirian, porque ela sabia que com o trânsito ali, o ônibus e, sei lá, vai pegar um ônibus, às vezes atrasa, às vezes acontece um acidente no caminho de um carro que está parado na frente, enfim, você atrasa, né? Então, veja, já despertava nela uma ansiedade.
Tinha essa regra que até 18h40 se ela chegasse, estava tudo certo… A partir de 18h41 ela sabia que o telefone dela ia tocar, pra Mirian até aí também estava dentro do aceitável para ela. Mais um tempo se passou e a família da Mirian morando em outro estado… Ele já tinha ido, já tinha conhecido a família dela, mas como era longe e tinha um gasto, não dava pra ir sempre e a Mirian falou: “Olha, vamos se preparar e tal pra gente ir visitar meus pais”, aí ele falou: “Não, eu não quero ir”, aí ela falou: “Então tá bom, então eu vou ver passagem para mim e tal”, ele falou: “Não, se eu não vou, você não vai”, e aí foi a primeira vez que Mirian percebeu um tom ameaçador na voz dele… Tanto que ela percebeu o tom ameaçador, que ela não retrucou porque ali na hora era uma hora de você falar… — Se você tem um marido que você percebe que ele não vai te agredir, é a hora de você falar: “Quero ver quem vai me fazer não ir”, numa discussão normal, sei lá, de casal, né? Porque aqui eu acho que a gente já tá também num ponto bem pra lá da normalidade… Mas numa discussão que você está, sei lá, debatendo com seu marido, você fala também, né? —
A Mirian já se fechou ali e ficou meio tensa… — E uma coisa que eu digo pras minhas amigas e pras mulheres que eu conheço em geral: A gente sabe… Tem alguma coisa na gente que a gente sabe quando está em perigo. Então, veja… Numa frase dele a Mirian se calou porque ela percebeu ali uma agressividade. — Mas ao mesmo tempo que ela se calou, ela comprou a passagem pra ir ver os pais e não falou pra ele no dia que comprou. Uma semana antes da viagem, ela tinha que contar pra ele… — Então, veja, você está escondendo do seu marido que você comprou uma passagem para ir ver seus pais… Aqui a gente já percebe que tem alguma coisa errada… Se você parar e pensar e falar: “Poxa, o meu marido tá proibindo que eu vá ver meus pais? Eu estou fazendo coisa escondida porque tenho medo do que vai acontecer, né?”. — Só que não tinha mais jeito, Mirian tinha que contar pro seu marido que na semana seguinte ela ia ver os pais. — Era um feriado prolongado, então digamos que ia emendar quinta, sexta, sábado, domingo e ela ia na quarta. — Mirian pensou: “Vou fazer uma jantinha do jeito que ele gosta…”. — Daquele jeito, sem tempero, sem cebola, sem isso, sem aquilo… — “Do jeitinho que ele gosta… Vou fazer tudo que ele quer e aí eu conto”, pensando que ele ia ficar aborrecido, bravo e só isso.
Nesse dia ele chegou depois da Mirian, porque tinha esse detalhe também… Ele estando em casa ou não, 18h41 ele ligava para saber se já tinha chegado, né? Foi tomar banho e tal., ela terminou ali de arrumar as coisas do jantar e botar o prato pra ele — porque tinha isso também, tinha que botar no prato dele — e eles começaram a comer. E aí a Mirian resolveu fazer de um jeito mais casual, enquanto eles estavam comendo ali — ele sentado na cabeceira da mesa e ela do lado esquerdo dele —, ela falou assim: “Ah, então comprei a passagem pra ir ver minha mãe… Eu vou ficar só quatro dias, no domingo eu estou de volta. Não comprei passagem de volta para domingo tão tarde, então não vou chegar tão tarde”, do jeito que ele estava comendo, de cabeça baixa, ele continuou comendo e ela foi falando, falando até que o assunto morreu porque ele não respondeu absolutamente nada. E ela também continuou comendo, agora os dois em silêncio. De repente, sem dar nenhum sinal, este homem se levanta e dá um murro na cara da Mirian. — Um murro… — Um murro que a Mirian caiu com cadeira, com o prato, com tudo e apagou…
Ele tinha colocado ela no sofá… Quando a Mirian acordou, ela percebeu ali que ela não estava conseguindo ver nada do olho esquerdo e, até então, ela não tinha se olhado no espelho, nada e ela sentia muita dor… E aí ele já tava do lado dela no sofá, chorando… — Chorando. — E Mirian mal conseguia enxergar, com muita dor, não deixava que ele colocasse a mão nela e ela se levantou… [efeito sonoro de pessoa chorando] Ele levantou para tentar pegar no braço dela, pra botar ela no sofá de novo, ela se desvencilhou, entrou no quarto e trancou a porta. O celular dela estava no quarto e ela pensou: “Ligo para a polícia?” e aí aqui um pensamento que ocorre a muitas mulheres: “Se eu ligar para a polícia, eu vou estragar a vida dele… Então não vou ligar”. Mirian pegou o telefone e quem estava mais perto? Os pais do cara. Ligou para a sogra e falou: “Fulano me bateu, eu estou aqui trancada no quarto. Eu preciso de ajuda”. Na hora, a mãe, o pai e o irmão vieram para casa da Mirian. Mirian no quarto, ele agora já batendo no quarto com força, pedindo para ela abrir e sem saber que ela tinha ligado para a família dele. — Passou ali uns 15 minutos, no máximo 20. —
A família dele chegou e ele assustou… — Porque ele não estava esperando a família dele. — Seu Divino tomou a frente, entrou, olhou para o filho, olhou para a esposa e falou: “Eu não quero que ninguém fale nada, eu vou ver como é que a Mirian tá”, quando a Mirian abriu a porta que ela viu que era o Seu Divino, ela estava aos prantos e estava realmente com o rosto muito, muito inchado… O olho dela esquerdo estava fechado por causa do soco, né? Seu Divino chamou a esposa e falou: “Fica aqui com ela no quarto”. — E aí, o que vai acontecer daqui para frente é algo que não deveria acontecer… O correto é você chamar, discar 190. — O Seu Divino — sem falar uma palavra — desferiu um murro na cara do filho e começou a bater no filho, e aí o filho não reagiu, assim… — Porque eu acho que, sei lá, se o cara fosse bater no pai até ia conseguir, porque o pai já estava ali com seus 60 anos — e começou um quebra quebra naquele apartamento. O Marcos entrou para bater junto no irmão e eles surraram o cara, o próprio pai e o irmão. E as duas ficaram muito assustadas, porque ele realmente estava bem machucado e ele estava com os dois olhos inchados. E aí, nesse auê, chamaram a polícia e a polícia chegou lá… [efeito sonoro de sirene de polícia]
E aí chegou, aquela gritaria e o PM falou: “É melhor a gente ir todo mundo pra delegacia”. Chegando na delegacia, Seu Divino pediu a palavra para o escrivão e falou: “Olha, ele bateu na minha nora, olha o estado que a minha nora tá e eu bati nele”, tirou o outro filho, o Marcos da equação, falou: “Eu bati nele, ó o estado que ele tá… E pode escrever aí, que se tiver uma próxima vez, com qualquer mulher, ele vai morrer, porque eu não criei filho assim e tal”, e aí o Seu Divino começou a chorar… — Ele, o Seu Divino… — E aí o escrivão escreveu tudo lá, chamou o delegado… E aí o B.O. que foi feito? Um B.O. de violência doméstica contra o cara e um boletim de ocorrência mais simples, de vias de fato, de pai e filho. E aí ficou meio subentendido que se o cara quisesse dar queixa do próprio pai, eles iam escrever alguma coisa do tipo “legítima defesa”, que Seu Divino só se defendeu, então ia ficar ruim pro cara de qualquer forma. — E aí também o cara acho que nem queria fazer B.O. contra o pai, né? —
E aí ficou daquele jeito e o Seu Divino falou pra Mirian: “Olha, ele nunca viu isso em casa… Eu nunca fiz isso em casa, eu estou muito decepcionado com ele e eu sou capaz de matar ele… Eu sou motorista de ônibus, eu já vi muita mulher espancada, já vi mulher espancada dentro do ônibus que a gente teve que parar e ajudar e essas coisas não ficam só nisso… Ou ele vai matar você ou eu vou matar ele. Então, eu vou comprar a sua passagem e você vai de vez para a casa dos seus pais. Eu que estou terminando esse casamento de vocês”. E aí a Mirian chorou porque mesmo depois de tudo, ela gostava dele, ela queria dar uma outra chance pra ele, mas o Seu Divino tava tão bravo que ela falou: “É melhor eu aceitar essa passagem”. Então ela pegou as coisas dela, a roupa dela e depois eles iam ver o que eles iam fazer com as coisas e foi para o estado dela. — Então, quer dizer, ela tinha uma passagem pra ir, mas não foi nem esperado a passagem dela, né? O Seu divino comprou outra passagem e mandou ela antes para casa dos pais. —
Depois de um tempo ela ainda conversou com ele numas de voltar, mas quando ela chegou lá com aquela cara daquele tamanho, que ela falou: “Andréia, no caminho, no ônibus…”, que ela foi de ônibus, né? “No ônibus todo mundo me olhando, muita gente querendo me prestar algum tipo de ajuda, porque eu estava realmente deformada. E quando eu cheguei na minha casa deformada também foi aquele auê… E aí também meu pai jurou ele de morte, enfim, aquelas coisas”. Só que ela ainda escondido conversou com ele, numas de voltar… Só que tinha toda a questão do pai dela, de Seu Divino também, né? E aí acabou que meio que ela aceitou. — Ela sofreu bastante em terminar esse relacionamento, e a sorte dela é que ele não foi atrás dela. E aqui eu acho que é mérito do Seu Divino, porque ele falou: “Se você for atrás dela, você vai tomar outra surra… E agora eu vou chamar os seus tios e os seus primos e eu vou arrancar os seus dentes”, então acho que também teve esse incentivo por parte do Seu Divino pra ele não procurar. Mas o que acontece, normalmente, é que nunca se tem um Seu Divino, né? Normalmente os homens eles vão atrás e vão te ameaçar… Então é importante, esse B.O. você não consegue tirar, B.O. de violência doméstica não precisa que você represente, ele segue sozinho, mas além disso, você pode pedir uma medida protetiva… E muita gente fala: “Ah, medida protetiva não adianta”, adianta no sentido de que, se você tem uma medida protetiva e você observa que o seu agressor está por perto, você pode ligar 190 que a polícia tem que prender esse cara. —
Se depois o juiz vai soltar ou não, aí não é nem a polícia e nem você, mas você tendo uma medida protetiva, toda vez que você avistar o seu agressor, você pode ligar 190 que a polícia tem obrigação… “Ah, vai demorar meia hora para vir?”, sei lá, dependendo do bairro, demora. Então, por isso que além de você chamar a polícia, você tem que se preservar. Então, se você está vendo ele por perto, se esconde, entra em algum lugar, sabe? Ou se você está na sua casa, tranca tudo até que a polícia chegue. “Ah, mas eu vou fazer isso 10 vezes?”, Vai… 10, 20, 30… Vai fazer, né? “Ah, mas eu já fui na delegacia dar queixa do meu namorado, do meu marido e fui tratada mal”, hoje existe uma Delegacia da Mulher Eletrônica que eu vou deixar o link na descrição aqui do episódio, que você pode fazer a denúncia online e, inclusive, colocar fotos de você agredida. E aí depois um policial vai entrar em contato com você, se você não tem coragem de ir até a delegacia, né? Mas na hora que o fato aconteceu é 190, gente, que tem que ligar. É 190. Enfim… Tem isso aqui, por exemplo, no ABC, as guardas municipais elas têm um serviço que se chama “Ronda Maria da Penha”, então todas as mulheres que têm medida protetiva, a Guarda Municipal e eu acho que são uma coisa bacana, que deveria ser expandida para o Brasil todo… Vai checar essas mulheres de tempos em tempos, sei lá, uma vez por semana, uma vez a cada 15 dias, para ver se está tudo certo. Sem você chamar, sem você pedir… A Guarda Municipal vai acompanhar nessa ronda Maria da Penha.
Isso tem aqui no ABC, não sei se tem em outros lugares, né? É importante dizer também que o Brasil tem leis contra a violência, que coíbe violência contra a mulher muito boas, mais que Japão, mais que Estados Unidos, mais que Europa… Nossas leis são muito boas. Às vezes não vai funcionar porque tem homens que vão atrás da mulher até matar. E aí tem aquela questão das mulheres que ficam com dó… Ou porque têm filhos juntos, ou porque tem uma história… Não tenham dó, não tenha dó do seu agressor, do seu abusador… “Ah, tô com pena”, vai no banheiro, chora e liga para a polícia do mesmo jeito. Depois você se culpa, não importa… Mas não tenha dó, não tenha pena. Não deixe de agir. Porque também é importante o número de B.O.s que você faz, pra gente ter uma estatística também melhor de como tá isso, como tá essa questão da violência contra a mulher na sua região, no seu bairro, no Brasil, enfim… Então a gente não pode ter medo, a gente não pode ter vergonha, porque a culpa não é sua… Uma arma que eu acho que funciona também para a mulher é expor nas redes sociais. Exponha… “Ah, ele vai te processar?”, não, não pode te processar… Porque você está expondo um perigo que você está correndo, falou: “Eu fui espancada, tá aqui minhas fotos. Eu estou correndo perigo de vida” e isso coíbe muitos homens, assim, porque é uma coisa que o cara pode perder um emprego, entendeu? E é bom pra alertar também aquele círculo que o cara vive.
Porque, por exemplo, se você vê um post desse, você já fica esperta… Você fala: “Porra, esse cara que ele é um agressor, ele bateu na esposa, na namorada, enfim”. Então eu acho que não só ficar nas redes sociais, isso tem que virar um boletim de ocorrência… E você tem sim que tá aí cercada de uma medida protetiva… As redes sociais ajudam também, às vezes a pedir uma orientação, um auxílio. Bota a boca no mundo, grita mesmo. Não fica com vergonha porque a culpa não é sua. E, nesse caso aqui, quem acabou resolvendo a situação foi o Seu Divino, né? Que espancou o filho… É um caminho? Não é um caminho legalmente aceito. Foi uma dor muito grande também para um pai saber que o seu filho é um agressor, que bateu numa mulher… É uma coisa inadmissível para o Seu Divino e ele ficou muito tempo na delegacia tentando saber do próprio filho quem ensinou aquilo para ele, porque ele não viu aquilo em casa… O pai sempre falou que mulher não se bate nem com uma flor… É uma frase antiga, mas que Seu Divino usou ali na hora, na delegacia, né? Então, tem isso também… Não depende muitas vezes da criação que a pessoa teve, mas também tem muitas famílias que acobertam… Falam: “Coitadinho, bebeu…”, “Coitadinho, estava nervoso” e aqui não foi o caso, porque o Seu Divino foi para cima e o irmão, o Marcos, irmão do cara acabou também batendo no cara aí, os dois…
Então, acho que o incentivo maior para o filho foi o próprio pai que deu, né? Mas aqui é uma história fora da curva, acredito eu, né? Essa é a história da Mirian… Foi muito difícil sair desse relacionamento, ela ficou com dó dele, de como ele ficou também depois da briga, né? E ela e ela foi fazer corpo de delito e ele não quis fazer. — Acho que porque ele achou também que ele ia implicar mais o pai, né? Mas o Seu Divino divisão não estava nem aí, não, falou: “Pode fazer o que for, é meu filho, se ele bater em outra mulher, eu vou matar ele”, falou isso na delegacia… — E a Mirian tem a impressão que o escrivão nem escreveu isso lá, mas enfim, é uma ameaça né? O que vocês acham?
[trilha]
Assinante 1: Meu nome é Lívia, eu sou do Rio de Janeiro, eu sou advogada criminalista e trabalho também diretamente com casos de violência doméstica. A história da Miria é uma história, infelizmente, muito comum esse ciclo da violência doméstica, onde nós temos um momento de tensão, depois nós chegamos ao ato de violência e logo depois vem a fase do arrependimento, que a gente chama de lua de mel. Muitas mulheres elas sentem pena do agressor porque ele se mostra arrependido, ele chora, ele dá flores, mas para voltar pro momento de tensão é uma questão de tempo. Quiséramos nós, apesar das vias não terem sido corretas, mas que toda vítima tivesse um Seu Divino para se defender. Infelizmente, os casos são muito comuns e existem as medidas protetivas. É importante a gente ressaltar aqui que o agressor não precisa ter cometido um crime até que você peça medida protetiva, porque existem várias formas de violência. Basta que você sinta esses sintomas de agonia, de ansiedade, de tensão, quando ele começa a te ligar, quando ele te persegue, quando ele te afasta dos seus amigos, isso é o suficiente para você pedir uma medida protetiva. Violação de medida protetiva hoje é crime, então ele vai preso sim se ele violar a protetiva. Então, é muito importante que toda vez se conscientize disso para que esses casos de violência doméstica sejam cada vez mais raros.
Assinante 2: Oi, nãoinviabilizers, meu nome é Magda, eu sou delegada de polícia aqui no estado do Paraná. Essa história ela reflete machismo em sua essência e ela nos traz o alerta de prestar atenção em sinais disfarçados de cuidado: controle do parceiro, ciúme excessivo, eles não são normais e já se caracterizam como uma violência. O ciclo da violência doméstica ele começa muito antes de uma ameaça de uma agressão, por exemplo. E esse ciclo ele tende a se intensificar cada vez mais e diminuir o tempo entre uma agressão e outra, muitas vezes levando ao grau máximo da violência, que, infelizmente, é o feminicídio. Quanto antes a gente perceber esses sinais, antes conseguimos romper o ciclo da violência. Não se culpem pelas atitudes dos homens, não aceitem serem controladas e no menor sinal, procurem ajuda, denuncie e não se calem, vocês não estão sozinhos. Procure a delegacia de polícia mais próxima, ligue para a Polícia Militar, ligue para as guardas municipais e denuncie a violência.
Assinante 3: Oi, nãoinviabilizers, meu nome é Tatiane e eu sou juíza de uma Vara de Violência Doméstica contra a mulher. Gostaria de pontuar que o agressor de mulheres ele tem essa característica do controle… Ele controla a roupa, ele controla o horário, com quem a mulher anda, o que ela faz e chega a afastá—la da família e dos amigos. Quando a mulher não faz o que esse homem determina, há geralmente a explosão seguida da agressão. Felizmente na história da Mirian houve uma rede de apoio que a acolheu e resolveu a situação, mas é muito raro existir essa rede de apoio. Por isso é importante a denúncia para as autoridades competentes. No caso de agressão, o processo ele segue independente da vontade da vítima, mesmo que ela relate ou não queira o processo, se ela registrou a ocorrência, o processo vai até o final. E com a condenação, é possível encaminhar esse homem para um grupo reflexivo em que ele vai refletir sobre as suas condutas e isso geralmente faz com que ele não pratique outras violências. A taxa de reincidência dos homens que passam pelo grupo reflexivo ela é muito pequena e, se você tem o conhecimento de alguma mulher que sofre violência e deseja fazer uma denúncia anônima, é só digitar 180.
[trilha]
Déia Freitas: Cada semana o podcast Exaustas contará com uma discussão baseada em um tema relevante como ponto de partida, e as apresentadoras Samara Felippo, Giselle Itié e Carolina Figueiredo — junto com o público, lógico — irão trazer aí os seus próprios pontos de vista e conclusões. Ouça agora os quatro primeiros episódios… Você pode também acompanhar em vídeo. — Eles já estão disponíveis aí no canal da Wondery Brasil no YouTube. — Se você quiser só ouvir, você pode ouvir na sua plataforma de streaming de áudio preferida. Novos episódios todas as quintas—feiras. — Valeu, Wondery Brasil. Um beijo, meninas do podcast Exaustas.— Um beijo, gente, e eu volto em breve.