título: forma
data de publicação: 24/04/2025
quadro: luz acesa
hashtag: #forma
personagens: dona durvalina, dona dalva e dona lindalva
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Luz Acesa. E hoje eu vou contar para vocês a história da Dona Durvalina. — Na época dessa história, a Dona Durvalina tinha ali seus 11 anos de idade. — Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]Antes de falar de Dona Durvalina, a gente tem que falar aqui da mãe dela, Dona Dalva, que já é falecida, mas sempre foi uma excelente mãe. Dona Dalva, numa época que era pior que agora em alguns aspectos — porque muita coisa ainda não evoluiu — engravidou de um rapaz… Eles trabalhavam na roça e esse rapaz fugiu, deixando aí Dona Dalva grávida, mãe solo. — Numa época, imagina, a gente está falando de mais de, sei lá, sessenta e poucos anos. Era bem mais complicado. — Os pais de Dona Dalva não aceitaram ela grávida em casa, porque eles tinham outras filhas e você ficar em casa com uma moça grávida, automaticamente todas as outras pessoas achariam que as suas outras filhas estariam também perdidas. — Esse “perdidas” aí entre aspas, foi uma palavra que Dona Durvalina usou. —
Garota Dalva, com seus 17 anos, tinha uma irmã casada que morava em outra cidade, trabalhava na roça também, mas morava em outra cidade chamada “Lindalva”. E Lindalva enfrentou o marido ali e acolheu Dalva. E desse dessa gravidez aí de Dona Dalva nasceu a garotinha Durvalina. Passado um tempo, o marido de Lindalva faleceu, o — que foi uma coisa boa, né? As duas, Lindalva e Dalva, ficaram mais aliviadas que agora eram só as duas para criar a Durvalina — trabalho muito duro, na roça, elas moravam numa casinha muito pequena que só tinha um quarto. Então, agora dormiam nesse quarto, né? Porque antes a Dalva estava dormindo no que seria ali só a cozinha, não tinha uma sala. Colocava o colchão no chão, dormia com Durvalina na cozinha. Agora que o marido tinha morrido, Dona Dalva passou a dormir com Durvalina no mesmo quarto que Lindalva, que era o único quarto que tinha. E assim ficou essa configuração familiar das três mulheres.
O tempo foi passando, Dalva e Lindalva, as irmãs trabalhando na roça e elas levavam junto a Durvalina, desde bebê, porque não tinha com quem deixar, não tinha como pagar ninguém. Então Durvalina ia num cesto, ficava ali numa sombra, enfim, foi crescendo… E teve uma época que Dalva amarrava uma corda — grande, assim — numa árvore com bastante sombra e amarrava a Durvalina pela cintura… — Não vou julgar? Não vou julgar, porque ela não tinha com quem deixar e ela precisava trabalhar. — Dali onde ela estava, ou capinando a roça ou colhendo alguma coisa, ela enxergava a Durvalina e a Durvalina ficava ali, brincando com brinquedinhos feitos de palha de milho, enfim, tudo muito simples. E elas tinham uma vida muito amorosa, a Durvalina fala isso, Dona Durvalina, que ela foi muito bem criada pela mãe e pela tia, Dona Dalva e Dona Lindalva. O tempo passou, Durvalina cresceu… Durvalina só começou a frequentar uma escola com nove anos, com nove anos ela conseguia ir para a escola com as vizinhas, voltar da escola e ficar sozinha na casa. — Com nove anos. —
Antes disso, ela continuava indo para a roça com a mãe e agora já ajudava um pouco ali a mãe e a tia na roça. — Então, assim, trabalho muito difícil, uma vida muito dura, de muita pobreza, mas também de muito amor. — Na época, as mulheres estudavam até a quarta série e alguns homens que tinham um pouco mais de condição na cidade deles ali, enfim, porque em alguns lugares, sei lá, poderia ter mais oportunidades, mas a gente está falando aqui de uma cidade muito pequena, né? Podiam ter aí uma possibilidade de ir para uma cidade grande e estudar mais, mas era muito raro isso. Como ela entrou na escola com nove, quando foi com 13 anos, ela já encerrou ali, sabia ler, sabia escrever, sabia fazer conta e era isso, né? E Durvalina resolveu pegar milho e fazer curau, pamonha, essas coisas para vender e ajudar também na renda de casa. E como elas não tinham geladeira, o melhor horário para Dona Durvalina fazer os produtos era bem a noite, tipo entre dez horas da noite até uma da manhã, porque ela dormia até umas sete e já levantava e ia vender. Às vezes ia com a mãe e a tia para a roça e vendia lá, mas assim, o pessoal também muito pobre, não comprava sempre, mas ela ia para os comércios e vendia. Vendia tudo. — Mas ela tinha que fazer à noite, porque elas não tinham geladeira, então era mais complicado. —
Durvalina ali com seus 13 para 14 anos, levando a vida dela com a mãe e a tia muito bem ali, num lar muito amoroso, feminino, enfim… De repente, Dona Lindalva um dia acorda se sentindo mal, assim. E era muito difícil ter acesso a médico, Dona Durvalina já andava bastante — garota Durvalina na época — para chegar até a cidade para vender as coisas, então assim, a tia não estava conseguindo andar, então tinha que vir alguém que tivesse uma charrete, porque era mais difícil ali onde elas estavam que alguém de carro fosse levar. — Por que quem tinha carro? O dono da roça que jamais levaria. Então, veja, era bem, bem precário, bem difícil… — Geralmente você chamava ali uma mulher das ervas, sabe assim? E ela fazia alguma coisa, com uma medicina natural, enfim. E aí chamaram essa senhora e Dona Dalva, mãe de Durvalina, foi pra roça, não tinha como… E elas ganhavam, tipo, você tinha um pedaço de roça lá que você tinha que fazer, que era seu, então, naquele dia Dona Dalva tinha que trabalhar por ela e pela Lindalva. Então era muito trabalho, tanto que Durvalina ficou ali esperando essa mulher da erva chegar para medicar a Dona Lindalva e depois ela ia para a roça ajudar a mãe. — Fazer o trabalho ali que era da Dona Lindalva. —
Essa mulher veio, deu chá, medicou, enfim, virou pra Durvalina e falou: “Olha, menina, isso que sua tia tem ela trouxe com ela. Isso não é doença”. Durvalina não entendeu — uma jovenzinha, adolescente, 13, 14 anos —, “como assim não é uma doença?”, foi lá pra roça, contou isso para Dona Dalva, Dona Dalva ficou preocupada e falou: “Bom, depois eu vou lá na benzedeira saber o que é isso, enfim”. Elas demoraram uns 40 minutos a mais na roça, quando voltaram, Dona Lindalva estava do mesmo jeito, meio mal e Dona Dalva foi atrás dessa outra mulher que seria benzedeira, só que a benzedeira só ia poder vir no outro dia, no final da tarde. Durvalina cansada, mas ela tinha que fazer ali as coisinhas de milho, ela ia vender de manhã e depois ela ia para a roça ajudar a mãe. Enquanto a tia estivesse doente, ela tinha que ajudar a mãe naquele pedaço de roça que elas eram responsáveis.
Chegou à noite… — Lembrando que elas só tinham um quarto. — Dona Dalva foi dormir ali, de olho na Lindalva. Lindalva com muita febre, estranha… Ela estava estranha, ela não falava, você perguntava as coisas para ela e ela só ficava olhando para você, não falava nada. E aí Durvalina está lá, tirando palha dos milhos, depois você tira aqueles cabelinhos e tal para colocar para ferver num fogão a lenha — enfim, ia demorar aquela coisa — e aí ela está ali, fazendo as coisas e a casa tinha uma janela lá no quarto, tinha uma janela que seria a janela da cozinha, um vitrô em cima da pia e tinha a porta de entrar ali naquela cozinha que tinha uma janelinha. — Sabe quando tem um vidrinho? Era isso a casa. — E aí alguém bateu na porta… Isso era o quê? Umas onze e pouco da noite. Quem que tá batendo na porta onze horas da noite? Durvalina assustou e foi chegando perto da porta para olhar por aquele vidrinho, que estava fechado.
Como era fechada essa porta? Imagina um trinco com uma corrente por dentro e outro trinco com um cadeado, então à noite elas fechavam esse trinco e o cadeado, e a chave ficava ali, já enfiada no cadeado, sabe? E o trinco era só puxar… Se ela quisesse, ela podia abrir o vidrinho para falar melhor com a pessoa, mas ela resolveu não abrir o vidrinho e só olhar pelo vidrinho. E, quando ela olhou, ela viu a tia dela, Lindalva e, aparentemente, a Lindalva estava bem. E aí tia Lindalva falou assim: “Durvalina, abre aqui para mim”. Durvalina na hora, porque assim, Durvalina na hora: “Nossa, a tia melhorou”, e aí ela pôs a mão na chave para virar, mas ela não sabe dizer o quê, veio uma coisa nela, assim, uma intuição, alguma coisa que falou: “Não abra”. — Mas era a Dona Lindalva, era a tia dela… — E aí ela olhou de novo pela janelinha e era tia dela, mas alguma coisa estava errada. Dona Lindava sempre foi muito doce, muito boazinha, muito querida — pensa, acolheu a mãe, a irmã grávida, numa época que era um escândalo, enfim — e ela estava com um olhar que não chegava a ser um olhar ruim, mas era um olhar duro.
A palavra que Dona Durvalina usou para mim foi essa: “Duro”, não era o olhar dela. Durvalina pensou: “Eu estou aqui na cozinha desde, sei lá, nove pouco da noite que minha mãe já estava dormindo com a tia, que horas que ela passou? Que ela saiu?”. E aí ela raciocinando, foi até o quarto… Acendeu a luz rapidinho, acendeu e apagou e viu que a tia estava lá. A tia estava dormindo do lado da mãe dela. Era uma cama de casal e agora elas colocaram uma cama de solteiro. Então, na cama de casal dormia Dona Dalva e Durvalina, mãe e filha e, na cama de solteiro, dormia a tia Lindalva e a tia Lindalva estava na cama de solteiro e a Dona Dalva dormindo sozinha na cama de casal — que Durvalina ainda estava fazendo as coisinhas de milho — e ela assustou e saiu ali da porta do quarto… — Um quarto que não tinha porta, não tinha porta para fechar, assim… — Ela voltou para a cozinha e olhou pelo vidrinho e a tia estava lá, sorrindo para ela e falou de novo: “Abre aqui para mim, Durvalina”. E Durvalina começou a tremer ali e voltou ali para perto da pia, de repente, para pegar uma faca, alguma coisa assim…
Ela falou: “Andréia, eu sei lá, pensei em pegar uma faca, porque não era minha tia”, e aí essa pessoa, sei lá, foi até o vitrô da cozinha e aí já estava bem brava e falou: “Durvalina, abre essa porta para mim” e a Durvalina fechou o olho ali, tentou ignorar e continuou fazendo as coisas dela, do milho, tremendo, mas tentando ignorar. E aquela coisa — igual a tia dela, que não era tia dela — no vitrô. De repente, a voz — que era a voz da tia dela que estava nessa coisa — foi ficando mais grossa e falando: “Durvalina, eu estou mandando, abre a porta” e a Durvalina tremendo, tentando fingir que não estava vendo e nem escutando nada. De repente, a porta — uma porta frágil, gente — começou a tremer… Como se alguém estivesse sacudindo a porta? Só que aquela coisa com a forma da tia dela estava na janela… E aí a Durvalina olhou para a porta e, pela janelinha, ela viu que tinha alguma coisa ali e foi perto, que ela pensou: “De repente, algum vizinho meu que está vendo também”, mas eu até falei: “E se fosse alguém na forma do seu vizinho também? Você ia cair nessa?” e ela falou: “Não sei, Andréia, se eu ia cair, provavelmente sim porque eu era uma criança”.
Quando ela chegou no vitrôzinho, [efeito sonoro de tensão] o que ela viu lá fora foi um monte de vulto preto. Sabe quando você tem um lençol no varal que ele fica sacudindo? Eram vários assim, vultos pretos, passando na frente daquela porta e, quando ela olhou pra janela, estava lá tia dela ou alguma coisa na forma da tia dela com esse monte de vulto preto passando em volta. Durvalina perdeu os sentidos e acordou com a mãe dela chacoalhando ela… Porque a Dona Dalva saía às cinco e pouco da manhã para ir para a roça, pedindo pelo amor de Deus para ir chamar os vizinhos ali… Que a tia Lindalva estava estranha, estava, assim, estava respirando, mas estava dura, não se mexia. E chamaram os vizinhos, até achar alguém para levar ela… Sabe assim? — Até chegar no hospital seria uma coisa… — E aí um vizinho veio ver e falou: “Não, isso aqui não é coisa física, não… Olha como ela está”. As mãos da tia Lindalva estavam retorcidas, assim. Foram lá de novo chamar a benzedeira, insistiram… A mulher veio, a mulher pediu para que todo mundo saísse do quarto.
Dona Durvalina falou: “Eu não consigo esquecer, Andréia, os gritos de horror da minha tia”. Ela não sabe o que foi feito ali dentro com aquela benzedeira, que a gente pode chamar aqui de “Dona Antônia”. Não se sabe o que Dona Antônia fez ali, mas a Dona Antônia saiu de lá pingando suor, exausta e ela falou que tinha deixado a janela aberta, para tirar o que tinha com a Dona Lindalva e que a Dona Lindalva ia ficar muito fraca agora por uns dias… Que tinha que rezar bastante… As beatas elas iam de manhã, de tarde e de noite rezar o terço na cama de Dona Lindalva e depois de uns seis, sete dias ela foi melhorando… Mas ela ficou muito abatida, muito mal. E até hoje Dona Durvalina não sabe o que era aquela coisa no formato da tia dela que estava ali na janela e uma coisa que ela não entende é que, assim, se a tia dela estava possuída por alguma coisa, aquela coisa com aquele monte de envolto, de sombras, enfim, que estava tentando entrar, por que não conseguia entrar? Mesmo sem ninguém abrir a porta… — Porque se é espírito, sei lá, atravessa a parede, né? — Então, meio que também para Durvalina ela não conseguia entender bem o que a tia dela teve, que estava chamando aqueles outros demônios? Eram demônios? O que era aquilo?
Dona Lindalva ficou bem, nunca mais teve isso. Elas trabalharam ali, Dona Lindalva mais um tempo na roça, depois começaram a… — Aí já foi mudando a época, que vai passando, né? Ainda bem que as coisas vão evoluindo. — Começaram a fazer tricô e crochê para vender, toalhinha, essas coisas e foi dando certo… E a vida correu. Nunca mais aconteceu nada sobrenatural. Dona Dalva e Dona Lindalva faleceram de idade mesmo, de causas naturais e Durvalina nunca esqueceu essa história, porque ela falou pra mim: “Andréia, era a minha tia, era igual a minha tia, mas não era minha tia”, a sorte é que ela foi até o quarto ver. Agora, eu fico pensando… Eu e a Janaína… A gente mora no mesmo quintal, ela mora na frente, eu moro nos fundos, se ela chegar aqui e falar para mim: “Andréia, abre o portão”, apesar de ela ter a chave… Então pra mim também já é uma coisa, se ela chegar aqui sem a chave, não vou abrir, hein, Janaina? Já estou avisando… Como que eu vou saber se é a Janaína ou se não é a Janaína? Se é igual… Será que a gente sente? E o que é isso? O que é essa forma? Que consegue tomar a forma de outra pessoa. Ai, gente, sei lá, cada dia mais difícil, né? Como é que você vai saber se é gente, se é demônio em forma de gente? O que vocês acham?
[trilha]Assinante 1: Oi, pessoal do Não Inviabilize, aqui quem fala é a Ana, eu estou falando de Hellsing. Fiquei muito impressionada porque foi muito similar com o que aconteceu com a minha irmã criança… Eu lembro de viver com ela e todo o terror que isso foi, porque na época ela passou a ver algo que se mostrava na forma de uma amiga e isso começou a acontecer em lugares públicos, depois passou para dentro de casa e depois para casa de outras pessoas… Claro, no início causou muita confusão, do tipo: “Como que essa pessoa entrou na minha casa sem ter vindo comigo?”, e aí a gente entendeu que era algo sobrenatural e até hoje a gente não tem explicação também por que foi aquilo, foi muito estranho e muito aterrorizante também. Um beijo e até depois.
Assinante 2: Olá, todo mundo, eu sou o Léo de Lorena, interior de São Paulo. Dona Durvalina, obrigado por compartilhar a sua história… Muito boa, muito, muito boa. Tô até agora me tremendo. Obrigado por ter mandado seu relato, acho que se fosse eu teria gritado minha mãe… Na primeira vez que eu vi minha tia lá fora já tinha feito um escândalo e acordado todo mundo e chamado minha mãe, achei você muito corajosa e maravilhosa. E agora veja, né? Nós não podemos nem confiar naquilo que vemos, porque você teve certeza que era sua tia, né? Imagina quantas e quantas vezes isso não acontece por aí, né? E nem temos ciência disso… Cada vez mais a espiritualidade se mostrando uma incógnita e indo por caminhos tão distintos e diferentes. De novo, obrigado por compartilhar sua história muito especial. Amo ser luzacesers.
[trilha]Déia Freitas: Comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis com Dona Durvalina. Deus me livre, um beijo, e eu volto em breve.
[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]