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título: lamentos
data de publicação: 30/06/2021
quadro: luz acesa
hashtag: #lamentos
personagens: aninha, alexandre e dona mirtes

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi gente, cheguei. Cheguei para um Luz Acesa e hoje eu vou contar pra vocês a história da Aninha, do Alexandre e da Dona Mirtes. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha]

A Aninha começou a namorar o Alexandre muito cedo, ela tinha quinze e ele tinha dezesseis. E o Alexandre era muito ciumento, então ele começou ali a implicar com os amigos de escola da Aninha, a Aninha só podia sair com ele… — Esse tipo de coisa que a gente sabe que vai escalar aí pra um relacionamento abusivo, né? — Só que até então a Aninha achava que tudo bem ele ter ciúmes, isso não era uma questão pra ela, só que Dona Mirtes ali, ela percebia. — Ela percebia que o Alexandre era ciumento, né? — E ela falou pra Aninha, falou: “Olha, Aninha, você sabe que a vó, a vó benze, que a vó vê as coisas e eu vou te dizer já que esse namoro seu aí com o Alexandre não vai durar”, aí a Aninha falou: “Credo, vó, imagina, o Alexandre não me larga, nunca que ele me larga, ele me ama”, aí a avó dela falou: “Olha, é bom você nem falar assim, que nunca ele te larga, porque às vezes é bom largar, né?”. E aí isso ela tinha quinze, o Alexandre tinha dezesseis e Dona Mirtes já uma senhora de idade que benzia. 

E aí a Aninha namorou com o Alexandre até os dezoito, quando chegou ali nos dezoito eles tiveram uma briga por causa de uma festa de formatura e tal e terminaram. Só que Aninha estava sofrendo muito e foi falar com a vó dela, e a vó dela falou: “Olha, vocês vão voltar, mas como eu já te disse antes, vocês não vão ficar juntos” e aí a Aninha ficou feliz que eles iam voltar, nem prestou, nem focou nisso de que eles não iam ficar juntos, né? Que a Dona Mirtes falou e, realmente eles voltaram, eles reataram o namoro. Mais um ano se passou, Aninha com dezenove anos e Alexandre com vinte, e Dona Mirtes começou a falar ali para as pessoas da casa — Que ela morava junto com os pais da Aninha, a Aninha e o irmão da Aninha — que ela estava partindo, que o tempo dela já estava chegando ao fim, que ela tinha umas obrigações pra cumprir antes de fazer a viagem, antes de partir e que uma das coisas que ela ia fazer era deixar a casa protegida.

O que Dona Mirtes falou que era isso? Dona Mirtes dizia que a Terra é povoada por pessoas vivas e pessoas mortas e, que às vezes, essas pessoas mortas, se elas encontram uma brecha, elas andam com você, elas grudam em você e elas podem ir pra casa com você, mas o que Dona Mirtes também dizia que, pra um espírito entrar numa casa, as pessoas precisam estar muito assim, mal espiritualmente, porque não é fácil um espírito maligno adentrar num lar. Dona Mirtes dizia que nem um espírito bom assim, que não tivesse uma má intenção, não era fácil e que quando isso acontecia é porque as coisas ali, o ambiente familiar ou alguma outra questão, questão de vício, sei lá, o espírito grudava na pessoa e conseguia entrar junto. Então ela ia deixar a casa protegida, portas e janelas… — Eu até perguntei pra Aninha, “Mas e paredes”, né? Ela falou: “Não, quando ela fala portas e janelas é a casa toda”. — E que nenhum espírito ia conseguir entrar ali, que ia ser muito difícil e que ela tinha umas outras obrigações também e todo mundo não deu muito muita trela assim para o que ela estava falando, porque Dona Mirtes estava bem de saúde, e antes dela falecer, — Estando ótima ainda — ela chamou a Aninha pra conversar e falou: “Aninha, eu já te disse, né? Que você não vai casar com o Alexandre. Na verdade, eu não vejo você casando com ninguém, eu só vejo você com uma relação assim de afeto com uma criança”, e aí Aninha falou: “Credo, vó, você tá me desejando que eu tenha um filho e não tenha marido?”, ela falou: “Olha, eu não tô te desejando nada, eu tô te falando o que eu tô vendo, você não vai casar com o Alexandre”. 

E a Aninha já estava num movimento, ela e o Alexandre, pra casar e aí a Aninha falava sempre isso pra avó: “Mas o Alexandre não me larga”, e aí Dona Mirtes olhou bem séria pra cara da Aninha e falou: “É, você ainda vai lembrar dessa frase que você tá me dizendo agora que o Alexandre não te larga”. E aí passou mais um tempo, ficou tudo de boa, porque isso foi uma conversa de boa também, segundo Dona Mirtes ela não tinha nada contra o Alexandre, só que eles não iam ficar juntos. E, gente, não é que Dona Mirtes faleceu dormindo? Morreu dormindo. E aí todo mundo ficou mal, né? Porque ninguém acreditava que realmente, né? A morte dela estava próxima e passou. Passou mais um ano, porque estava difícil ali, tudo que eles tentavam pra poder acelerar as coisas pra casar não dava certo e a Aninha ali angustiada, sempre lembrando das palavras da avó dela. Até que o Alexandre resolveu ir nadar numa represa com os amigos… — Nadou, aposto que vocês já estavam pensando aí: “Ai, meu Deus, se afogou”, não. — Nadou, ficou lá, passaram o dia nessa represa, quando eles voltaram, eles sofreram um acidente de carro [efeito sonoro de carro batendo] e os cinco do carro morreram no acidente, foi um acidente grave, um acidente feio envolvendo dois carros e os cinco desse carro e as duas pessoas do outro carro morreram na hora. — Pra vocês terem uma ideia de como foi o acidente, uma coisa grave. —

E aí, nossa, o mundo da Aninha ruiu, né? Acabou pra Aninha. E aí ela só conseguia pensar na avó dela, na avó dela e ela falou: “Vó, me ajuda, eu não vou conseguir, eu amava o Alexandre, nã nã nã”. E aí enterraram todo mundo, foi aquela comoção porque eram todos os amigos, fizeram um velório coletivo e já no velório a Aninha passou mal, e todo mundo, né? “Poxa, passou mal porque era o noivo dela, eles iam casar, nã nã nã”, e quando a Aninha chegou em casa a mãe dela olhou pra ela e falou: “Filha, tudo bem, você chorou e tal, mas você tá estranha, vamos fazer uns exames semana que vem? Eu não vou te encher o saco com isso, mas vamos ver o que você tem, você tá comendo mal e a gente precisa ver o quê que é”. Foram fazer os exames dali uma semana e a Aninha estava grávida, grávida do Alexandre que tinha acabado de falecer. E aí mais um baque, né? Tudo que a avó dela, Dona Mirtes, tinha falado tinha acontecido. E ela ficou mal, ficou feliz por estar grávida, porque ela ia ter uma lembrança eterna do Alexandre, né? Só que por outro lado ela estava super assustada, apesar de ter todo o apoio dos pais ali pra quando o bebezinho nascesse, ela estava bem assustada. 

E aí um dia à noite rezando, que toda noite ela rezava o Pai Nosso e tal, essas coisas, a cama da Aninha ficava embaixo da janela e ela escutou uma respiração do lado de fora da janela e ela pensou: “Meu Deus, um ladrão?”, só que a casa da Aninha é num sobrado, pra ter um ladrão, alguém tentando entrar pela janela do quarto dela a pessoa teria que ter colocado uma escada, uma escada alta assim, grande, pra conseguir alcançar no quarto dela. E era uma respiração muito forte assim, pensa numa respiração de alguém que estava correndo, sei lá, a respiração de alguém assustado, e aí ela ficou petrificada na cama, não conseguia se mexer, não conseguia fazer nada, ela não sabe se ela pegou no sono. No dia seguinte ela acordou e achou que foi tudo um sonho, dois dias se passaram, de novo a respiração na janela, ela falou: “Não é possível, não é possível”, e a janela dela era uma janela veneziana, então que você consegue olhar pelo vãozinho, tem o vidro para o lado de dentro e a madeira veneziana. 

E aí ela criou coragem e abriu o vidro e olhou pela fresta da veneziana. A Aninha quase morreu, ela viu um vulto, ela falou assim: “Era um vulto escuro, como se fosse uma sombra, mas a sombra ela não tem… Sei lá, é 2D assim, ela é tipo, sei lá, fica chatinha na parede, né?”, não, era como se fosse uma pessoa vulto, sabe? E aí quando esse vulto deve ter visto ou percebido que ela estava olhando pela janela, ele tentou entrar pela fresta da janela e ela afastou. A Aninha afastou e gritou… E ela disse que ela gritou alto e ninguém acordou, nem o pai, nem a mãe, nem o irmão, ninguém acordou. E aí ela ficou ali na cama porque ela ficou com medo daquela coisa ter conseguido entrar, ela nem lembrava que a avó dela tinha deixado a casa protegida, nada disso. E dali, gente, pra frente, todo dia a Aninha escutava esse vulto respirando na janela, até que esse vulto começou a chorar, mas não era um choro, era um lamento, sabe? Era um murmúrio assim, um lamento, como se ele estivesse reclamando, ou tivesse, sabe? Lamentando mesmo. 

E aí ela comentou com a mãe dela, a mãe dela falou: “Nossa, deve ser coisa da sua cabeça, né?”, e a mãe dela nem acreditava também, não acreditava nem nas coisas que Dona Mirtes dizia. E a gravidez, né? Foi evoluindo. Quando ela estava de seis meses, ela estava de manhã — Detalhe, de manhã — no quintal estendendo umas roupas quando ela colocou uma toalha, estendeu uma toalha no varal que ela puxou a toalha pra colocar a outra toalha do lado, o vulto estava na frente dela, na frente dela, e aí ela deu um grito, caiu, desmaiou, foi aquela correria, todo mundo preocupado com o bebezinho. Ela foi socorrida, foi para o hospital, mas foi liberada porque não tinha acontecido nada, né? Ela só perdeu os sentidos ali por causa do susto. E a partir dos seis meses ela andava sonhando muito com a avó dela e a avó dela nunca falava nada, a avó dela só abraçava ela e não falava nada, e aí ela não conseguia entender também esse sonho, né? 

E esse vulto agora se lamentava com ela em qualquer lugar que ela tivesse no quintal ali, ou na janela dela, e aí se ela fosse pra rua, por exemplo, se ela tivesse andando na rua, vai, voltando — Ela já tinha terminado ali a faculdade, já tinha feito faculdade, mas se ela tivesse voltando… — de um curso, sei lá, X, à noite, esse vulto não aparecia na rua, esse vulto só aparecia no quintal dela e na janela dela. E mais um tempo se passou e o bebezinho nasceu [efeito sonoro de bebê chorando] e o bebezinho nasceu, nasceu saudável, só que, gente, o bebezinho chorava muito, ele chorava muito. E aí começaram a fazer exames, a Aninha super preocupada, né? Se fosse alguma coisa, né? Porque o recém-nascido chorava demais, demais, demais e ninguém achava nada, os médicos não achavam nada… Até que ela sonhou com a Dona Mirtes. 

E aí a Dona Mirtes falou com ela, Dona Mirtes disse pra ela que tinha conseguido uma autorização pra falar e que o Alexandre estava muito perto, e que era por isso que o bebê chorava, porque o bebê também sentia. E aí a Aninha ficou assustada, assustada, assustada e aquilo era um sonho, — Tipo, a avó dela não apareceu pra ela, a avó dela ela estava em sonho — e a avó dela falou que… — Como é que é? — que ele ia conseguir ajuda, que agora depois que o bebê nasceu, ele aceitou ajuda e que logo as coisas iam melhorar. E aí antes de melhorar, antes do bebê parar de chorar do jeito que ele chorava, uma última vez ela escutou essa lamúria desse vulto na janela dela e foi a primeira vez que ela falou que ela teve menos medo, não é que ela não teve medo, ela teve menos medo, porque ele estava tentando chorar, tentando se comunicar, parecia, sabe… Era um barulho estranho e ela achou que era ele tentando falar alguma coisa e enfim, não conseguiu, né? 

E depois disso, nessa mesma noite, o bebezinho já tinha acordado duas vezes chorando muito, ele entrou num ritmo bom ali o bebezinho e não chorou mais desse jeito, chorava pra mamar, chorava igual um bebezinho chora, né? E aí, gente, quinze anos se passaram… — Quinze anos. — E esse bebezinho já era um mocinho, né? Um rapazinho, adolescente e ele um dia falou pra mãe dele, eles dormiam no mesmo quarto agora, porque na casa dela também só tinha três quartos ali no sobrado, né? Um era do irmão e o irmão ainda estava na casa, né? Porque era um irmão bem mais novo, outro dos pais e outro dela com o bebezinho crescido. E o filho dela, um dia falou que tinha visto um vulto no quintal, ele com quinze anos, e aí ela ficou apavorada, né? Ficou apavorada achando que era o Alexandre de novo, que ia começar tudo aquilo de novo e ela rezou uma noite lá, pediu orientação pra avó dela. E aí sonhou com a avó tranquilizando ela, falou que a vó dela estava mais gordinha, estava bem bonita assim, parecia até mais nova e que a avó dela falou pra ela que não era o Alexandre e que o menino tinha nascido com o dom dela, só que ele ia poder escolher se ele queria, né? Fazer alguma coisa com isso ou não, e que era pra ela ficar tranquila que não era o Alexandre, ele tinha visto uma outra pessoa, sei lá, um espírito X. 

A Aninha disse que o filho dela nunca desenvolveu nada, depois desse dia do vulto e ela não sabe se a avó fez alguma coisa ou não, ele não falou mais nada, ela também não comentou mais sobre isso e que de tudo isso que ficou mais gravado pra ela, era a questão de que quando ele começava, — O Alexandre na janela — a se lamentar, o quarto dela ficava muito frio… — Eu falei: “Gente, parece tudo assim, bem clichê de filme de terror?” — e ela falou: “Andréia, era impressionante, podia estar o verão que fosse, ele na janela se lamentando, eu sabia que ele estava tentando entrar e o quarto gelado, gelado”, e aí ela disse que, às vezes, muito assim às vezes, ela sente o quarto gelar e que aí ela não sabe se é algum outro espírito tentando entrar, o que é, né? Porque ela dorme no mesmo quarto que o filho, tem ali duas camas de solteiro, e antes a cama dela ficava embaixo, bem embaixo da janela, agora fica uma cama, a janela um vão e a outra cama que é do filho dela, então a janela fica no meio dos dois, né? Ali fica um vão que tem um movelzinho com gaveta e fica ali. A janela fica no meio e ela acha que provavelmente deve ter alguma coisa ali porque sempre é aquela janela dela. 

O pai dela nunca sentiu nada, nem a mãe, nem o irmão, e é sempre pela janela dela, então aí ela fica naquela dúvida, se de repente ela vibra errado de algum jeito, ela atrai isso, ou agora o filho dela… — Vai saber, né? — E como a vó dela disse, realmente ela nunca se casou, ela nunca, depois do Alexandre, teve interesse em ter um namoro mais firme assim, né? O que eu, sei lá, acho que terapia também, né? Porque nem tudo também é espiritual, né? 

[trilha]

Assinante 1: Aqui quem fala é o Renan Alonso, sou aqui do Rio de Janeiro, mais especificamente de Bangu, eu ouvi a história “Lamentos”, ouvi me borrando todinho porque eu sou cagado, eu admito logo. Foi uma baita história e é o tipo de história que a gente ouve por aí no interior, né? Aquelas coisas bem… Que amedrontam a gente, que envolve espiritualidade e tudo mais, baita história. Um abraço. 

Assinante 2: Meu nome é Cintia, eu falo do Rio de Janeiro. Eu acredito em espíritos, em forças ocultas, mas também tem a questão psicológica, porque você passou por um trauma muito grande, perdeu o Alexandre, a forma como você perdeu, a sua avó, criar o seu filho sozinha… Isso tudo somatizou em um caos psicológico. E você precisa tratar, precisa acompanhar com terapeuta, com profissional, pra poder seguir em frente e continuar a sua vida. 

Déia Freitas: E essa é a história da Aninha, a história do vulto que se lamentava na janela dela e que era o Alexandre. Então um beijo e até a próxima.

[vinheta] Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta] 

Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.