título: jorginho
data de publicação: 27/02/2023
quadro: luz acesa
hashtag: #jorginho
personagens: dona magnólia e jorginho
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. E hoje eu cheguei pra um Luz Acesa. E hoje eu vou contar para vocês a história da Dona Magnólia. — Essa história tem mais de 40 anos e aconteceu aí num sítio remoto de uma pequena cidade de um estado aí que eu não vou dizer o nome. — Quem me escreve é uma de suas filhas. Então vamos lá, vamos de história.
[trilha]
Dona Magnólia ela se casou com uma criatura aí — um homem muito machista — e eles moravam num sítio afastado de tudo. Então, cada sítio ali daquela localidade era meio afastado. — Então você não tinha praticamente vizinhos, você conhecia todo mundo porque pra você chegar na cidadezinha ali você passava por outros sítios, mas era cada um na sua. — E esse marido mantinha a Dona Magnólia muito isolada, ela ficava sempre muito sozinha… E, nisso, ela começou a criar um bodezinho., que a gente vai chamar aqui de Jorginho. Então, o companheiro ali das coisas que ela tinha que fazer, ela tinha que plantar, capinar a roça, enfim, fazer as coisas dali do sítio ela fazia junto ali com o Jorginho do lado dela, o bodezinho. — E o bodezinho era como se fosse um cachorro mesmo de estimação. — [efeito sonoro de bode berrando]
Jorginho, inclusive, quando chegava alguém estranho no sítio, ele fazia assim como se fosse dar cabeçada mesmo, protegendo Dona Magnólia. Então ele era muito protetor e o marido dela não ligava. Ainda bem, né? Não implicava com Jorginho. Então eles foram seguindo aí a vida, foram vivendo assim…. Até que Dona Magnólia engravidou. E aí tinha toda uma questão, né? A parteira ela morava, sei lá, uns dez sítios pra lá, então teria que ter mais ou menos o tempo ali do parto e, quando ela começasse a sentir as dores, esse marido teria que botar ela ali numa carroça pra levar ali até a parteira. — Era mais fácil, porque a parteira não tinha como ouvir, enfim… — Só que esse marido de Dona Magnólia, às vezes ele saía à noite pra ir beber e jogar sei lá onde na cidade e sumia.
E chegou ali o dia que ela achava que ela ia ter o bebê, porque ela já acordou estranha, já estava sentindo algumas dores e ela avisou o marido… E o marido nem ligou… — Fez pouco ali da situação. — O tempo foi passando, chegou a hora do almoço, Magnólia um pouco pior ali, foi caindo à tarde… Chegou à noite, ela com muitas dores, sabendo que ia ter o bebê ali, o marido dela não apareceu, o Jorginho desesperado e berrava… [efeito sonoro de bode berrando] — Porque ele é um bode, né? — Então ele berrava, berrava e ia até a porta, voltava… Até que, de repente, uma vizinha que não era a parteira, mas era uma vizinha de longe também, apareceu na porta dela. Do nada… E falou: “Magnólia, eu vim te ajudar…”. Só que assim que ela apareceu na porta, o Jorginho ele queria atacar essa mulher de qualquer jeito, [efeito sonoro de bode berrando] ele ficou muito bravo e não queria deixar que essa mulher entrasse na casa.
A Magnólia, com muito custo, muito esforço, conseguiu botar o Jorginho pra fora daquele casebre e fechar a porta e pôr uma madeira na porta, porque o Jorginho tentava arrombar aquela porta. [efeito sonoro de batidas na porta] E aí essa vizinha começou a ajudar ali a dona Magnólia nesse parto e foi um parto difícil e tal, mas ali rolou. O bebezinho nasceu… [efeito sonoro de bebê chorando] E, enquanto a vizinha estava ali ajudando, a Dona Magnólia ela achou que fosse mais uma preocupação porque o Jorginho estava tentando derrubar a porta, ela começou a sentir uma coisa ruim, como se fosse um mau pressentimento… E aí, assim que a vizinha terminou ali de ajudar ela nesse parto, que a Dona Magnólia foi prestar um pouco mais de atenção na vizinha e percebeu que a vizinha estava muito pálida, muito estranha… Só que ela já estava com o bebê ali no colo, estava ainda saindo a placenta, enfim, aquela coisa pós bebê, né? Saindo as coisinhas ali…
E por um instinto, ela foi resolvendo aquilo e olhando pra vizinha… E aí a vizinha estendeu os braços e falou: “Agora você pode me dar aqui que eu vou levar seu filho comigo”. E aí a Dona Magnólia, que era ali uma jovem, né? Jovem Magnólia abraçou mais forte o bebê e falou: “Não, você não vai levar meu filho”. E a mulher falou: “Eu vou levar seu filho comigo”. Dona Magnólia começou a gritar e começou a pedir por Deus, por Jesus, enfim… Começou a rezar. E aí, dona Magnólia disse que, na frente dela, na frente dela…. A vizinha desapareceu. Desapareceu. E aí ela ficou em choque, assim, sem entender, abriu a porta… O Jorginho estava com a cabeça toda machucada de tanto que ele bateu tentando abrir aquela porta. Então, assim, Jorginho reconheceu que aquilo não era humano… E Dona Magnólia ali naquele meio das dores de parto, enfim, daquele desespero, só começou a ter essa percepção depois que o bebezinho tinha nascido.
Só que era uma vizinha que ela conhecia e isso já era começo de madrugada, assim, né? E só aí o marido dela chegou. Chegou bêbado, deitou, nem olhou para a criança. Dormiu. [efeito sonoro de galo cantando] No dia seguinte, quando esse marido acordou, e aí, enfim, né? Prestou atenção que tinha nascido uma criança e tal, ficou feliz que era um menino… Dona Magnólia contou pra ele o que tinha acontecido, ele não acreditou, mas ela fez ele ir lá na casa da vizinha pra saber da vizinha, né? Porque até a vizinha começar a pedir o bebê, era uma pessoa boa. — Sempre foi… — E aí, quando este homem chegou na casa da vizinha, que bateu, bateu, bateu e ninguém saiu… — E era um casebre também, uma vizinha que morava sozinha, não tinha o que eles chamam de “criação”, não tinha nenhum bicho, nada, enfim, estava tudo um silêncio… — Esse homem resolveu dar uma olhada ali pela janela [efeito sonoro de tensão] e achou a vizinha morta, mas morta, assim, de muitos dias, já cheia de moscas, cheias de larvas, sabe? E ninguém sabe do que ela morreu, que também naquela época ninguém fez uma investigação, uma perícia, nada… E não tinha como ela ter ido ajudar a Magnólia no parto.
Só que três dias depois da data que o bebezinho nasceu, esse bebezinho piorou… Teve uma questão de saúde que dona Magnólia também não sabe o que é e faleceu… — Esse primeiro filho de Dona Magnólia morreu.— Então, dona Magnólia sempre achou que essa mulher ela não queria tomar o bebê, ela estava talvez avisando que esse bebê ia com ela, ia morrer também. Depois que ela soube da morte da vizinha, ela teve esse entendimento, né? Que talvez a vizinha não quisesse tomar o bebê, isso também a gente não vai saber, mas avisando que o bebê iria com ela, né? Que o bebê ia falecer, enfim… E essa história marcou muito a Dona Magnólia e o jeito que o Jorginho reagiu também, né? Ele sabia… Eu acho que o bicho sempre sabe, né? Eu acho… Sei lá. Dona Magnólia teve depois desse bebê teve três filhas… Uma delas que me escreveu, que a gente pode chamar aqui de Marisa. Marisa que me escreveu… E eles saíram daquele estado, foram morar em outro estado. — Elas, né? —
Por que o que aconteceu ali no final dessa história nessa cidade? O tempo foi passando, as meninas foram crescendo, o Jorginho já um bodinho bem idosinho, ficou ali velhinho… E ele nunca gostou desse marido da dona Magnólia, então ele nunca se aproximou, nunca teve muito contato com este homem, né? E um dia, já bem velhinho, o Jorginho… Esse homem saindo, a pé pra ir até a cidade… — Quando ele bebia, às vezes ele não ia de carroça e nem a cavalo, ele ia a pé… — E aí o Jorginho foi até uma parte da estrada de terra ali com esse homem e ficou olhando ele de longe… Pela primeira vez ele acompanhou esse homem e a dona Magnólia achou estranho, né? E ficou olhando e tal.
E aí esse marido não voltou nesse dia… No dia seguinte, dona Magnólia foi procurar ele na cidade e ele tinha sido assassinado. Ele tinha sido morto na cidade. Então Dona Magnólia também acha que Jorginho sabia. Pressentiu. E só depois que Jorginho morreu, o bodezinho morreu, ela resolveu pegar as meninas e sair daquela cidade. Tipo, era só o Jorginho que mantinha ela ainda ali, né?
Depois que o marido morreu ela teve que se virar, enfim… — Mas deu tudo certo, assim… — E aí, quando o Jorginho morreu e foi, assim, uma perda muito grande pra Dona Magnólia, muito mais do que o marido… — Ela falou que não sentiu… [risos] Amo… — Não sentiu a morte do marido, que era um péssimo homem com ela, enfim, né? Um péssimo pai. Mas sentiu muito a morte de Jorginho. Então, esse é um Luz Acesa mais ameno, né? E aí pra deixar aqui uma beijoca e todo nosso carinho para o bodinho Jorginho. Agora, vocês acham que a vizinha voltou pra ajudar no parto pra levar esse bebê embora e, tipo, ela matou o bebê ou ela foi avisar que o bebê ia morrer de qualquer jeito? Eu acho que, de repente, ela foi avisar, né? Por que que poder que ela teria pra matar esse bebê, né? Três dias depois ele está morto… Eu acho que ela foi avisar que ela já estava morta e que esse bebê ia morrer também, assim, e meio que na hora o texto não rolou bem… Eu acho que foi isso. Sei lá.
[trilha]
Assinante 1: Oi, pessoal, meu nome é Caio, falo de Rio Preto, interior de São Paulo. Foi um dos Luzes Acesas que eu achei mais bonitos, assim, mais sensíveis, mais tocantes… Porque mostra, assim, deixa evidente como que o ser humano é capaz de criar uma conexão tão intensa com um animal de estimação. Eu mesmo já fui salvo por uma cachorra que eu tive… há um tempo atrás ela me acordou e, enquanto eu adormeci, eu tinha deixado umas panelas no fogo. [riso] Foi engraçado, ela colocou a cabeça pra dentro da janela e latia incessantemente e eu não estava entendendo e depois eu fui ver e a minha cozinha estava praticamente em chamas. [riso] Então, a gente deve agradecer a existência desses animais que que estão aí para nos servir como anjos da guarda. Eu adorei essa história e espero que o Jorginho esteja bem onde quer que ele esteja. Um beijo.
Assinante 2: Oi, Não Inviabilizers, aqui é a Estela de [inaudível], Paraty. E, Dona Magnólia, pra mim, Jorginho ele foi um anjo da guarda que te protegeu dos mals. E essa vizinha sua foi pra tentar te avisar que o seu filho ia falecer. E espero que vocês estejam bem, que esteja correndo tudo bem aí com vocês. E um beijo, tchau, tchau.
[trilha]Déia Freitas: Dona Magnólia diz que sempre que ela precisa ser avisada de alguma coisa, seja coisa boa ou coisa ruim, o Jorginho aparece pra ela em sonho… Não falando, não avisando, mas ela sonha com o Jorginho. Então, olha, ele é um anjinho da guarda, né? Jorginho Bodinho… Já quero. Então é isso, gente, um beijo.
[vinheta] Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]