título: esperança
data de publicação: 01/12/2020
quadro: amor nas redes
hashtag: #esperança
personagens: felipe, fabiana, dona diná e véio da farmácia
TRANSCRIÇÃO
Déia Freitas: Oi, gente… Chegando pra mais um Amor nas Redes. Olha, o de hoje eu já vou avisando, tá osso hoje, hein? A história de hoje é do Felipe e da Fabiana, é o Felipe que me escreve. Antes de contar a história do Felipe e da Fabiana vocês tem que saber um pouco da história do Felipe, então começaremos pela história do Felipe.
O Felipe é um cara de trinta anos, tá tudo bem hoje na vida dele, mas nem sempre foi assim. A mãe do Felipe, — Que a gente vai chamar aqui de Dona Diná — a Dona Diná trabalhava numa casa de uma família que tinha uma farmácia, então era o casal, dois filhos e o cara era dono de uma farmácia. Por essas e outras da vida, a Dona Diná acabou se envolvendo com esse dono da Farmácia, com o patrão dela e acabou engravidando, e dessa gravidez nasceu o Felipe. Quando ela ficou grávida ela saiu antes que a esposa do cara da farmácia lá… — Que eu não vou dar um nome para este senhor, será o “véio da farmácia” — Então, o véio da farmácia engravidou a Dona Diná e ela saiu de lá contando com a ajuda dele, ele disse que não ia desamparar, aquelas coisas, né? — Aqueles papinhos que os caras contam quando são casados e engravidam uma mulher fora do casamento. —
Então ela saiu de lá, ela morava em um cômodozinho no fundo de uma casa alugada lá num bairro de periferia, e esse velho aí da farmácia disse que pelo menos o aluguel, água, luz, essas coisas e comida ele ia pagar até ela ter a criança e depois eles viam como ficava, ele ia ajudar em tudo, então assim, ele disse que ia bancar ela, foi o acordo que eles fizeram. Aí a Dona Diná saiu de lá da casa com o pagamento do mês, né? E ele deu mais um pouco de dinheiro pra ela, então ela passou aquele mês pagou aluguel e comeu, eles tinham combinado de se encontrar sempre, vamos por assim, todo dia trinta, não lá na farmácia, num lugar lá perto da farmácia lá numa praça pra ele dar o dinheiro pra ela, e ele não queria mais saber dela como amante, pelo que ela tinha ficado sabendo, ele já tinha colocado uma outra lá na casa e já estava de chamego, porque na casa tinha ela que era arrumadeira e tinha uma cozinheira, e quem contou isso pra ela foi a cozinheira.
No dia trinta ela foi lá no lugar marcado pra pegar o dinheiro e ele não apareceu, nada do véio da farmácia aparecer lá pra cumprir o acordo que ele tinha com ela. No dia seguinte ela voltou lá no mesmo lugar, no mesmo horário e ele não apareceu, e aí ela foi pra frente da farmácia dar uma disfarçada e ver se via ele, e aí ele estava lá no balcão da farmácia e a mulher dele também trabalhava na farmácia, ficava lá, né? Então ele deu uma disfarçada, saiu até a porta da farmácia e falou pra ela assim: “Olha, se você voltar aqui eu vou chamar a polícia e vou falar que você me roubo, e você acha que a polícia vai acreditar em quem? Em mim ou em você? Então some daqui, nunca mais aparece”, e foi assim que a Dona Diná teve que começar a se virar sozinha grávida de três pra quatro meses já do Felipe. A Dona Diná saiu de lá aos prantos e, assim, ela tinha acabado de usar o último dinheiro dela de ônibus pra ir até a farmácia então ela teve que voltar a pé pra casa e seria como — O Felipe me falou, tipo — da Praça da Sé até onde eu moro em Santo André, tipo pegar Avenida do Estado, ela demorou umas quatro horas a pé, grávida, pra chegar em casa. Chegou uma parte do caminho que ela tirou o sapato, o pé dela já estava inchado, ela não aguentava mais e chorando [som de mulher chorando] e foi assim que ela foi pra casa.
E aí ela chegou em casa e ela não tinha mais um tostão, sabia que não ia poder contar com a ajuda dele, — E pobre só se ferra nessa vida, né? — não adiantava nada ela querer fazer escândalo, qualquer coisa, que ele ia acabar armando pra ela sim e se bobeasse, ela ia parar na cadeia, ainda mais isso há trinta, trinta e um anos, né? E ela não sabia o que fazer, passou aquela noite chorando e pedindo pra Deus ajudar, e no outro dia de manhã, ela morava num cômodo só, com banheiro coletivo e a vizinha que também morava nesse mesmo quintal lavava roupa pra fora e não estava dando conta. As casinhas pequenas, a parede fininha, ela falou: “Escuta, você passou a noite toda chorando por quê?”, aí ela falou: “Eu tô sem emprego, tô sem nada, tô sem comida”, então ela falou: “Não, então hoje você come aqui e você vai começar a lavar roupa comigo”.
E foi assim, com ajuda dessa vizinha e com ajuda da cozinheira da casa lá, que a cozinheira também morava no mesmo bairro, a cozinheira trazia, isso ela já fazia antes, mas não dava pra Dona Diná porque Dona Diná trabalhava, e agora ela passou a dar, trazia sobras da comida de lá da casa, então ela passou a trazer, todo dia ela dava um jeito de fazer o prato de comida lá da casa desse verme e trazia pra Dona Diná e era assim que ela comia, ela não… — Eu já quero chorar, [voz de choro e embargada] ela não almoçava, ela só jantava, era a única comida que ela comia era comida que a cozinheira trazia a noite pra ela. —
Então ela lavava roupa o dia inteiro, a outra também era pobre, então assim, não dava pra dar comida todo dia pra Dona Diná, realmente o que ela comia era comida que a cozinheira trazia pra ela. — E a gente vai chamar essa cozinheira abençoada de Dona Fátima — Então só o que a Dona Diná comia era o que a Dona Fátima trazia, e quando a Dona Fátima, no final de semana, por exemplo, que ela trabalhava de segunda a sexta só lá na casa… Na sexta-feira, ela dava um jeito de trazer um pouco mais de comida, porque sabia que no final de semana a Dona Diná não ia ter nada, mas não dava pra trazer muito, pra tirar muito, que ela aproveitava muito era assim: Ah, as crianças não comiam tudo que colocava no prato… — Então o que a Dona Diná comia realmente era resto na maioria das vezes. —
Mas também não dava pra fazer muito, então tinha sábado que ela comia e no domingo não tinha o que comer, o dinheiro que ela recebia lavando roupa era pra pagar o aluguelzinho ali do cômodo, e pagar… Era uma taxa que pagava para o dono do terreno de água e luz, porque não tinha, né? Cada casa não tinha o relógio, era um relógio só pra todo mundo, e a mulher que lavava roupa pagava um pouco a mais porque gastava mais água, então ela tinha que dividir essa taxa com a mulher porque agora as duas lavavam roupa. Então era assim, o dinheiro que ela lava a roupa era pra isso, pra ela ter onde morar, ter luz, ter água e realmente não sobrava nem pra comer, ela tinha realmente que depender da Dona Fátima. E assim, uma vida muito dura, dura, dura e ela grávida, e lavando roupa no tanque, né? O Felipe nasceu em outubro, então pensa ali em junho, julho, ela estava lavando roupa, pegou aquele frio inteiro, lavou roupa até a véspera do Felipe nascer.
No dia que o Felipe nasceu, ela acordou que ela não conseguia levantar, aí conseguiu lá uma carona de alguém lá do bairro pra levar ela para o hospital e ela teve o Felipe. E aí ela conta que assim, no hospital, ela ficou três dias no hospital, foi o período que ela comeu melhor, porque ali no hospital ela tinha três refeições e podia amamentar o Felipe e podia ficar no quentinho ali tranquilo então… — É foda, né? — E aí ela voltou pra casa e, nos primeiros dias, ela não conseguia lavar roupa e ela ganhava por peça, então ela estava vendo ali que ia acumular aluguel, ia acumular tudo, tudo e a Fátima deu uma reforçada na comida, mas o Felipe recém-nascido chorava muito [som de bebê chorando] e a Dona Diná achava que porque o leite dela era fraco e ela ia quase todo dia com o Felipe no posto, o Felipe chorando, chorando…
E aí um dia uma pediatra lá do posto falou: “Esse menino não tá ganhando peso, você dá mamá pra ele quantas vezes e tal?”, e aí ela começou a chorar [som de mulher chorando] e explicou que ela quase não tinha o que comer, por isso que o Felipe passava fome e ela chorou muito ali na frente da médica. Era uma médica, uma pediatra jovem, recém chegada a São Paulo e a pediatra virou pra ela e falou assim: “Me conta como é sua vida”, e a Dona Diná contou, digamos que a pediatra tinha uns trinta e cinco anos? Não, eu acho que até menos uns trinta anos. A Dona Diná… — Que eu chamo de Dona Diná porque foi assim que o Felipe me contou, né? Então eu vejo como uma idosa, ela é viva, tudo, então eu não consigo chamar só de Diná. — Mas na época ela tinha uns vinte e poucos anos só, ela era jovem, o véio da farmácia também era, tinha uns trinta e poucos anos, mas de família rica… — Mas eu gosto de chamar de véio da farmácia porque hoje ele já é um velho, né? —
E essa médica era uma médica nova e a hora que ela terminou de contar tudo, ela falou: “Bom, então você praticamente o mês que vem não vai ter onde morar, é isso?”, ela falou: “É”, ela falou: “Bom, eu me mudei pra São Paulo há pouco tempo, eu moro sozinha, na minha casa tem um quarto e eu preciso de alguém pra fazer as coisas lá, você não quer? Muda pra lá com o seu filho”. — Gente, eu não aguento, eu quero chorar de novo. — A Dona Diná não acreditou no que ela estava ouvindo, né? E chorando, chorando, chorando e a médica falou pra ela: “Olha, eu preciso de alguém pra cuidar da minha casa porque eu trabalho aqui no posto e mais dois hospitais e o meu pai montou uma clínica pra mim, que eu atendo meio período ainda, duas vezes na semana. Então eu passo o dia todo fora de casa e eu sou sozinha, então eu preciso mais da sua ajuda do que você da minha”, e ela sem acreditar.
A médica pegou um papel e escreveu o endereço e falou: “Olha, amanhã eu vou deixar avisado pro porteiro, vou deixar a chave, você pega suas coisas e você pode se mudar pra lá”. — Gente, sem conhecer, sem pegar referência… — Detalhe, porque a médica nem se ligou nisso e né? Também não tinha nem como pensar nisso. A Dona Diná foi pra lá a pé porque ela não tinha… Era tipo, vai, Higienópolis que a mulher morava e a Dona Diná morava, sei lá, no Grajaú e ela saiu de manhã, chegou lá só tipo depois do almoço e foi a pé, tinha pouca coisa também, uma malinha de roupa e mais nada, umas fraldinhas do Felipe e ela se mudou pra casa da médica. E, assim, o Felipe nasceu no final de outubro e novembro foi um perrengue, dezembro ela conheceu essa médica, se mudou pra lá e aí vinha Natal. A rotina dela era muito boa lá na casa, porque a médica nunca estava quase, chegava tarde e dormia, saía cedo, e ela deixava tudo arrumadinho. A médica falou que não precisava fazer almoço nem janta pra ela, só pra Dona Diná mesmo, porque ela comia na rua.
Quando deu um mês que ela estava lá, ela mudou pra lá acho que novembro, não sei, porque foi um pouco antes do Natal que deu um mês que ela estava lá, de manhã quando ela acordou, ela acordava antes da médica, tinha um envelope em cima da mesa com o nome dela, e o coração dela já começou a bater falou: “Meu Deus, tem um mês que eu tô aqui, ela vai me demitir” e passando mal já abriu o envelope, e no envelope tinha um tanto de dinheiro, tipo um salário. E ela achou que ela fosse trabalhar lá em troca de comida e moradia, e não, era um salário, era o salário dela do mês tipo, além de tudo, ela tinha, óbvio, o salário. — Gente, então, não importa se você mora na casa, se a pessoa é boazinha, salário é importante, salário tem que ter, ninguém deve trabalhar sem um salário justo, ok? — E aí a médica acordou e ela falou: “Não… A senhora não precisa me pagar nada”. — Tem que pagar sim. — Ela falou: “Imagina, você trabalha aqui, você tem o seu salário, você quer comprar alguma coisa? Você quer que eu te ajude em alguma coisa?”, e aí a médica ajudou a abrir uma conta, e aí ela colocava um pouquinho lá e comprava as coisinhas para o Felipe.
E aí chegou o Natal, véspera de Natal, a médica ia pra Belém pra casa dos pais passar o Natal lá, ia ficar tipo um mês e comprou peru, comprou Tender, comprou um monte de coisa tipo pra dar um mês de comida, que era pra Dona Diná comer, fazer o Natal. E aí ela perguntou se ela podia chamar a amiga dela Fátima que era cozinheira, e aí ela passou o Natal junto com a Fátima na casa da médica, tipo elas fizeram uma ceia de Natal e ela passou o primeiro Natal dela bem assim, com peru, com coisas que ela nunca tinha nem quando ela estava na casa do verme lá, eles não serviam os empregados, era tudo separado. Então teve coisas que ela nunca tinha comido que ela comeu que a médica comprou e deixou lá pra elas. O tempo foi passando, o Felipe cresceu um pouco, quando o Felipe estava com quatro anos, a Dona Diná conheceu um cara e um cara muito legal… — Muito legal que a gente vai chamar esse cara de Seu João — E ela conheceu o Seu João, Seu João era o porteiro lá do prédio, era um porteiro novo que entrou e aí eles se apaixonaram.
E o seu João tinha a casinha dele, e Seu João chamou a Dona Diná pra morar junto, levar Felipe, Seu João não tinha filhos, e aí ela foi… — Ela continuou trabalhando com a médica. — Então pra ela não mudou nada, né? E agora ela tinha um companheiro bacana que era o Seu João que cuidava bem do Felipe. Só que o Felipe, desde os três aninhos, já queria muito assim o pai e perguntava do pai, queria saber do pai e ela sempre enrolando, falando: “Ah, papai tá viajando ou tá em outro estado”, “Seu pai é caminhoneiro”, cada hora ela inventa uma desculpa. E com o Seu João ali o Felipe deu uma aquietada, ficou meio que tendo o Seu João como uma figura de pai e isso, em certo ponto, foi bom no crescimento do Felipe, mas a Dona Diná todo ano fazia uma coisa que eu não sei se foi bom… — O Felipe diz que até certo ponto foi e que depois quando ele descobriu não foi, mas aí depois vocês comentem o quê que vocês acham, mas assim não tem nem como a gente julgar, né? Porque poxa, uma mãe sozinha com um menino toda hora perguntando do pai? —
A partir dos três anos do Felipe, até antes dela conhecer o Seu João, a Dona Diná começou a dar presente de aniversário em outubro e presente de Natal — Em dezembro, óbvio. — pro Felipe, em nome do pai, como se fosse o pai que tivesse mandado. Então ela escrevia lá um bilhete: “Ah, o pai tá em Minas. O pai te ama.”, e o primeiro presente que ela deu foi um caminhão, porque como ela falava que o pai era caminhoneiro o Felipe queria muito um caminhão e aí ela deu um daqueles caminhões de madeira, sabe? Esses que a gente vê às vezes na estrada que vende, sabe? Esses grandes assim, que parece uma carretinha? — É uma carretinha, né? — E ela deu, e todo ano ela fazia isso. E aí o Seu João avisou ela, falou: “Diná, não é bom você fazer isso, você tá fazendo o menino gostar de um pai que nunca vai aceitar ele, que é um cara rico, você tá falando que é um caminhoneiro”, qual que era a ideia da Diná? Dali uns anos falar que, sei lá, o pai dele morreu num acidente e encerrar o assunto, só que as coisas nunca saem do jeito que a gente quer, né? Nunca acontecem da forma ali certinha que a gente quer.
Felipe agora com dez anos, de dez, na verdade, de dez pra onze, ele fez até na época tinha ainda quarta série, né? Não era Ensino Fundamental e Médio, então ele fez até a quarta série numa escola e aí passou pra quinta série numa outra escola. E nessa outra escola, quando a Diná foi fazer a matrícula, ela encontrou aquela vizinha dela que lavava roupas, lembra? E aí elas se abraçaram, aquela emoção e retomaram o contato, e o filho dessa ex-vizinha dela também estudava lá, também na quinta série, e aí calhou dos dois estarem na mesma classe. E aí como agora as mães se visitavam e conversavam, eles passaram também a ter uma amizade, né? O Felipe e o filho da ex-vizinha. A gente sabe como é criança, né? Numa dessas a ex-vizinha dela comentando com o marido que tinha reencontrado a Diná falou assim: “Poxa, você vê, agora ela tá bem, tá casada com um homem bom, nem lembra mais daquele maldito que engravidou ela, você vê, né? Um homem rico, cheio de farmácias, dono da Rede…” — A gente vai chamar a rede de farmácias do pai do Felipe de “Rede Verme” e aí ela continuou falando pro marido dela. — “Dono da Rede Verme de farmácias, nunca nem quis saber do menino, deixou a Diná passando fome”, e ela comentando com o marido e o menino escutou, estava ali num outro cômodo, mas escutou e a gente sabe como é essa criançada.
Chegou na escola, falou: “Então, você sabe do seu pai Felipe?”, Felipe falou: “Ah, meu pai é caminhoneiro, né? Eu não conheço ele pessoalmente, mas ele me manda presente, a minha mãe prometeu que quando eu tiver quatorze anos a gente vai onde ele estiver pra conhecer ele”. — Então aqui um pensamento meu, acho que a Dona Diná ia matar o cara antes do Felipe completar quatorze anos. — E aí o menino contou pra ele que era tudo mentira, que o pai dele era um homem rico, que o pai dele era dono da Rede Verme de farmácias, inclusive tinha uma Rede Verme, uma farmácia da Rede Verme lá no bairro e o menino ficou em choque, Felipe ficou em choque. Gente, vocês imaginam a cabeça do Felipe? E assim, ele dentro da escola não podia sair, só podia sair depois acabasse a aula, ele não queria chorar na frente dos amiguinhos, mas ele estava morrendo de vontade de chorar, não estava acreditando muito nisso, queria ir pra casa, só ia poder confrontar a mãe à noite quando a mãe chegasse do trabalho, só Deus sabe como o Felipe teve aquele dia de aula.
Ele saiu meio-dia e pouco da escola, foi correndo pra casa pra esperar a mãe dele que chegava umas quatro horas e assim que a mãe chegou ele foi claro e falou: “Mãe, cadê meu pai? Eu quero saber do meu pai”, e a Dona Diná deu uma assustada, né? Falou: “Ué, seu pai tá viajando, nem sei que Estado que ele tá agora, mas ele tá viajando, você sabe que ele viaja”, e aí o Felipe contou a história que o amiguinho dele tinha contado pra ele lá na aula e Dona Diná quase caiu de costas, né? E aí a Dona Diná teve que contar para o Felipe a verdade. E assim, não contou de primeira os detalhes, de tudo que ela tinha passado, só falou que realmente o pai dele era um cara rico e que ela não tinha mais contato com ele, ele perguntou se o cara era dono mesmo da rede de farmácias Verme e ela falou que era, o Felipe chorou muito, ele perguntou dos presentes, ela falou que era ela que dava e aí o coração dele se espatifou, né? Porque até então ele achava que ele tinha um pai que gostava dele, mesmo longe gostava dele e ele ficou sabendo que não.
O Felipe falou que foi um dos dias mais difíceis assim da vida dele e de ver também a cara de sofrimento da mãe dele, porque ela estava sofrendo também de ter que falar a verdade e ter que falar pra ele que o pai nunca tinha ligado pra ele, estava tão perto sempre e nunca ligou pra ele. Felipe chorou muito, Dona Diná chorou muito, Seu João chegou e chorou também, aquela choradeira toda e agora o Felipe queria conhecer o pai. Mas, o pai era um homem escroto, né? — Acho que a palavra é essa. — E não ia ser fácil, né? Mas também a Dona Diná não podia negar isso a ele, então ela prometeu que ela ia tentar, mas ela pediu para o Felipe esperar ele ter quatorze anos. — Eu achava que ela ia inventar uma história que o pai tinha morrido, mas ela falou para ele naquele dia que quando ele fizesse quatorze anos, ela ia contar toda a verdade. — O Felipe não sabe se quando ele fizesse quatorze ela ia contar a verdade, ela ia falar que o pai tinha morrido num acidente, até hoje ela diz que sim, mas ele duvida um pouco.
Mas o Felipe não queria esperar, e desde o dia que o amiguinho contou, ele e o amiguinho começaram a traçar um plano pra conhecer o pai dele, mas ele criança, né? Plano de criança. O primeiro plano do Felipe com o amiguinho foi ir até uma farmácia da Rede Verme e pedir pra falar com o proprietário. Ele sabia o nome do pai, né? A mãe falou, e ele queria dar um dos caminhões dele de presente para o pai, então aí ele ia conhecer o pai, ia se apresentar, ia dar um caminhão e abraçar o pai dele e esse era o plano dele, um plano de criança e assim eles fizeram. Um dia eles saíram da escola e foram até a farmácia Rede Verme do bairro, [som de caixa registradora de produtos sendo utilizadas] chegando na farmácia da Rede Verme, o Felipe se apresentou para o balconista da farmácia que era o farmacêutico, não era o pai dele, e falou: “Oi, esse aqui é meu amigo, eu sou filho do dono dessa farmácia”, o cara olhou pra ele meio espantado, só que não duvidou porque o Felipe é a cara do pai. — A cara. — E aí o cara olhando para o menino ficou meio assim chocado e falou: “Mas como assim?”, aí ele falou: “É, eu nasci dele com a minha mãe só que ele não ficou com a minha mãe e eu vim aqui pra conhecer meu pai” desse jeito.
O farmacêutico pegou os dois meninos e levou lá pra trás, sabe na salinha da injeção? E falou: “Menino, que história é essa?”, e aí o Felipe repetiu, falou: “É, o Seu Fulano é meu pai e ele engravidou minha mãe e largou minha mãe, e agora eu quero conhecer meu pai”, o farmacêutico todo sem jeito falou: “Menino você não pode sair falando uma coisa dessas por aí, o Seu Fulano é casado”, e o menino ficou assim olhando, meio não entendendo que ele estava fazendo uma coisa errada. — E não era errado, né? Mas do jeito que ele estava fazendo ali, na frente de todo mundo… —O farmacêutico deu aquele toque que não podia ser assim. O farmacêutico falou pra ele: “Olha, o Seu Fulano só passa aqui nessa farmácia uma vez por mês e não na segunda-feira que vem, na outra, é que ele vai passar aqui, ele passa em tal horário. E aí você volta em tal horário e você fala direto com ele, mas não fica falando por aí isso”, e aí o menino falou: “Ah, tá bom, eu volto então” e foi embora, e ansioso porque dali duas segundas-feiras ele encontraria o pai pela primeira vez. [inicia trilha sonora]
Felipe tinha tudo planejado e agora era só esperar, ele não ia contar para a mãe dele, nem para o Seu João, era só ele e o amiguinho que sabiam que ele ia encontrar o pai, e a semana passou muito devagar, uma segunda até chegar a outra segunda, no domingo o Felipe mal comeu, mal dormiu e no dia seguinte ele ia encontrar o pai dele pela primeira vez. O Felipe teve que faltar na escola pra estar na farmácia no horário que o farmacêutico falou e o amiguinho não teve coragem de faltar, depois encarar a mãe dele, bilhete da professora, essas coisas, então ele foi sozinho com o caminhãozinho até a farmácia. Chegando na farmácia ele olhou da porta e avistou o farmacêutico, o farmacêutico viu ele de novo com aquela sacola, ele já tinha mostrado o caminhão para o farmacêutico, o farmacêutico estava de certa forma tocado que era uma criança que queria conhecer o pai, mas ele era também só um funcionário, ele também não podia fazer muita coisa, então ele falou: “Olha menino, você fica ali do outro lado da rua que ele vai parar aqui com um carro preto, é um carrão bonito, você vai saber, e a hora que ele descer você vai saber que é ele porque ele é muito parecido com você”.
Passou ali uns quarenta minutos que o menino estava lá do outro lado da rua, chegou um carro preto e desceu um senhor, [som de coração batendo rápido] era o pai do Felipe. O Felipe diz que na hora, a perna dele começou a tremer e ele sentiu uma coisa que ele nunca sentiu na vida assim, um calor ele disse, por dentro assim, uma coisa boa, só que ele não conseguia atravessar a rua, ele estava tão emocionado que ele não conseguia atravessar a rua e ele ficou lá do outro lado e o farmacêutico vendo ele lá do outro lado, deve ter comentado com o senhor Verme que tinha um garoto lá do outro lado da rua falando que era o filho dele, não sei o quê, ele não sabe nem quanto tempo passou que ele estava ali na frente que os dois estavam olhando pra ele. E aí o farmacêutico veio, atravessou a rua e falou: “Garoto, hoje não é um bom dia, o Seu Verme tá cheio de coisa pra fazer, tá nervoso, é melhor você vir outro dia”. E o Felipe estava ali já, e aí parece que com a voz do farmacêutico ele acordou daquele transe que ele estava de ter visto pai e falou: “Não, não, eu só quero entregar isso pra ele”, e na frente mesmo do farmacêutico ele atravessou a rua e entrou na farmácia com a sacola e estendeu a sacola e falou: “Pai, essa sacola é para o senhor”, desse jeito, nem se apresentou nem nada.
Muito emocionado, assim, estendeu a sacola na frente do senhor Verme, o senhor Verme pegou a sacola do menino, mas pegou assim tipo arrancou e jogou a sacola no chão, pisou na sacola sem ver o que estava dentro e falou: “Moleque, sai daqui, aqui não é lugar de pedir coisa, se você voltar aqui eu vou chamar a polícia”. — Exatamente a mesma coisa que ele fez com a mãe do menino. — Aí o menino falou: “Não, não, eu não tô pedindo nada, eu sou seu filho”, ele falou: “Eu não tenho filho marginal, não, se você voltar aqui eu vou chamar o juizado”. — Desse jeito… — E o menino ficava repetindo “Eu sou seu filho, eu sou seu filho”, e ele foi empurrando o Felipe pra fora da farmácia e o caminhãozinho ficou lá no chão dentro da sacola, provavelmente espatifado porque o verme pisou em cima. Era óbvio que o seu verme sabia que o Felipe era filho dele, estava na cara que era pai e filho, fizeram um a fuça do outro, provavelmente ele deve ter calculado que pela idade, era o filho da Diná, mas ele expulsou e o Felipe voltou pra casa aos prantos.
Era ainda de manhã, Felipe chegou em casa e o quê que ele fez? Fez uma malinha e fugiu de casa, gente. Mas ele não tinha pra onde ir. Ele saiu de casa com uma mochilinha e ficou andando pela rua, assim sem nada, e aí quando deu umas duas da tarde que a mãe dele chegava, umas quatro, ele percebeu que ele não tinha para onde ir e ele não sabia mais onde ele estava de tanto que ele tinha andado. E aí ele parou lá num boteco, lá num comércio — Olha o perigo… — e perguntou onde estava e falou que estava perdido, como ele fazia pra voltar pra casa, o dono do boteco pegou o telefone e ligou 190 [som de telefone chamando] e veio a polícia, e a polícia levou ele pra casa, não chamou juizado, não chamou nada, ele foi falando, ele sabia o nome da escola que ele estudava, e aí pela escola ele sabia o caminho da escola pra casa. E aí chegando na porta da escola, ele foi guiando os policiais até a porta de casa, isso já era umas três e pouco, a polícia falou: “Olha, você vai entrar agora na sua casa, mais tarde a gente vai voltar aqui pra falar com a sua mãe” e a polícia fez exatamente isso.
Quando foi umas cinco e pouco, seis horas da tarde, ele estava enfiado lá no quarto dele, a Dona Diná tinha chegado. — E aquela coisa, mãe chega fala: “Oi filho, tudo bem?”, já vai correndo fazer janta, fazer as coisas, então ela nem tinha ido lá falar com o Felipe direito, né? — [som de alguém batendo na porta] E a polícia na porta dela, ela assustou, achou que era alguma coisa do Seu João, e aí a polícia contou que tinha achado ele tipo num bairro bem distante, sozinho com uma mochila, ele tinha falado que tinha fugido de casa e aí ela caiu aos prantos, né? Agradeceu os policiais e entrou pra falar com ele. E aí ele contou pra ela que tinha ido na farmácia e que ele tinha sido expulso da farmácia pelo próprio pai. E na cabeça de criança do Felipe, ele culpava um pouco a mãe, ele achava que o pai tinha rejeitado ele porque não conhecia ele, se tivesse conhecido quando ele era pequenininho, não tinha rejeitado, ele não conseguia entender como tinha sido tudo, né? E aí como ele tinha fugido de casa e a Dona Diná estava muito nervosa… E aí foi o dia que ela contou tudo pra ele, da fome que ela passou… — Tudo isso que eu contei pra vocês. — Foi nesse dia com o Felipe, ele tinha onze anos, ela contou tudo.
E aí o choque dele foi maior, mas a decepção dele era menor do que o amor que ele sentia pelo pai, ele queria ter o contato do pai, não importava se ele era um caminhoneiro, ou um dono de farmácia, ele queria ter o contato do pai. Daí pra frente a vida da Dona Diná virou um inferno, porque o Felipe começou a fugir, a procurar o pai em outras farmácias da Rede Verme, ele encontrou o pai mais algumas vezes, todas as vezes o pai tocava ele, uma das vezes o pai realmente chamou a polícia e falou que não conhecia aquele moleque, que achava que aquele moleque estava querendo furtar a farmácia, o Felipe deu sorte porque a polícia pegou ele de novo e levou ele para casa. E aí o relacionamento do Felipe com a mãe ficou conturbado por conta das atitudes do pai, que o pai não queria saber dele e o Seu João ali tentando suprir o papel de pai, e ele não aceitava porque ele queria o pai dele, a cabeça dele foi ficando confusa.
E aí quando ele tinha vinte anos, ele escreveu uma carta para o pai dizendo o quanto ele amava o pai, o quanto ele queria tá perto do pai, o quanto ele gostava do pai, tudo, colocou tudo no papel. Ele morava no mesmo lugar, a Rede Verme estava maior e tinha ainda uma farmácia da Rede Verme no bairro dele. E ele foi lá na farmácia, já não tinha mais aquele farmacêutico, aquele senhor, e ele deixou a carta lá “Aos cuidados de Fulano” num envelope e foi embora. E era uma carta muito sofrida, muito doída e ele deixou um telefone que era um telefone de contato caso o pai quisesse falar com ele, falou que ele nunca mais ia procurar o pai e se o pai quisesse falar com ele, o telefone era aquele. E assim, o procedimento padrão ali da Rede Verme era assim: chegou alguma correspondência para o Fulano lá, o dono, o pai do Felipe, juntava tudo e ia para o escritório, ele tinha uma secretária lá e a secretária abria as correspondências e encaminhava para o setor, porque às vezes era currículo, às vezes era carta de representante de laboratório, essas coisas, então ia tudo pra ela, ela que filtrava e passava o que ele tinha que assinar, era tudo a secretária.
E a secretária do Seu Verme era a Fabiana. — Agora a Fabiana entra na nossa história. — Chegou lá aquele monte de coisa para o Seu Verme, né? Ali na mesa da Fabiana. Fabiana fazendo as coisas, abrindo, separando o que era pra ele assinar, ele só ia passar lá no dia seguinte na parte da tarde e ela separando as coisas ali no escritório, chegou no envelope do Felipe estava aos cuidados dele, então ela abriu como ela fazia com todas as correspondências e era uma carta escrita à mão e ela não tinha a menor ideia, ela não era uma funcionária antiga, porque desde que o Felipe foi a primeira vez na farmácia isso já tinha nove anos, tinha rolado um burburinho que ele tinha um filho fora do casamento, mas abafaram também e ela era uma funcionária que estava lá, sei lá, dois, três anos trabalhando na rede como secretária do Seu Verme, então ela nem sabia de nada.
E o Felipe detalhou muito, contou tudo desde o começo, contou o que a mãe dele passou, porque o pai dele não tinha ideia, né? Ele escreveu lá que por causa da atitude do pai, a mãe tinha passado isso, isso. E a Fabiana já no meio da carta já estava chorando, mas no final da carta ela precisou ir para o banheiro, ela teve uma crise de choro e chorou muito, muito, porque ela falou que dava pra sentir, sabe? A dor do Felipe naquela carta. E ela era uma mera funcionária, ela não sabia o que fazer com aquela carta, mas ela conhecia um pouco o Seu Verme e sabia que ele nem pra funcionário ele era assim, bom. Então nem se o funcionário tivesse doente, caindo lá, se não apresentasse atestado, ele mandava embora, ele era um cara ruim e ela sabia, mas era um emprego que ela precisava, e ela ganhava ok ali, tinha benefícios e ela ficava. E aí ela achou por conta não dar essa carta naquele momento para o Seu Verme porque ela precisava entender aquilo.
A Fabiana tinha vinte e dois anos, dois anos mais velha que o Felipe, ela também fazia faculdade, trabalhava de dia, fazia faculdade à noite e o Felipe idem. E o telefone que ele tinha deixado era do lugar que ele trabalhava e ele tinha colocado um horário lá que é o horário que ele poderia atender o telefone, e ela viu que pelo horário que estava na carta era um horário que ela poderia falar com ele aquela hora e ela mesmo com a cara inchada de chorar pegou o telefone e ligou para o Felipe. [som de telefone tocando] Ela não sabia muito bem o que falar, e aí ela ligou e falou: “Olha, eu sou a secretária do Seu Verme, eu que recebi a sua carta, eu não passei a sua carteira ainda pra ele, mas como tudo chega aqui eu abri a sua carta e li”, e do outro lado o Felipe que tinha falado só: “Oi, aqui é o Felipe, pois não?”, ela já começou a falar, tipo despejou e ele ficou ouvindo.
E ela falou: “Eu quero falar com você, eu preciso encontrar você e eu quero te ajudar a fazer esse encontro com seu pai”, e era assim, era uma primeira pessoa que tinha aparecido na vida dele que ia ajudar de verdade ele a chegar no pai, e ela estava falando aquilo meio que da boca pra fora, porque ela sabia que era praticamente impossível convencer o Seu Verme de qualquer coisa, mas tinha alguma coisa que fazia ela querer conhecer o Felipe depois de tudo que ela tinha lido, e aí eles marcaram dali dois dias pra se encontrar na faculdade dela, então ele ia faltar na dele e ia encontrar ela lá. E sabe uma coisa que é muito louca, né? Se a gente pensar, a Fabiana conhecia o Felipe no seu mais íntimo assim, né? — No mais íntimo dele ela já conhecia, ela sabia tudo dele, porque ele tinha colocado tudo na carta… — Só que ela não sabia como ele era, não conhecia ele pessoalmente, mas ela tinha uma certeza no coração dela que era aquilo que ela tinha que fazer, que ela tinha que conhecer o Felipe.
E aí passado esses dois dias, ela muito nervosa lá na hora do intervalo, ela não conseguia entender porque, e quando o Felipe chegou que eles se olharam [trilha sonora romântica] foi tipo amor à primeira vista assim. O Felipe me falando que ele até esqueceu que ele estava ali por causa do pai, até então ele com vinte anos, ele tinha tido uma namoradinha ali, outra aqui, mas nunca alguém assim que ele realmente tivesse gostado porque o foco dele realmente era o pai e quando ele viu a Fabiana, ele não sabe o quê que aconteceu, palavras do Felipe: “que o mundo dele que era cinza ficou colorido”. — Ai gente… [voz de choro] Eu tô chorando. [riso desconcertado] Gente, eu não aguento mais chorar nessa história, agora eu tô chorando de emoção, tipo de coisa linda, sabe? Chorar de coisa linda? Tô chorando de coisa linda. — A Fabiana a mesma coisa, Fabiana falou que a hora que ela olhou o Felipe era o cara, era ele, parecia que ela… — Ela já conhecia realmente ele porque ela leu a vida dele toda na carta… — Encaixou a pessoa na figura que ela tinha na cabeça dela e eles começaram a conversar, e parecia que eles se conheciam a vida toda.
E o Felipe, a primeira vez que ele estava vendo a Fabiana, Fabiana primeira vez que estava vendo Felipe, os dois choraram abraçados… — Olha isso, gente, que intenso, eles choraram abraçados. — E dali pra frente eles nunca mais se separaram, eles estão juntos há dez anos — E agora a gente vai contar esse meio, a história é longa. — [som de “voltando a fita” / “rebobinando”] E eles choraram abraçados aquele dia, ela falou que era secretária dele, falou que o Seu Verme era um cara difícil. O Felipe por incrível que pareça, ele estava naquele momento mais interessado em saber da Fabiana do que saber do pai, e aí ele deu uma relaxada nesse sentido porque ele sabia que ela trabalhava lá, então estava do lado do pai dele o tempo todo, então quer dizer, ele tinha um tempo agora pra fazer as coisas com calma. E na cabeça da Fabiana… — Mulher é sempre melhor, né? Mulher é incrível. — O quê que a Fabiana pensou? “Eu tenho que convencer o Felipe a ir atrás dos direitos dele, porque se o pai não quer reconhecer ele como filho pelo afeto, que pelo menos reconheça ele como filho no papel”, porque o Felipe não tinha nome do pai no RG, só tinha nome da mãe.
Como secretária ela tinha acesso a tudo [risos] do Seu Verme, né? E ela foi fazendo tipo um mini dossiê pra ela, — Olha a Fabiana… — juntando coisas sem o Felipe saber e já plantando aquela sementinha na cabeça do Felipe “Olha, então, Felipe, você precisava correr atrás disso e não sei quê”, bem de leve. E o tempo foi passando, ela conheceu Dona Diná e Seu João, eles se davam super bem, eles começaram a namorar firme. Fabiana trabalhando lá ainda, com três anos que eles estavam namorando o Felipe terminou a faculdade, ela já tinha terminado um ano antes e eles resolveram morar juntos. E aí o Felipe já estava bem aberto pra essa coisa de ir atrás de DNA e ela tinha um amigo que era advogado, falava: “Ah, conversa com ele, né? Assim, por cima” e o Felipe resolveu fazer isso. A Fabiana entregou tudo o que ela tinha de informação para o advogado amigo dela, né? Que ia representar o Felipe, nesse processo todo a Fabiana já tinha conseguido fazer com que a relação dele com a Dona Diná ficasse boa novamente, então ele se reaproximou da mãe porque nesse período, né? De que ele tinha onze até os vinte anos, foi uma relação difícil e tal.
E estava tudo muito bem até chegar o dia da audiência, né? E na primeira audiência o Felipe muito nervoso, a Fabiana não podia ir junto porque ela trabalhava ainda com ele, ela não queria que ele soubesse que ela estava envolvida nas coisas, e o Felipe foi com o advogado e do outro lado só foi o advogado, o pai do Felipe não apareceu. Felipe ficou super decepcionado porque achou que ia ter um acordo, alguma coisa, o juiz… Porque parece que é assim, se você não faz o exame de paternidade por bem o juiz pode alegar que então é filho mesmo, e aí ele topou fazer o exame lá de DNA, era uma época que ainda demorava muito pra sair o resultado, só que ele nunca viu o pai dele porque parece que foi determinado um laboratório pra ele, outro laboratório para o pai, não era no mesmo dia, eu sei que eles não se encontraram mais.
A Fabiana conseguiu um emprego na área que ela tinha se formado e teve que pedir as contas lá da Rede Verme, porque o Seu Verme não mandava embora, não fazia acordo. — [riso] E aí a única parte dessa história que eu ri… — Quando ela foi embora, ela deu um jeito de riscar o carro do Seu Verme. [risos] — O carro do Seu Verme [risos], ai, gente, eu sei que é errado mas eu ri, desculpa… Ai, adorei essa parte, desculpa de novo. — E aí ela começou a trabalhar em outro lugar, passou mais um tempo saiu o resultado, era óbvio que ele era filho do Seu Verme, mas ele já era maior, então ele não tinha direito a pensão nada, mas agora ele podia tirar novos documentos com o nome do pai dele e foi o que ele fez, tirou novos documentos, tudo com o nome do pai, e ele não quis colocar o sobrenome do pai, ficou só com o sobrenome da mãe mesmo. — Nem sabia que dava pra fazer isso. —
Hoje em dia o Felipe e a Fabiana continuam juntos, eles têm dois filhinhos, o Felipe apesar de reconhecido pelo Seu Verme, nem o Seu Verme, nem os filhos do Seu Verme, nem a esposa do Seu Verme, porque todo mundo ficou sabendo, né? Ninguém nunca aceitou ele, então é uma mágoa que ele ainda carrega, o pai nunca aceitou, nunca quis falar com ele, nunca quis nada, ele segue a vida dele. Tá super bem com a Fabiana, a história deles é muito linda. Ah, uma parte importante que eu esqueci, a Fabiana chegou a entregar a carta para o Seu Verme, ela colou de novo o envelope e colocou na mesa dele e falou: “Olha, essa carta aqui deixaram aqui, falaram que não era pra abrir e era pra entregar direto para o senhor” e ela não sabe o quê que ele fez com a carta, eu sei que teve efeito zero, porque ele não telefonou para o filho, não fez nada, quer dizer, o cara tinha um coração de pedra, deve continuar com o coração de pedra.
E é isso, hoje o Felipe vive bem com a Fabiana, a Dona Diná continua com o Seu João, eles vivem todos muito bem, e o Felipe no fundo ainda tem esperança de um dia o pai aceitar ele como filho e dar um abraço nele. E, ai, eu falei pra ele, falei: “Olha, eu só vou contar essa sua história se eu puder chamar seu pai de verme, se eu puder falar mal do seu pai”, ele falou: “Ah, pode falar, [riso] porque a Fabiana também fala, eu já tô acostumado”. Então, eu só topei contar essa história se eu pudesse falar mal deste senhor, que quem sabe, né? Um dia o coração dele amoleça, ele já é um senhor de idade, a velhice não muda caráter, a gente sabe muito bem disso, mas quem sabe um dia ele se arrependa aí de ser uma pessoa tão fria, né? Péssimo ser humano em dar esperança, sei lá.
E é isso, gente, a história de hoje é essa, ficou longa mas… Não tinha como cortar nada, eu precisava contar a história do Felipe antes de chegar na Fabiana que foi essencial, casal que eu já amo e é isso. Desidratei de chorar, achei uma história linda, mas triste também, né? Vamos torcer aí para o Seu Verme criar juízo. E se existe vida, existe esperança, né? Eu vou torcer pra que um dia aí o Seu Verme mude de ideia. Então eu vou pela minha torcida colocar o nome dessa história de “Esperança”. Beijo e eu volto semana que vem.
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