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título: lourdes
data de publicação: 21/09/2022
quadro: amor nas redes
hashtag: #lourdes
personagens: jaqueline e dona lourdes

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Amor nas Redes, sua história é contada aqui. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei para um Amor nas Redes. — E hoje eu não tô sozinha, meu publi… — [efeito sonoro de crianças contentes] Quem está aqui comigo hoje é a Ipanema e o lançamento da sua coleção Sempre Nova, que traz a Iza — maravilhosa — entregando tudo na campanha Unidas O Bonde Brilha. Durante três episódios eu vou trazer para vocês histórias de força feminina, que inspiram aí identificação, liberdade e, o mais importante, união. A celebração da potência dos encontros entre mulheres. Se é para brilhar, que seja em conjunto. A gente vai exaltar aí a potência dessas conexões verdadeiras, afinal de contas, ter uma aliada para fortalecer aí o seu passo a passo do dia a dia faz toda a trajetória valer a pena. E é essa força somada que faz o bonde brilhar. E no bonde de hoje eu trago a Jaqueline e sua maravilhosa mãe, dona Lourdes. Então vamos lá, vamos de história. 

[trilha] 

Dona Lourdes, mãe de Jaqueline, quando era criança estudou num colégio de freiras. — Minha mãe também estudou no colégio de freiras e, na época, era a única maneira dela que quer estudar mais e era pobre, era a única maneira de estudar. Então ela pensou realmente ser freira. Aqui dona Lourdes também pensou em ser freira. — E ela foi estudar num colégio de freiras porque era o único jeito que o pai dela deixava que as filhas — meninas — fossem estudar. E aí, depois que ela já estava lá, ela percebeu que ela não tinha vocação e resolveu voltar pra casa e terminar o magistério. Dona Lourdes terminou o magistério e foi morar na casa de uma irmã pra ajudar ali, dar uma força, cuidar dos sobrinhos. E aí, enquanto dona Lourdes cuidava ali — dos bebês da irmã, dava essa força para a irmã — ela conheceu o pai de Jaqueline. 

E aí eles se apaixonaram, casaram e tiveram duas criancinhas lindas. — A irmã da Jaqueline e depois a Jaqueline. — E dona Lourdes a se tornou ali uma dona de casa. Só que ela sempre muito comunicativa, muito falante… Ficou pensando: [efeito de voz fina] “Poxa, vou ficar aqui em casa sem fazer nada?” E aí uma amiga de dona Lourdes a incentivou a vender lingerie por catálogo. — Amo. — Dona Lourdes viu que as vendas estavam ali dando certo e ela começou a chamar as tias da Jaqueline e as vizinhas todo mundo pra vender. — Ali lingerie de catálogo com ela. — E aí depois incentivou essas mulheres a se cadastrarem também. — Até então, elas estavam vendendo para dona Lourdes, tipo, vendedoras de dona Lourdes. [risos] — E aí dona Lourdes incentivou que todas fizessem o cadastro e começassem a vender também aquelas lingeries. 

E aí dona Lourdes ganhou prêmios, ganhou microondas… De tanto que ela vendia bem. E aí ela passou a vender, além de lingerie, cosméticos também. — Por catálogo. E a gente sabe, eu sempre falo nas minhas histórias como é bom você ter o seu próprio dinheiro, ter sua independência. E uma maneira de você ficar em casa e ter o seu dinheirinho é assim, né? Essas vendas de catálogo ajudam bastante e todo mundo compra. Eu amo. — E aí dona Lourdes virou coordenadora de vendas ali da região dela. E, na escola, a Jaqueline tinha uma amiguinha… A Bruna era mais amiga da irmã da Jaqueline, mas estava ali com as crianças. Essa Bruna a mãe dela era professora, e aí essa professora falou pra dona Lourdes: “Poxa, por que você não dá aula? Faz o concurso aí pra rede municipal, boba… Vai dar aula”. — E era uma época que não precisava ainda de graduação para você dar aula, era só o magistério e você já conseguia dar aula. — 

Dona Lourdes foi lá, fez o concurso, passou, começou a dar aula e logo depois já veio aquela questão de precisar ter aí uma graduação pra poder dar aula. Então aí dona Lourdes tinha que fazer uma faculdade. E ela ficou apavorada… Como é que ela ia passar no vestibular, estudar… Tinha as crianças pra cuidar. E aí essa professora que tinha incentivado a a dona Lourdes a fazer o primeiro concurso pra ser professora e agora a fazer faculdade, falou: “Não, deixa as meninas aqui comigo e vai lá fazer sua prova”. E aí doa Lourdes foi lá, fez a prova, deu certo e começou a cursar pedagogia. Nessa época, Jaqueline já estava com dez anos e viu ali sua mãe se transformar, virar uma pedagoga… Foi uma época maravilhosa, assim, a formatura de dona Lourdes foi linda. O pai de Jaqueline também, sempre ali dando uma força e tal. 

Só que, nessa época, dona Lourdes se descobriu bipolar. Foi uma época complicada, onde toda Lourdes precisou ser internada, ficar um tempo aí numa clínica. E aí é que vem mais uma mulher na vida de dona Lourdes, uma vizinha que falou: “Bom, dona Lourdes tá lá, tá internada…” e ficou ali de olho nas meninas, dando uma força ali pro pai de Jaqueline. E aí medicada, com a bipolaridade controlada, dona Lourdes voltou pra casa, seguiu a vida… Uma das irmãs de dona Lourdes acabou levando dona Lourdes pra religião, o que foi bom pra ela na época, ela fez novas amizades, fez muito trabalho voluntário e foi levando ali a sua vida. E a Jaqueline lembra que é uma época que ela fazia muito, assim, encontro com as amigas dela em casa e dona Lourdes sempre estava presente, sempre ali apoiando as meninas e conversando, dando conselhos… — Ela sempre foi esse tipo de mãe, sabe? Que deixou as filhas ali abrirem a casa, sabe? Pras amigas. — 

Quando dona Lourdes percebeu que Jaqueline era muito parecida com ela, ela se preocupou com essa questão também da saúde mental, já levou Jaqueline num psiquiatra… Jaqueline também se descobriu ali bipolar e as duas se fortaleceram nisso, assim, conversando muito, trocando muita experiência, informação e também muito afeto. E a Jaqueline lembra, assim, com muito carinho dela, com a mãe, as duas deitadas, conversando, sempre juntas ali, fazendo as coisinhas… — Ah, saudade… — A Jaqueline cresceu vendo a mãe ser ali suporte e rede pra um monte de mulheres. — Não só mulheres, mas principalmente mulheres ali que estavam em torno dela. — Dona Lourdes estava ali sempre presente pra ouvir e ajudar essas mulheres, né? As mulheres que apareciam ali pelo caminho de Dona Lourdes e, muitas vezes, ela se meteu em confusão aí, inclusive com homens da família, por defender as irmãs, as cunhadas e lutar aí por essas mulheres, incentivar essas mulheres a serem independentes. 

Em 2013 dona Lourdes foi diagnosticada com mieloma múltiplo e ela tratou esse câncer. E, na época, ela foi acolhida aí por várias mulheres, teve suporte de várias mulheres, muitas visitas, roda de oração… E aí ela tratou esse câncer, teve alta e, quando foi em 2016, um câncer de pâncreas apareceu. Mais agressivo… Nessa época, uma irmã dela — que também é madrinha da Jaqueline — se mudou pra casa de dona Lourdes pra dar esse suporte, né? Pra ajudar a cuidar. Se entregou totalmente a isso, a cuidar de Dona Lourdes… E foram oito meses entre melhoras e quedas na saúde de Dona Lourdes até que, no final de janeiro, a metástase espalhou e dona Lourdes partiu… Em 7 de fevereiro de 2017 Dona Lourdes faleceu. 

E aí a família preparou pra Dona Lourdes um velório com um mural de fotos dela, com muitas amigas, né? Contando ali a história de vida de Dona Lourdes. Muitas mulheres no velório e a Jaqueline, como é muito parecida com a dona Lourdes, todo mundo já chegava falando: “Ah, você que é a filha dela..”. — Não tinha como não reconhecer, né? — E muita gente agradecendo e contando histórias de como a dona Lourdes acolheu e ajudou essas mulheres em momentos difíceis, como ela incentivou e fortaleceu essas mulheres. Dona Lourdes passou por esse mundo unindo pessoas, fortalecendo pessoas, criando redes de apoio e de afeto… E essa história é uma homenagem que a Jaqueline queria fazer pra mãe, pra dona Lourdes. E eu quero aqui deixar um beijo pra Jaqueline e pra sua mãe dona Lourdes, que foi uma mulher que cuidava de outras mulheres. — Ai, ai, já me deu uma saudadinha aqui… Deixa eu subir esse astral. Dona Lourdes aí, um beijo, onde a senhora estiver. — 

[trilha] 

Jaqueline: Oi, gente, meu nome é Jaqueline. Eu e minha irmã a gente cresceu vendo nossa mãe ser rede e suporte para as mulheres do nosso bairro, da nossa cidade, do trabalho dela e da nossa família. Na década de 90, quando ela casou com meu pai e nós ainda éramos pequenas, uma colega dela convidou ela para ser revendedora de lingerie, ela começou a vender e nisso ela mobilizou algumas mulheres do bairro e da família. Primeiro, elas eram vendedoras dela, então ela passava uma porcentagem da comissão dela, mas ela sempre incentivava que essas mulheres passassem a revender elas mesmas. Depois, ela passou a revender também cosméticos e, uma dessas mulheres depois se tornou a representante da região, da marca. Minha mãe foi incentivada por uma grande amiga dela a se inscrever no concurso de professora no município, ela ainda não tinha faculdade na época. 

Depois essa grande amiga dela incentivou ela a ir fazer a graduação… Ela estava pensando em fazer uma universidade particular, porque o vestibular da universidade pública eram três dias de prova, eu e minha irmã éramos pequenas… Essa amiga olhou pra ela e falou: “Não, não… As meninas ficam com a gente aqui em casa, você vai fazer essa prova que você vai passar. Você tem condição de passar e você pode ficar tranquila nesses dias. Você não precisa se preocupar com elas que elas vão estar aqui, bem cuidadas”. E foi isso, ela fez a prova, ela passou… Ela cursou Pedagogia e, nesses anos assim, eu já tinha uns dez anos nessa época, eu via ela e as amigas dela que ela fez na graduação batalharem por esse sonho, se apoiarem, serem suporte uma para a outra e aprenderem juntas. A formatura dela foi, assim, linda… A família ficou toda muito orgulhosa. 

Ela sempre foi muito caridosa com os alunos dela… Teve uma aluna dela que ela deu reforço pra essa aluna porque ela tinha dificuldade… Ela emprestava os livros que a gente tinha em casa pra esses alunos… E ela sempre foi essa pessoa suporte pra todo mundo, ela sempre teve ali ensinando a gente que o mais importante é isso, é você apoiar o outro e se deixar apoiar. Quando a gente era adolescente, eu e minha irmã, e depois, assim, jovens adultas, ela começou a ter hábitos de fazer cafés lá em casa pra convidar as amigas delas. Era um momento de troca e união entre essas mulheres… Elas faziam danças, assim, uma ideia de uma dança circular… Ela nem conhecia o sagrado feminino e todas essas coisas, mas já era um momento, uma expressão dela nesse sentido, de fortalecimento de mulheres através da refeição, através do cuidado, da música, da união… Isso me marcou muito profundamente. 

A gente cresceu vendo isso, se tornou mulher, partilhando dessas experiências de mulheres cuidando de mulheres. E, infelizmente, em 2013, a gente descobriu que ela estava com um câncer no sangue chamado mieloma múltiplo. Foi descoberto cedo, foi feito quimioterapia, um auto transplante e teve uma história muito engraçada… [riso] Ela estava se recuperando do transplante, tinha voltado para casa já e uma das amigas dela falou: “Não, eu vou aí com a pastora da minha igreja pra gente fazer uma oração pra você”. E a minha mãe sempre, independente de qual fosse a religião, ela aceitava qualquer oração, qualquer contato com Deus. Ela falou: “Não, venha, por favor”. E aí chegou lá ela com dez pessoas e eles entraram na sala… Só que ela não podia ficar com mais três pessoas na mesma sala, no mesmo ambiente… 

Ela tinha que ficar de máscara e não podiam ser mais que três pessoas. E, de repente, a minha mãe se deu conta, minha irmã chegou lá e: “Gente… Gente, desculpa, não dá… Não dá pra ficar dez pessoas aqui dentro, por favor, vai ter que sair sete daqui… Vão ficar três aqui dentro, vocês ficam aqui na janela acompanhando, porque depois entra um de cada vez… Porque não tem como, ela tá muito frágil ainda. Não pode…”. Mas ela tava lá recebendo todo esse amor das amigas dela. Esse câncer foi uma batalha, ela conseguiu vencer ele, mas infelizmente em 2016 descobrimos outro câncer no pâncreas, num estágio muito avançado, entre idas e vindas, a irmã dela veio morar com a gente. Ficamos nos revezando… Infelizmente, em seis meses ela faleceu e o velório dela, por mais paradoxal que seja, foi uma das coisas mais bonitas que eu já vivi na minha vida. 

Porque eu sou muito parecida com ela… A gente é fisicamente muito igual. Eram tantas mulheres que me reconheciam como filha, que chegavam em mim, contavam alguma coisinha, algum momento, compartilhavam comigo como ela as ouviu, como ela as acolheu, como ela foi suporte, como ela foi amor para elas. Isso fortaleceu a gente de uma maneira que hoje a gente sabe que, embora ela não esteja mais nesse plano presente com a gente, ela está nos acompanhando e ela está presente em todas as ações maravilhosas que ela fez, em todas as crianças que ela educou, ensinou a ler… Em todas as pessoas que ela tocou o coração simplesmente está ali pra ouvir, pra apoiar, pra dar suporte… Foi acolhedor esse momento, foi, assim, revelador. Eu sabia da potência da minha mãe, mas eu não sabia o quão potente ela era, o quão maravilhosa ela tinha sido com todas aquelas pessoas. 

Porque ela não fazia questão de expor o que ela fazia, ela simplesmente fazia. Ela não queria nada em troca. Ela só dava esse amor para as pessoas. E, se eu puder ser 1% do que ela foi, pra mim, já está mais do que maravilhoso. Espero que a história dela inspire vocês também a sermos sempre mulheres por mulheres. Um beijo. 

[trilha] 

Déia Freitas: Jaqueline, obrigada aí por compartilhar sua história. E, Ipanema, obrigada por me convidar pra contar essas histórias da campanha Unidas o Bonde Brilha e eu vou deixar aqui na descrição do episódio o link lá para Ipanema. Ipanema, livre dos pés à cabeça. — Aliás, a campanha da Ipanema tem uma música muito boa da Iza, que é mais ou menos assim, ó: [cantarolando] Sempre de mão dada… Ih. [efeito sonoro de Windows travando] [risos] Vou de novo… Ai, socorro, eu tenho que cantar… [cantarolando] Sempre de mãos dadas e a cada passo confiante na chegada, sinta a nossa força, somos todas aliadas, então avisa que são elas, né? [risos] Desculpa aí, Iza, por cantar muito mal. [risos] Eu amei ver o clipe. — Um beijo, gente, e eu volto em breve.

[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Amor nas Redes é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.