título: eterno
data de publicação: 09/10/2025
quadro: luz acesa
hashtag: #eterno
personagens: dona francesca e josé
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Luz Acesa. E hoje eu vou contar para vocês a história da Dona Francesca. Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]A Dona Francesca veio com os pais e os irmãos quando ela tinha três anos de idade, de navio, aqui para o Brasil, né? Eles vieram da Itália em condições muito precárias, assim. Eles chegaram aqui, foram para uma colônia italiana morar, tipo num lugar que na época se chamava de “cortiço”, era só um cômodo, enfim, um banheiro comunitário, era assim, era péssimo… E nesse mesmo lugar tinham outras famílias italianas, então eles foram crescendo ali, sempre juntos. Quando Dona Francesca tava com 16 anos, o pai dela falou: “Agora você não pode mais ficar dando despesa para mim, agora você tem que casar” e era uma época que o pai da Francesca não deixava nem ela nem a irmã estudar, então elas mal sabiam ler ou escrever o próprio nome, né?
E o pai que arrumou um marido pra Dona Francesca e, se ela tinha 15 pra 16 anos, o cara tinha uns trinta e poucos, pensa… E Dona Francesca não queria de jeito nenhum se casar com este homem… Só que ela não tinha escolha. E ele tinha um pouco mais de dinheiro que a família da Dona Francesca, que era bem pobre, e foi marcado o casamento… Não teve festa, não teve nada assim, né? E este homem ele era obcecado pela Dona Francesca, mas era um grosseirão, péssimo… Ela nunca tinha beijado ninguém, era a primeira vez que ela ia fazer sexo com um homem, ela uma garota, ele um homem e foi muito ruim… Mas ela se conformou ali com aquela vida e ele queria porque queria filhos, mas assim, talvez ela nem pudesse ainda. Ela não se lembra se nessa época ela tinha menstruado ainda ou não… — Olha, gente, que violência isso… Ela não lembra, mas ela lembra que era muito comum as garotas, principalmente ali naquela comunidade que ela vivia, casar com 16 anos, com 15, 16 anos era comum… Casar com homens mais velhos era comum, gente, era uma outra época. —
Ele queria porque ele queria filhos e um dia a Francesca estava se sentindo mal, enjoada e falou: “Pronto, agora engravidei”, só que ela não queria engravidar daquele homem e, com uns sete meses de casamento, este homem começou a tossir muito… [efeito sonoro de tosses] Francesca sentia que ele não estava bem e isso pra ela era bom. [risos] — Ê, Francesca… — Ele não ia a médico nenhum — e era uma época também em que era mais difícil até você ir ao médico, chamar o médico, enfim, era caro —, ela torcia realmente pra que este homem morresse e, na época, ela sentiu aquele enjoo e no mesmo bairro ali, onde tinha os italianos, tinha também uma comunidade que o povo de “ciganos”. — Hoje a gente sabe que são três povos que tem aqui no Brasil, os Rom, os Sinti e os Calon, são três povos ciganos… A gente falava “Romani”, mas é errado chamar todos de Romani, porque tem os Sinti e os Calon também, mas na época era tudo “cigano”. —
E ela fez amizade com uma moça cigana e ela falou: “Olha, eu estou me sentindo mal, mas eu não quero ter filhos do meu marido”, essa moça ela vendia um chá e Dona Francesca começou a tomar esse chá, então falou: “Olha, você vai tomar agora, você vai se sentir muito mal e, enfim, se você tiver grávida ou não, você não vai estar mais grávida e depois você passa… Sempre que você tiver relação com o seu marido, você toma esse chá”. Então ela faz isso, e aí ela não engravidou desse homem. Quando deu mais ou menos um ano e meio de casamento, este homem muito mal, tossindo muito, um dia não acordou… Então ali Francesca se sentiu livre… Por quê? Porque o pai dela não tinha mais domínio sobre ela e Francesca já estava de olho no padeiro. — Padeiro, um brasileiro, porque este marido dela era italiano… — Assim que ela ficou viúva, ela deu ali, três, quatro meses e se casou com o padeiro. — Isso era comum também porque era muito difícil nessa época você ser viúva… Não tinha nem divórcio ainda, nada dessas coisas, mas ser viúva também era uma coisa ruim. —
A família do padeiro não fazia gosto desse casamento, porque Francesca era uma viúva, mas ela não tinha filhos, então a família meio que aceitou, mas pela segunda vez ela não teve o casamento bonito que ela sonhou… — A gente pode dar o nome para esse segundo marido, que era o padeiro, de “José”. — Acontece que o primeiro marido dela sempre falava que o amor dele por ela era eterno — ele era obcecado pela Francesca — e nem se ele morresse ele largaria da Francesca. Francesca se casou com José e ela era apaixonada pelo José e o José por ela. Ele morava perto da padaria, numa casa simples e tinha uma casa que era a casa da família dele, e ele meio que construiu ali dois cômodos para morar com a Francesca e para Francesca estava ótimo, ela estava com o amor da vida dela, um homem mais gentil, então o beijo foi agradável, o sexo foi foi agradável também, então Francesca estava feliz…
Acontece que com uma semana de casamento, ela notou que José estava diferente. O primeiro marido de Francesca tinha um jeito de tomar café… Ele colocava muitas colheres de açúcar, ficava intragável… E um dia de manhã, o José estava totalmente grosseiro e tomando café, fazendo até o gestual que o primeiro marido de Francesca. Francesca virou para José e falou: “José, o que você está fazendo?”, o José estava botando açúcar sentado na mesa ali, era um quarto-cozinha, né? Com uma xícara de café, um pote de açúcar na frente e botando muitas colheradas de açúcar no café. Quando a Francesca falou: “José, o que você está fazendo?”, sabe quando você não levanta a cabeça, você só levanta o olho assim? E ele olhou para Francesca e ele falou assim: “Eu não falei para você que o meu amor por você era eterno?” e na hora ela não via o rosto do José, ela via o rosto do seu marido falecido.
Francesca na hora deu um grito e com o grito o José despertou, olhou aquela xícara praticamente só açúcar e falou: “O que é isso? O que aconteceu?” e ela falou pro José na hora, falou: “Meu marido estava no seu corpo”. José não acreditou, pegou as coisas dele e foi trabalhar e ela correu lá na sogra. — A sogra era insuportável? Era, mas a Francesca não tinha com quem falar, porque assim, os pais já tinham feito aquilo com ela de obrigar ela a casar e depois que ela ficou viúva, assim, ninguém nem quis acolher a Francesca, teve que se virar até casar com o José, então ela não recorria mais à família pra nada. — Ela falou: “Olha, o meu marido, o primeiro marido está entrando no corpo do José” e aí é a única coisa que a sogra falou: “É, eu falei para ele não casar com viúva” e começou a falar. E aí falou que conhecia uma mulher e que ia levar a Francesca lá nessa mulher, que era tipo uma benzedeira.
E aí elas foram na benzedeira — que a gente pode chamar aqui de “Dona Josefa” —, e aí o que a Dona Josefa falou? Falou: “Olha, o que eu posso fazer pelo seu marido vivo é fechar o corpo dele, para que o seu marido morto não entre, não consiga entrar… Se ele está atrás de você, ele vai ficar pela casa, vai ficar no seu caminho. Isso eu não consigo te ajudar, eu consigo fechar o corpo do seu marido”. Aí pediu uma roupa, uma peça de roupa usada do José, ela pegou uma das camisas que estava até com farinha — porque ele era padeiro — e levou para Dona Josefa… Dona Josefa falou: “Olha, você vai fazer ele dormir com essa camisa hoje, com essa camiseta hoje”, e foi isso que ela fez… Ele não questionou e dormiu com aquela peça. Conforme o José deitou, ele parece que entrou num sono profundo, assim, ele não acordava por nada. E aí Francesca deitou e também foi dormir, falou: “Bom, fiz o que foi mandado”.
De madrugada ela ouviu uns barulhos e o barulho parecia que era dentro do quarto… Era um quarto pequeno, assim e ela falou: “Meu Deus, José acordou, deve estar possuída de novo pelo meu marido morto” e o José roncando alto, assim, dormindo pesado, não acordava com nada. E aí ela viu uma sombra no quarto e escutava barulho de arranhar e ela ficou ali, quieta, assim… E ouvia assim, sabe quando a pessoa está nervosa, mas ela não fala nada assim? [grunhidos] De manhã ela teve que chacoalhar o José muito pra ele acordar… A única coisa que ela gostava muito na casa, eram as cortinas. Quando ela casou com aquele primeiro marido, ela exigiu que ele desse umas cortinas boas e ele reclamou, mas ele deu e ela botou no quarto e ela levou as cortinas pra essa casa dela agora com o novo marido… De manhã essas cortinas estavam todas rasgadas. Tinha marcas de arranhado de unha até nas paredes. — Provavelmente o primeiro marido da Dona Francesca não conseguiu entrar no corpo do José e ficou ali pelo quarto tentando destruir as coisas.
E aquilo meio que começou a acontecer toda noite… O José dormia profundamente, não escutava nada e a Francesca escutava — e ela sabia, ela tinha certeza que era o marido dela que estava ali naquele quarto e ele rasgava — ele sempre rasgava alguma coisa e ela sempre escutava como se ele estivesse dando murro na parede, mas dentro do quarto… Francesca não aguentando mais, não querendo falar com a sogra mais sobre isso, porque a sogra sempre criticava… Aquela amiga dela que era uma Romani, ela também tinha brigado porque ela foi pedir ajuda, porque ela ficou… — Como eu disse, os pais não quiseram acolher nada e nada, ela precisou vender a aliança que ela tinha para poder ir sobrevivendo ali, né? — E essa essa amiga dela enganou ela, mas ela não tinha a quem recorrer e como o chá tinha funcionado muito, ela foi procurar de novo essa moça que tinha enganado ela, enfim… — Deixou a Francesca numa situação muito ruim, ,as ela falou: “Andréia, era melhor eu recorrer a alguém que foi muito desonesta comigo do que ficar do jeito que eu estava. Eu estava desesperada”. —
E aí essa moça falou: “Olha, se você me conseguir X dinheiro, eu consigo mandar o seu primeiro marido para o inferno”, “pode ser golpe”, mas como ela ela manjava dos chás, manjava das coisas, ela falou: “Eu vou conseguir esse dinheiro” e Francesca que já lavava roupa, passava a roupa para fora, fazia algumas coisas, foi pegando mais roupa, mais coisa… E, assim, a noite era sempre esse tormento e o marido dela, José, não escutava nada. Ela juntou dinheiro e foi lá, mas não acreditando. E aí a moça deu pra ela um colar e ela falou: “Olha, esse colar você vai levar, mas você vai me devolver”, ainda ameaçou, falou: “Eu sei onde você mora, você vai botar esse colar no seu pescoço e vai falar essas palavras que eu vou te ensinar, que você vai memorizar essas palavras”. — Porque a Francesca mal sabia escrever, enfim… — “Não importa se ele tentar te derrubar, porque ele vai tentar te derrubar, você vai ficar em pé no quarto e você vai falar essas palavras. Seu marido não vai acordar, você vai falar o mais alto que você conseguir”.
E aí ela memorizou, falou algumas vezes ali, né? E ela falou: “Assim que você começar a escutar barulho, que você sabe que é ele, você vai levantar da cama, você tem que levantar, tem que ficar em pé”, ela tinha que bater o pé no chão, enfim, tinha que fazer umas coisas ali. Ela começou a escutar os barulhos e ela começou fazer, começou a falar e ele começou meio que grunhir, grunhir alto, e aí cessou e a moça falou: “Olha, assim que você não ouvir mais nada, você vai pegar esse colar, você vai tirar e você vai botar dentro de um copo, vai pôr o colar em cima da mesa e um copo de vidro virado em cima dele e você vai dormir”. Ela fez e, quando ela acordou, o copo de vidro que estava em cima do colar, tipo quando você vai prender um bicho, vai, que você não quer matar, que você quer jogar no mato, eu faço assim, eu ponho o copo em cima, boto uma folha de sulfite por baixo, pego o bicho e jogo. Então ela pôs o colar ali e botou o copo em cima, como se o colar tivesse uma redoma de vidro e esse copo tava quebrado…
Assim, que ela entrou na cozinha, porque era só um quarto e cozinha e a moça falou: “Faz isso na cozinha”, que ela olhou na mesa, o copo tava quebrado… — Tinha estilhaço do copo… O copo estava quebrado. Não tinha como, gente… — E aí a moça falou: “E aí você pegar o colar normal, com a mão, não precisa fazer mais nada e traz pra mim”, foi isso que ela fez, levou o colar lá e a moça falou pra ela: “Ele nunca mais vai te procurar, ele tá no inferno”. Dona Francesca não sabe se o marido foi encaminhado para o inferno ou se achou uma luz e foi pra outro lugar, mas enfim, depois disso ela engravidou, teve dois filhos com o José… E aí quando o filho dela tava ali com uns 15 anos, foi o filho dela que ensinou a Francesca a ler, a escrever, então vida dela ótima. — O José já faleceu e nunca mais aconteceu absolutamente nada sobrenatural assim na vida dela… E esse marido realmente falava, ele falava: “O que eu sinto por você…”, que eu acho que não era amor, né? “É eterno, eu nunca vou sair de perto de você”. —
Então é isso, ainda bem que a moça lá… Eu falei: “Poxa, eu queria tanto dar um nome pra ela, vamos dar um nome pra ela Francesca? Tudo bem, ela te enganou um pouco, mas pô, ela te livrou de uma… Vamos deixar no 0 a 0? Vamos chamar de “Samira?”. Então Samira foi aí quem conseguiu tirar esse marido de cima da Francesca. O que vocês acham?
[trilha]Assinante 1: Oi, nãoinviabilizers, aqui é a Mônica de Brasília. Eu amei a história da Dona Francesca. Ainda bem que ela teve alguém aí pra ajudá—la, né? A se livrar desse encosto. E essa história me fez pensar que eu fico brincando com o meu marido, falando que “ah, é daqui pra glória”, “que eu vou voltar se eu morrer antes”, não falo nunca mais… Já pensou ele escrevendo pra Déia e eu não ter nome na história? Deus me livre… Um beijo, pessoal.
Assinante 2: Oi, nãoinviabilizers, aqui quem fala é Eduardo, de Guatuno, Ceará. Não julgo Dona Francesca se ela tiver mandado o marido dela pro inferno. Acho que a Samira merecia mesmo um nome, porque ela livrou Dona Francesca desse traste, né? Que nem depois de morto deu paz. Fico feliz que Dona Francesca tenha seguido sua vida, tenha tido sua família, enfim, tenha tido a oportunidade de ter um casamento feliz. Espero que você esteja bem, Dona Francesca, e Samira também espero que esteja bem, porque ela salvou Francesca desse traste. Um beijo, gente.
[trilha]Déia Freitas: Comentem lá nosso grupo do Telegram, sejam gentis aí com a Francesca. Um beijo e eu volto em breve.
[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]