Skip to main content


título: limbo
data de publicação: 27/10/2025
quadro: luz acesa
hashtag: #limbo
personagens: lana, márcia e pacheco

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Shhhh… Luz Acesa, história de dar medo. [vinheta]

Déia Freitas: Oi gente… Cheguei. Cheguei para um Luz Acesa. — Luz Acesa da temática Quaresma. — E hoje eu vou contar para vocês a história da Lana. Então vamos lá, vamos de história.

[trilha]

A Lana nunca foi religiosa, supersticiosa, nem quando era criança… Nunca teve uma religião, a família dela nunca cobrou nada e ela cresceu assim. — Lana e sua irmã, Márcia, sem nenhuma religião. — O tempo passou, Márcia conheceu o Pacheco e eles se casaram. Lana sempre foi muito amiga do Pacheco. — Sabe esses cunhados que são muito gente boa? Que você acaba realmente integrando o cara na família? E o Pacheco era assim ali na família da Lana, casado com a Márcia. — O tempo foi passando, o relacionamento ali de Márcia e Pacheco muito firme, eles tiveram um filho, tiveram um segundo filho e a Lana sempre brincando ali com o cunhado, muito amigos, de fato… Lana estava agora cursando uma faculdade, tinha o seu trabalho, até que um dia, umas quatro horas da tarde, o telefone tocou… [efeito sonoro de telefone tocando] Era o telefone fixo ali da empresa, né? Porque Lana não podia usar o celular durante o trabalho. 

E era ali uma vizinha que era muito amiga delas — que a gente pode chamar aqui de “Virgínia” —: “Olha, estourou um cano aqui, tá tudo inundado, eu preciso que você venha pra cá agora. Mas não tem ninguém que possa fazer aí? Eu que tenho que…”, “Não, é você que tem que vir e tal”, conversou lá na empresa e Lana foi pra casa. Quando Lana chegou na casa dela, estava uma confusão, uma gritaria, um choro… Por quê? Pacheco tinha sofrido um acidente de trabalho e tinha falecido. Foi um baque, mas foi um baque pra Lana, assim… Ela ficou péssima e aí ela quis correr lá pro hospital pra onde a Márcia tinha ido, mas quando ela chegou lá, realmente foi só pra confirmar que o Pacheco tinha falecido. Todo mundo amava o Pacheco, assim, o velório dele tinha muita gente. Lana e Márcia mal se aguentavam ali de tão mal que elas estavam, né? Por conta do falecimento do Pacheco. — Foi muito traumático, muito doloroso para a família inteira, pras crianças, enfim… — 

Aconteceu o velório, aconteceu o sepultamento, Pacheco se foi… Márcia entrou num luto ali muito complicado. A Lana tentava dar todo o suporte, mas chegou um ponto que, assim, a casa dos fundos que a Lana morava com os pais, né? — A gente pode falar aqui “Seu João e Dona Maria”. — Tinha uma casa nos fundos que estava vazia e Márcia ficou tão mal que ela veio morar ali com as crianças, porque ela não tinha condição de cuidar das crianças… Ela ficou realmente em depressão por conta do Pacheco. Márcia tomou medicamento, fez acompanhamento e, aos poucos, foi saindo daquela depressão grave que ela estava. Só que nisso já tinha se passado ali quase quatro anos… Depois do Carnaval, Dona Virgínia tinha falado para a Lana: “Lana, já tem duas noites que eu estou sonhando com o Pacheco, que eu vejo o Pacheco aí no quintal da casa de vocês e ele está tentando falar com você. Você não quer ir na igreja e mandar rezar umas missas pra ele? Porque não adianta eu ir, né? Tem que ser alguém da família. Você não quer ir lá?”.

E a Lana falou: “Ah, vou, né? Vou mandar rezar umas missas pra ele”, só que nunca dava tempo da Lana ir. E a Lana ficou com aquilo na cabeça porque, quando a Dona Virgínia falou, ela estava com um semblante preocupado, sabe? Nunca dava tempo da Lana ir marcar essas missas, então a Lana começou a rezar em casa. Chegava ali no quarto dela, deitava na cama e ela começava a rezar Pai—Nosso, Ave—Maria, normal assim, e conversar com o Pacheco. — Eu… Por mim é não, né? — Ela ficou ali concentrada… Um, dois, três, quatro… No quinto dia, Lana estava deitada, fez a oração e ela sonhou com o Pacheco. Ela não conseguia ver nada, ela não conseguia saber onde ele estava, estava tudo muito escuro. O pé dela estava molhado, um lodo, uma lama, e ela acordou. No dia seguinte, dez e meia da noite, antes mesmo da Lana começar a rezar, porque ela deitava e já fazia a oração ali pro Pacheco e, às vezes, no meio da oração, ela pegava no sono, né? A Lana falou: “Andréia, eu lembro… Meu banheiro não era suíte, então eu saí lá do banheiro do corredor, escovei meu dente, entrei no meu quarto e, quando eu entrei no meu quarto, o Pacheco estava no meu quarto”.

O Pacheco ele estava todo sujo, parecia que ele tinha rolado no barro… Tinha um olhar muito doce o Pacheco, ele olhava e falava: “Lana, Lana, eu preciso da sua ajuda”. Lana, muito assustada, porque assim, ela tinha acabado de escovar os dentes, ela estava acordada, não tinha deitado, sabe? Não era que ela estava sonhando. Lana ficou tão assustada que ela não conseguia se concentrar, ela percebia que o Pacheco estava falando alguma coisa, mas ela não conseguia se concentrar, e ele estava muito sujo. Uma das coisas que ela ouviu o Pacheco falar foi: “Dorme” e a Lana dormiu… Conforme a Lana dormiu, ela não sabe que fase do sono que isso aconteceu, ela já não estava mais no quarto dela. Ela estava num lugar, num rio de água barrenta, ela estava de um lado do rio e o Pacheco estava do outro lado do rio… Ele falava e ela não conseguia entender o que ele falava. 

E aí ele apontava pra um lugar, que ela tinha que atravessar aquela ponte, porque ele não poderia atravessar. Só que do lado da Lana não tinha barro e do lado dele tinha muito barro. Quando ela chegou no final da ponte, que ela ia pisar no barro, ela escutou dentro da cabeça dela: “não pise”. E aí o Pacheco veio e falou: “Lana, eu preciso da sua ajuda, eu preciso que a Márcia me deixe ir. Ela tem que me deixar ir, eu tô no limbo, Lana, eu não consigo ir pra onde eu tenho que ir porque a Márcia tá me prendendo aqui” e ele tava todo sujo, e aí a Lana começou a chorar porque ela queria limpar o Pacheco, né? “Não se preocupe, eu só preciso que a Márcia me deixe ir”. E aí, nisso, ela tentou passar da ponte e ele falou: “Não, você não pode tocar em mim”, ela foi afastando e voltou pro quarto. Ela falou que ela se viu afastando, assim, e voltou no quarto. E ela acordou, dormiu de novo e, de manhã, ela foi conversar com a Márcia porque, assim, coincidiu, primeiro, de ser ali na quaresma onde os espíritos eles têm uma possibilidade maior de que alguém ouça o pedido de ajuda deles e, coincidiu com a melhora da Márcia, talvez antes, quando ela estava pior, ele não conseguisse vir porque ela estava ainda mais prendendo ele mais ainda. 

Nessa casa dos fundos, tinha ali os dois quartos e uma cozinha que fizeram uma cozinha sala, assim, um conceito aberto, mas muito pequenininho. E a Márcia não deixava ninguém entrar no quarto. A Lana foi lá, a Márcia já fechou a porta do quarto, já veio ali praquela cozinha e a Lana falou: “Márcia, como que você tá? Você tá pensando muito no Pacheco?” e a Márcia começou a chorar e alguma coisa falou pra Lana: “O quarto…”. Quando ela entrou no quarto, tinha um monte de roupa do Pacheco, roupas penduradas, fotos coladas pelas paredes, velas acesas. Eu fico pensando só assim: “E se me vira uma vela e pega nessa roupa? Bota fogo na casa, gente”. Ela tinha feito um altar pro Pacheco, assim… E ela falou que ela chorava toda noite, que ela não se conformava e tal. A casa que eles moravam, que era um apartamento, estava abandonado porque ela não conseguia entrar lá. — Ela tinha feito um tratamento e tal, mas ela ainda estava mal. — E a Lana contou pra ela, ela falou: “Andréia, não tinha jeito, nada ia fazer minha irmã parar de cultuar o Pacheco do jeito que ela estava fazendo, né?”.

E aí ela contou e falou que o Pacheco tava todo sujo, assim, né? Cheio de lama e pedindo, por favor, pra ela deixar ele ir. Márcia chorou muito e a Lana falou: “A gente tem que tirar essas coisas daqui, essas fotos penduradas, essas velas… Vamos arrumar as coisas dele, vamos doar”, ela insistiu muito e conseguiu… Tiraram as coisas de lá, ela pegou a chave com a Márcia e foi lá no apartamento. O apartamento tava um caos… — Tinha até comida que ela tinha deixado em cima que apodreceu, assim, né? — Limpou tudo, a Lana pegou todas as coisas que eram do Pacheco: roupa, sapato, essas coisas, e doou. — Porque o que era de lembrança que a Márcia queria, ela já tinha levado, né? — Botou no carro, já levou, já deixou numa igreja e foi fazendo as coisas, assim… Às vezes, a Márcia surtava, tipo, não queria que aquilo fosse feito e tal, mas, aos poucos, ela foi aceitando e isso durou a quaresma. Veio a Páscoa, passou mais um tempo, e aí ela sonhou com o Pacheco. Ele ainda não estava 100% limpo, mas ele já estava muito mais limpo e ele estava sorrindo e agradeceu.

Ele falou que estava conseguindo agora ir pra onde ele precisava ir, né? Ele estava caminhando pra chegar lá, mas ele estava conseguindo ir. Ficou muito em cima da Márcia… Mais um tempo se passou e a Márcia conheceu uma pessoa, namorou essa pessoa, casou… — Esse cara, vamos chamar ele de, sei lá, “Mauro”. — Um dia, numa festa de família, tinha umas tias e tal, uma tia da Lana falou que viu o Pacheco lá, todo arrumado, todo bonito, olhando pra Márcia assim, com o cara, com uma cara muito boa, assim, de feliz, tipo: “Ela seguiu a vida, sabe?”, todo mundo se emocionou, enfim, né? Então, o Pacheco com certeza encontrou aí o lugar dele, né? Então, eu fico pensando nisso, né? Será que a gente, aqui, quando alguém morre, que a gente gosta muito, a gente fica muito em cima, acaba atrapalhando? — Se é que existe algo, né? — Então, essa é a história da Lana, que fez de tudo pra que o Pacheco saísse do limbo que ele tava. O que vocês acham? 

[trilha]

Assinante 1: Oi, nãoinviabilizers, aqui é a Brisa, eu falo de Cuiabá. Fiquei pensando o quão importante foi a Alana, que mesmo sem ter sido criada numa religião, esteve aberta pra ouvir o que a vizinha falou sobre o seu cunhado, sobre o Pacheco… E ouviu seus sonhos, pensou no Pacheco, rezou por ele, porque muita gente podia ter ignorado e eu fico pensando que o Pacheco ainda podia estar naquele limbo. Eu mesma, por exemplo, poderia ficar nesse estado de negação, pensando se aquilo era real ou não. E que bom que no final a Márcia também foi se curando aos poucos, enfrentando aquele luto, e o espírito do Pacheco encontrou aquela calma necessária pra seguir o seu caminho. Eu desejo tudo de bom aí pra família. Um beijo.

Assinante 2: Oi, gente, eu sou a Paloma, eu moro aqui na província de Ponte Vedra, na Espanha. Eu e minha mãe ficamos chocadas, principalmente porque minha avó, ela é uma pessoa que já tentou contra a própria vida algumas vezes, e ela parou de fazer isso no momento que ela encontrou um amigo num sonho… E esse amigo mostrou pra ela pra onde iam, já que ele também tinha tentado contra a própria vida. Fiquei chocada porque a minha avó, ela me contava a história e era exatamente do mesmo jeito. O amigo dela mostrava o lugar, depois ele falou pra ela que ela não poderia ir a partir de um ponto, e esse ponto era uma ponte… Isso me deixou arrepiada. Enfim, adorei, um beijo, gente.

[trilha]

Déia Freitas: Comentem lá no nosso grupo do Telegram, sejam gentis aí com a Lana. A irmã dela sofreu muito… — Deus me livre. — Um beijo e eu volto em breve.

[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Luz Acesa é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]