título: luto
data de publicação: 10/11/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #luto
personagens: isabela, evandro e raquel
TRANSCRIÇÃO
[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta]Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. Cheguei pra mais um Picolé de Limão, e hoje eu vou contar para vocês a história da Isabela. Bom, é uma história que acontece em plena pandemia, rolou aí furada de quarentena. — Ê, Isabela. — Mas valos lá, vamos de história.
[trilha]A Isabela conheceu esse cara no começo da pandemia. — Digamos que, sei lá, junho. — Logo depois do Dia dos Namorados, ela estava se sentindo meio sozinha, entrou num aplicativo de relacionamento e conheceu esse cara e eles começaram a conversar. E conversa vai, conversa vem, rolou uma afinidade. Só que esse cara estava muito reticente assim, porque ele tinha acabado de ficar viúvo e ele tem uma filhinha, e a filhinha dele estava com 1 ano e pouquinho. — Então complicado, né? — Aí a Isabela foi conversando com ele, ouvindo a história dele e nã nã nã, e meio que deu já uma apaixonadinha ali sem conhecer esse cara. — E aí marcaram, gente. — Em plena pandemia, auge, eles marcaram de se encontrar. Se encontraram, super se curtiram e resolveram aí engatar um relacionamento.
E ele sempre falava, né? Para a Isabela que ele tinha muita preocupação, porque a pessoa que estivesse com ele tinha que aceitar a filhinha dele, que tinha um ano. Então, vários dos encontros aconteciam com a bebezinha, ele levava a bebezinho, né? Porque não tinha com quem deixar. E a Isabela morando sozinha… Uma hora ela viu que ele mais passava tempo com a bebezinha na casa dela do que na casa dele. E a Isabela gostou disso, né? E, na cabeça dela, ela já começou a fantasiar aí… — Que, sei lá, eles fossem morar juntos, né? — Que ela ia criar essa belezinha e que tudo ia ser lindo, e o cara viúvo e tal, super fragilizado. — E um detalhe, gente… — Ele era recém viúvo. A esposa dele era médica e tinha falecido de Covid. —Então o cara estava assim em pleno luto, né? —.
E a Isabela tinha muito cuidado com isso, né? Com o que falar, como abordar o assunto, porque ele tinha acabado de perder a esposa e tinha a bebezinha, e tinha dia que ele chorava muito, né? — Com a situação toda agora de ser um pai solteiro, um pai viúvo, né? — De como a esposa dele era bacana e nã nã nã, enfim… E a coisa foi indo nesse esquema assim, ele ficava um tempo na casa dele com a bebê, um tempo na casa da Isabella… E, gente, o relacionamento durou até janeiro agora nesse ritmo. Até que um dia… — Quando eu falo “até que um dia”, é complicado, né? Mas é isso. — Até que um dia a Isabela estava na casa dela e o interfone tocou, era o porteiro dizendo que tinha uma moça chamada Raquel lá embaixo querendo falar com ela.
E não era entrega, a moça não dizia o que era e ele perguntou se a Isabela ia descer, se não ia, se ele dispensava a moça… E a Isabela ficou furiosa, né? Porque se não é uma entrega, o que é? — “Falar justo comigo? Deve ser alguém que errou de Isabela, eu vou descer, a pessoa vai ver que eu não sou a pessoa que está procurando e beleza. — Quando ela desceu, ela deu de cara com uma moça um pouco mais velha que ela e a moça estava muito assim, nervosa, mas no sentido de estar trêmula e tal. O porteiro estava do lado, a moça falou para ela “Oi, meu nome é Raquel, será que a gente pode conversar um pouco?” — E tinha um sofá, uma salinha ali, tipo uma recepção do prédio, o hall, né? —
E aí elas foram para esse sofá e a Isabela sem entender nada. — Gente… [suspiro] — Essa Raquel era a esposa do cara. — A esposa viva do cara. — A esposa médica do Evandro, que estava na linha de frente, combatendo o coronavírus, salvando pessoas enquanto esse maldito estava mentindo que ela estava morta. — Veja se pode. — E ela, para não contaminar esse infeliz e a bebezinha, ela passava mais tempo no hospital, tinha dia que dormia no carro, tinha dia que fazia rodízio de dormir na casa de outros amigos médicos que não tinha família… Tudo para não contaminar… — Essa criatura. — Que estava mentindo por aí que ela estava morta. Isabela não sabe como ela descobriu, Isabela contou tudo para ela, falou: “Olha, a gente estava namorando praticamente casado… As duas choraram, mas a médica estava bem mal assim e um pouco com raiva. — Óbvio, né? —
Mas a Isabela contou tudo, tudo para ela… E ela só queria confirmar se era verdade, ela falou para a Isabela que a Isabela não era a única, que o cara tinha feito isso com mais duas moças… — Onde esses caras arrumam tempo, gente? Como uma bebê ainda, porque a bebê realmente era dele. Dele com essa moça Raquel, médica. Como que arruma tempo para trair desse jeito? — E que ela já estava só com o bebezinho, né? Já tinha colocado ele para fora de casa, que ela tinha pedido uma licença do hospital… E aí também não falou mais que isso e foi embora. E aí quando a Isabela tentou xingar ele ali pelas redes sociais ou no WhatsApp, ele já tinha bloqueado ela em tudo. E antes, tipo, sei lá, uns 40 minutos antes da Raquel chegar, ele tinha conversado com ela. — Mandado um “oi” só, acho que talvez sondando, né? Para saber se a Raquel já tinha passado lá, né? —
E aí depois ele bloqueou ela em tudo, ela não conseguiu falar com ele mais, ela ficou bem mal também. Assim, sentindo muita falta da bebezinha também, né? Porque ela cuidava da bebezinha também. Então, esse cara… Eu acho que esse cara estava arrumando várias aí para cuidar. Além de ser um sacana, para cuidar da bebezinha, porque a Isabela falou que ela cuidava bastante da bebê, que às vezes ele saía e ela ficava com o bebê. Olha também que perigo esse cara… Porque, né? Tudo bem, a Isabela é uma boa pessoa, mas e se pega uma aí que não tá nem aí, que larga a criança lá com a fralda suja, né? Gente, como pode? O cara inventar que a mulher dele faleceu, chorar… Chorar de luto… “Não, porque eu estou de luto”. No perfil dele lá do site de relacionamento tinha “luto”. Luto? Que luto?
Gente, acho que essa é uma das histórias mais horrorosas para mim, porque sabe, a médica lá no combate ao coronavírus se ferrando, confiando nesse traste, confiando a bebezinho que é dos dois, mas poxa, confiando a bebezinho dela pra esse traste que está colocando na mão assim de pessoas que ele acabou de conhecer… Não é doido isso? O perigo… Olha, nem sei dizer, viu? Nem posso dizer o que eu gostaria. E é Isabela até hoje assim não superou bem essa história. Óbvio, né? Faz pouco tempo. Lamento muito, assim, vamos acolher aí a Isabela no nosso grupo.
[trilha]Assinante 1: Oi, meu nome é Isabel, sou de Ouro Preto, Minas Gerais. O que mais impressiona nesse canalha e outros palavrões que eu falar não pode, é que a esposa abrindo mão do conforto da casa dele pra cuidar deles, para não expô-los e ele expondo ele e a bebezinho a pegar o coronavírus e a todos os riscos ainda que a Déia comentou. Então, assim, Isabela, e se um dia a esposa dele ouvir essa história, provavelmente não vai ouvir, mas se estiver é um livramento, né? Livraram-se de um encosto. Então, bola para frente e seja feliz, que você tem tudo pra ser feliz. Um beijo.
Assinante 2: Oi, pessoal, oi, Déia, aqui é a Gisele de São Paulo. Meu Deus, hein? Essas tortas de climão só servem para mostrar pra gente que está cada vez mais difícil o mercado para a mulher hétero, viu? Isa, eu lamento muito que você tenha passado por isto, é vergonhoso… Eu estou meio com a Déia, acho que ele ficou aí criando essa questão para ter com quem deixar os filhos, né? Então ele sai com você, enquanto ele está com você ele deixa a filhinha com uma outra peguetezinha e tudo isso pelas costas da mulher dele, uma guerreira que estava se colocando em risco aí para ajudar a sociedade como um todo. Casada com um crápula, um monstro. Ainda bem que vocês se identificaram, ainda bem que ela foi atrás de você e quis saber a verdade, né? Não fechou os olhos para o que estava acontecendo. E agora vocês duas estão livres desse cara. É isso. Um beijão.
Déia Freitas: E é isso, gente, um beijo. Que ódio…
[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]