título: lamúria
data de publicação: 17/10/2024
quadro: luz acesa
hashtag: #lamuria
personagens: adriana e dona lúcia
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]
Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para mais um Luz Acesa. E hoje eu vou contar para vocês a história da Adriana. Então vamos lá, vamos de história.
A Adriana sempre morou aí com seus pais — ela tem dois irmãos que já são bem mais velhos, então já estão casados, já tem seus filhos, enfim, os sobrinhos da Adriana e nã nã nã — e a mãe da Adriana — que a gente vai chamar aqui de “Dona Lúcia” — sempre foi uma pessoa muito sofrida, sabe? Quando ela era pequena ela apanhava muito do pai, ela era muito maltratada… E aí casou com este homem e passou a ser maltratada por ele também. Então, as vezes ele fazia privação de alimentos com a família toda, batia na Dona Lúcia, enfim… E assim eles foram crescendo. Só que os dois irmãos da Adriana sempre passaram pano para o pai. — Sempre. — O tempo foi passando, Dona de pensamento mais antigo, assim, que mesmo sofrendo na mão do marido, jamais pensou em se separar porque casamento é pra sempre e nã nã nã…
E Adriana sempre vendo ali dentro de casa esse sofrimento da mãe e pensando: “Eu nunca vou poder sair daqui, porque se eu sair ele mata minha mãe”, porque o que segurava um pouco este velho era a Adriana ali. O tempo passou e depois de uma briga deles, a Dona Lúcia foi dormir e não acordou… Adriana suspeita que talvez na briga ela pode ter batido a cabeça a Dona Lúcia e morreu porque dormiu com traumatismo, alguma coisa… Só que, como ela morreu em casa, o IML veio retirar e teve um laudo e não foi apontado nada no laudo a não ser causas naturais. — Então é uma suspeita que ela tem que de repente ninguém detectou lá que foi por causa de um empurrão do pai, que ela bateu a cabeça e morreu… Foi só retirado o corpo e saiu o laudo de morte natural. Então, aqui a gente vai tratar como morte natural, porque é isso que está no laudo, né? —
Aquele baque, principalmente na Adriana e ela só estava naquela casa pela mãe, então a Adriana começou um movimento de sair de casa. — Só que, gente, para você que é classe C, não é fácil. Você tem que se estruturar para você conseguir pagar o aluguel, né? Aí você não tem uma geladeira, você não tem as coisas, né? — O jeito dela começar a se estruturar foi guardar um dinheirinho — agora que ela não tinha mais a mãe ali — para poder sair e o pai dela que se virasse. — Porque o pai dela também era aquele tipo de cara que não fazia nada… Mas a Adriana começou a fazer pouca coisas dentro de casa. Então, por exemplo, comida ela já não fazia… — E ele começou a se virar. Passado ali uns quatro meses que Dona Lúcia tinha falecido, algumas coisas começaram a acontecer dentro daquela casa… É uma casa antiga de dois quartos, sala, cozinha e banheiro, mas bem espaçosa, antiga, uma casa velha, uma casa de gente pobre e tal. E na mesa da cozinha, também uma mesa de madeira, cadeiras de madeira, bem antigas, mas não aquele antigo que a gente fala “ui, vintage, bonito”, não, umas cadeiras velhas de madeira e tal… — Mas madeira boa porque dura 20, 30 anos, enfim… —
Um dia, a Adriana estava lavando a louça ali, louça dela, a louça do pai e tal, e ela ouviu a cadeira afastar… “Ai meu Deus, meu pai já sentou aqui, vai querer conversar”. No que ela olhou para trás, a cadeira estava puxada e não tinha ninguém sentado… Adriana falou: “Bom, acho que sei lá, dei uma pescada aqui, sabe? Sei lá, dormi em pé, ou sei lá, tava aqui pensando na minha mãe, imaginei coisa”. Ela terminou de lavar a louça e da cozinha ali tinha um corredorzinho, você ia pra sala e depois tinha ali os dois quartos do outro lado da sala, o corredorzinho para os dois quartos. O pai dela estava na sala, a TV estava ligada… O pai levantou pra vir até a cozinha — talvez tomar água, talvez falar com Adriana — e a Adriana viu com os olhos dela a cadeira que tinha sido puxada ser atirada no velhote, pai dela. Então, alguma coisa deu uma cadeirada nele. — [risos] Desculpa… — Jogou a cadeira nele. Adriana ficou incrédula porque ela não viu nada, só viu a cadeira voando sozinha. — Ela viu, ela viu com os olhos, ela viu, ninguém contou pra ela. —
E aí o pai dela, que bateu a vida toda na mãe, começou a gritar: “Não, Lúcia, não, Lúcia… Não, Lúcia”. — Se realmente existe algo sobrenatural e além túmulo e Dona Lúcia voltou para bater nele, vou passar esse pano. Não vou nem querer que ela seja recolhida para o céu, sei lá para onde, não, [risos] deixa a Dona Lúcia um tempo aí batendo nele. — Ele começou: “Não, Lúcia, não, Lúcia” e correu e se fechou no quarto, que agora só estava ela e ele na casa. — Antes a Adriana dividia o quarto com os irmãos, né? Quando ela era bem pequena, mas agora tinha o quarto dela e o pai ficava no quarto dele, que era o quarto da mãe, que estava exatamente como antes, assim… Que o pobre não tem isso de: “Ah, morreu, tirar esses móveis daqui”, você não tem dinheiro para comprar outro, você tem que dormir naquela cama, é aquela cama que você vai dormir, né? — E a Adriana percebeu que agora toda noite o pai dela chorava muito, assim, se lamentava muito, sabe? Uma lamúria assim baixinha, chorando, chorando, chorando… E ela não queria perguntar porque, assim, como eu disse, o pai dela sempre foi uma pessoa muito ruim, né? Então ela não queria dar essa brecha, tipo: “Como é que você tá?”.
Chegou uma hora que todo dia ele chorando baixinho pelos cantos, ela perguntou, e aí o pai falou que estava vendo a Dona Lúcia pela casa toda e que ela assustava ele, que ela puxava a coberta dele, que ela arrancava o travesseiro dele, que ela batia nele. [risos] —Olha, sendo a consciência desse homem ou sendo Dona Lúcia mesmo, tá ótimo pra mim, viu, dona Lúcia? [risos] Isso aí, tamo junto. [risos] — E Adriana acreditou porque ela viu a cadeira voando… Só que aí começou a acontecer coisas assustadoras, as portas batendo muito, as gavetas abrindo sozinhas, cadeira voando, coisas voando pela casa… — Aí também, Dona Lúcia, sabe? Porque não poupou a Adriana? Faz só quando está só ele. — A Adriana, já muito assustada, um dia ela foi dormir e ela sonhou com uma mulher que ela nunca viu na vida… Nunca tinha visto. Essa mulher tava com uma roupa… — Como é que eu vou explicar? Sabe gente rica que coloca roupa branca em babá? — Aquela roupa, um uniforme branco de babá… Era uma roupa desse jeito e essa senhora falou pra ela assim: “Olha, a gente não tá conseguindo ajudar a sua mãe, levar a sua mãe… E eu vim aqui te avisar, porque pode ser que o seu pai faça alguma coisa com você, fique violento com você, então eu preciso que você saia dessa casa”, isso no sonho…
A Adriana nunca viu aquela mulher na vida dela, era uma mulher que estava pedindo pra ela sair da própria casa. Adriana não sabe por que, mas ela resolveu acatar o aviso dessa mulher e inventou uma desculpa pra ir pra casa do irmão dela, falou: “Eu quero passar uma semana aqui, o papai, nossa, tá inviável ficar com o papai lá” e ela foi… No segundo dia que ela tava na casa do irmão, os vizinhos ligaram… Que o pai dela tava na rua, enlouquecido, tentando atingir as pessoas com uma faca, gritando o nome da Dona Lúcia e que tinha vindo a Polícia Militar e tinha levado ele, mas ele acabou indo pra uma instituição, um hospital. E aí o pai dela foi internado porque ele estava totalmente fora de si e ele se batia, se arranhava e falava: “Para, Lúcia, para, Lúcia”, então provavelmente a Dona Lúcia — se é que existe isso — estava atormentando este marido e ele continuava com aquela lamúria, chorando baixinho no hospital lá. O pai dela ficou internado nesse hospital numa ala psiquiátrica durante 23 dias e, no vigésimo quarto dia, ele faleceu…
Ele morreu e as enfermeiras falaram que ele morreu gritando o nome da esposa, “Lúcia, Lúcia, Lúcia”. Mentir que ela se lamentou pelo pai ter morrido? Não, porque não era uma relação boa… Ela não gostava do pai, então assim, morreu… Mas ela ficou preocupada em como seria agora que o pai morreu e a mãe morta… Como seria isso? E ali eles já começaram o movimento para vender aquela casa, porque nem a Adriana tinha interesse de ficar ali. Então, aquela casa foi vendida, dividida em três partes para os irmãos, mas enquanto isso não acontecia — porque tinha que correr inventário e tal —, a Adriana tinha que morar lá, não tinha outro lugar para morar e ela estava com medo de agora o pai aparecer na casa. Adriana voltou da casa do irmão depois que fizeram o enterro e tal, ela ficou mais uns dias no irmão e teve que voltar, não tinha jeito. Fizeram a missa de sétimo dia e tal e, depois disso, ela teve um outro sonho com a mesma mulher. Nesse sonho, a mulher veio avisar que tinha conseguido recolher a Dona Lúcia e não falou A do pai dela. — Então ela não sabe o que aconteceu com o pai dela. —
O tempo que ela ficou na casa ainda, os meses, nada aconteceu… Depois ela nunca mais foi assombrada pela mãe… — A mãe não assombrava ela, né? A mãe assombrava ele, mas como ela estava ali, né? Acabava que também ela era assombrada. — Nunca mais aconteceu nada sobrenatural. — Nada, nada, nada, nada… E, inclusive, eles já tiveram que desenterrar, né? Tanto o pai quanto a mãe, que deu aquele tempo pra jogar os ossos no ossário geral ali e também nada aconteceu. Ela ficou muito tensa… —Também nunca mais viu essa mulher vestida de roupa de babá, de roupa branca e ela falou que foi muito assustador, porque se é que era realmente a mãe dela, ela atirava as coisas, atirava a cadeira, jogava as coisas longe, gente, longe… Abria gaveta, batia portas e o pai dela ficava lá, se lamuriando baixinho… Arrependido de uma vida toda de abusos? Acho muito difícil, acho que ele estava chorando de medo, mas fica aí essa questão. Eu entendo que foi um motivo nobre [risos] a Dona Lúcia ter virado aí o que a Adriana chama de “obsessor”, [risos] mas achei que fez pouco. Achei aí que se tiver como voltar para assombrar homens abusivos até que eles enlouqueçam e morram, não sou eu a pessoa que vai falar para o espírito desta mulher que foi abusada “não volte”, porque para mim o ideal é que nenhuma mulher morra de violência, né? Então, Dona Lúcia, tamo junto, vou passar esse pano…
Vamos pôr tudo aí na conta do “ah, estava nervosa”, “Voltou porque ficou chateada, estava nervosa”, ela tem direito, tá bom? Então eu estou com Dona Lúcia nessa… Não precisa aparecer para mim, não precisa atirar cadeira… Espero que Dona Lúcia aí, se existir um outro plano, esteja ótima, longe daquele traste… E é isso, assim, vou passar realmente esse pano para Dona Lúcia, falar: “Bobagem… Ih, Dona Lúcia… Ê, Dona Lúcia…”. [risos] O que vocês acham?
[trilha]
Assinante 1: Oi, nãoinviabilizers, aqui é a Sara, de São Paulo. Ê, Dona Lúcia… Nunca errou. Essa história é literalmente “aqui se faz, aqui se paga”. Estamos todos com Dona Lúcia. Um beijo.
Assinante 2: Oi, nãoinviabilizers, aqui é a Paula de São de São Paulo. Oi, Adriana, sinto muito pelo que você passou, sinto muito pelo que você viu sua mãe passar e sinto muito pelo que sua mãe passou. Sinto muito também pela morte dela… Acredito sim que ela veio atormentar o seu pai mesmo, porque era o que ele merecia em vida. Em vida ele não pagou por esse crime que ele cometeu, mas o final da vida dele foi atormentado pela Dona Lúcia, Dona Lúcia rainha, amei. Eu espero que você fique bem, Adriana. Um beijo.
[trilha]Déia Freitas: Então é isso, gente, um beijo. — Deus me livre e eu volto em breve. —
[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Iiih, ela é gente boa, ela é do bem, Dona Lúcia brincalhona.