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título: mãedrasta
data de publicação: 14/11/2021
quadro: amor nas redes
hashtag: #maedrasta
personagens: joceli e dona safira

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Amor nas Redes, sua história é contada aqui. [vinheta]

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei. E hoje eu cheguei para um Amor nas Redes. Eu vou contar para vocês a história da Joceli e da Dona Safira. Bom, então vamos lá, vamos de história. 

[trilha] 

A mãe da Joceli faleceu no parto [efeito sonoros de mulher gritando], e aí a Joceli ficou só ela e o pai. A mãe da mãe da Joceli, a avó da Joceli, não aceitava a menina porque culpava a Joceli pela morte da filha, né? E o pai da Joceli foi aí tendo — Ao longo de alguns anos. — vários relacionamentos. Então, desde muito bebezinha a Joceli conviveu aí com várias namoradas e esposas do pai. — O pai estava sempre trocando de parceira e tal. — E, assim, umas tratavam a Joceli ok, outras deixavam a Joceli tipo sem comida e sem trocar fralda, essas coisas… Elas não tinham acho que responsabilidade com as Joceli, a responsabilidade seria do pai, mas o pai também não estava nem aí. 

Então até ali os seis aninhos a Joceli cresceu assim, meio largada. A avó não queria saber mesmo, então não tinha mais contato e o pai deixava ela aí na mão das mulheres que ele se relacionava. Então era tudo muito difícil para Joceli, né? — Para vocês terem uma ideia do grau de negligência, até ali os seis aninhos ela tinha vários dentes podres, porque nunca ninguém tinha ensinado a Joceli a escovar os dentinhos. Isso é muito triste. — Até que um dia o pai da Joceli conheceu uma moça chamada Safira, e a Joceli já estava assim, ela nem ligava mais para as namoradas do pai, porque a maioria ou não estava nem aí com ela ou maltratava, então ela meio que tentava se defender e ficar longe, né? — Sobreviver ali muito pequenininha sozinha. — Porque já tinha experiências ruins com as namoradas do pai. 

Aí o pai chegou um dia em casa com essa Safira, né? — A Joceli lembra muito bem que ela passou o dia sem nada para comer assim, e tinha uma vizinha que sempre dava coisa pra ela comer. Essa vizinha não estava em casa no dia e ela não lembra porque, e ela não tinha comido nada. — E aí o pai dela falou; “ó, essa aqui é a Safira, é a sua nova mãe, você tem que obedecer ela, tem que respeitar ela e nã nã nã” e virou as costas e foi, tipo, para o bar. — E deixou ali Joceli sozinha com a Safira, e a Joceli ficou meio que com medo, né? Porque ela tinha experiências muito ruins mesmo. — 

E aí Safira chegou perto dela, falou “oi” e tal, aí percebeu que ela tinha os dentinhos podres e tal, ela já foi até o fogão, e fez um ovo, fez arroz… E botou a Joceli para comer. E fazia tempo, né? Desde cedo que ela não tinha comido nada. E a Joceli lembra que ela comeu e ela tinha dor, né? Em um dos dentinhos, mas ela estava com tanta fome, comeu… Mas ali cabreira, né? Olhando para Safira assim… — Tipo, sei lá, “será que ela não vai me dar um tapa?” Alguma coisa do tipo, né? — E aí depois que ela comeu, a Safira pegou a mãozinha dele e falou: “bom, agora que você já comeu, eu vou te ensinar uma coisa”. 

E elas foram até o banheiro da casa, uma casa muito simples e ela pegou ali uma pasta de dente que estava, tipo, mega no final, colocou no dedo da Joceli e ensinou a Joceli a escovar os dentes com o dedo. Todo mundo ali era muito pobre, então a Joceli não lembra se elas não tinham escova — Porque a Safira também não tinha. — porque não tinha dinheiro ou porque, na época, escova era uma coisa… — Sei lá, mais rara e tal. — E aí ela aprendeu ali a escovar os dentes, toda vez que ela acordava e depois que ela comesse, ela tinha que botar a pasta no dedinho e passar nos dentes ali, fazer um bochecho e depois esperar um pouquinho com a pasta na boca e aí depois enxaguar. 

E a Safira era uma moça muito calada, mas muito esperta. Então, assim, de cara ela já percebeu que a menina estava muito maltratada, que a Joceli estava muito maltratada. E elas não tinham grana nenhuma. — De nada. — Só que a Safira sabia que tinha ali na cidade delas alguns políticos que em época de eleição ajudava. Então davam uma cesta básica, ou arrumava uma vaga na creche… — Essas coisas assim. — Então lá foi a Safira atrás de um vereador que ela sabia que dava coisa e depois cobrava voto. — Mas dava a coisa. — E foi pedir um tratamento odontológico para a Joceli, né? Para ver se, pelo menos, conseguia arrancar aqueles dentinhos. 

E aí ela conseguiu isso lá com o vereador, né? Arrumaram um dentista. A Joceli fala que até foi um dia que ela ficou muito assustada, porque a Safira tipo arrumou ela. — Aí assim, a Safira começou a dar banho nela todo dia, a cuidar mesmo, né? E aí um dia a Safira pegou ela pela mão e falou: “agora a gente vai cuidar desses seus dentinhos” e ela achou que a Safira estava levando ela tipo embora assim, a ia dar ela embora. E aí ela fez um escândalo e tal, e aí depois que arrancou ela teve que arrancar vários dentes… Arrancaram, tipo, três dentes dela de uma vez só, e aí ela falou: “bom, agora eu ser largada aqui”, né? — E não. — 

A hora que ela viu que a Safira pegou de novo na mãozinha dela e voltou para casa, aí ela começou meio que a confiar, né? A acreditar um pouco na Safira. — Mas nem tanto. — O pai da Joceli estava sempre por ali, né? Só ele que trabalhava, então ele botava as coisas ali em casa e tal, né? Estava indo, voltando, e trabalhava e voltava… A Joceli via pouco o pai. E depois de um tempo… — Vamos botar aí. — Uns seis meses, então agora a Joceli já tomava banho todo dia, já não tinha mais os dentinhos leite que estavam podres, a Safira estava tentando uma vaga para ela numa escola… — Para ela começar a estudar. — E as coisas entre as duas caminhando muito bem. — 

Só que o pai, — Da Joceli. — talvez vendo que ele encontrou alguém que tivesse cuidando bem da filha dele, resolveu ir embora. Sim, o pai da Joceli meteu o pé e foi embora. — E não é que ele avisou, que ele foi, sei lá, “olha, vamos separar”, né? E nã nã nã… Não. — Ele pegou as coisas dele um dia aí que elas não estavam em casa, — A Joceli nem lembra onde ela tinha ido com a Safira. — e foi embora. Tipo, abandonou as duas. Só que tinha um detalhe: a Safira não era nada da Joceli, né? E aí a Joceli já se desesperou, né? Porque era uma época ainda que existia a Febem, e ela falou: “pronto, agora a Safira vai me jogar na Febem e vai embora, porque ela estava com meu pai e agora que não tem mais meu pai não tem porque ela ficar comigo”, né? 

A Safira ficou abalada, né? Com esse sumiço aí do pai da Joceli. E uns 10 dias depois, — Que o pai da Joceli tinha ido embora — a Safira falou pra Joceli arrumar as coisinhas dela… Então, assim, foi o dia mais triste que a Joceli passou. Então, ela arrumando as coisinhas ali, já imaginando onde ela ia ser deixada pra Safira seguir a vida, né? E aí quando ela viu, a Safira também tinha arrumado as coisas dela, e elas tinham que sair daquela casa. — Porque quem pagava o aluguel daquela casa era o pai da Joceli, né? — E elas foram para uma outra casinha, pior do que aquela. — Que elas moravam. — Só que a Safira levou a Joceli junto, então elas foram morar numa casinha pior, mas as duas. 

E um detalhe que a Joceli não sabia na época, né? Ela não tinha noção, ela tinha seis anos… É que a Safira tinha 20 anos. — Então, agora Safira com 20 anos tinha ali sob os cuidados dela uma criança de seis anos. — O pai da Joceli desaparecido, a única parente da Joceli que a Safira tinha conhecimento era a avó, né? Que seria a mãe da mãe Joceli, que não queria ver a Joceli de jeito nenhum. Só que a Safira estava com uma criança que ela não tinha nenhum papel, nada dizendo que ela podia ficar com aquela criança, né? E aí um dia ela foi falar lá com a avó Joceli para tentar resolver as coisas, e a avó da Joceli falou que não queria saber, que poderiam colocar a Joceli na Febem, que para ela não importava. 

Só que a Safira acabou fazendo um acordo. — A Safira, quando elas se mudaram de casa, começou a lavar roupa para fora. — E aí a Safira fez um acordo com a avó da Joceli, né? Porque ela foi atrás para saber se ela ia conseguir… — Ter a guarda, né? Da Joceli. — E ela descobriu que não, por ela ter 20 anos, não ter um emprego fixo e várias coisas. Só que era muito fácil a avó conseguir a guarda. E aí ela fez um acordo com essa avó, de que ela lavaria a roupa dessa avó — Ela já lavava mesmo roupa para fora. — se a vó fosse lá pedir a guarda. — Só que essa guarda ia ficar com a avó. — 

E assim foi feito. A avó de muito má vontade foi lá, pediu a guarda da Joceli e conseguiu. Foi bem fácil, né? — Porque o pai estava desaparecido, a mãe já tinha morrido, enfim… — E aí a única coisa que essa avó fazia era quando tinha que fazer matrícula, ou quando tinha alguma coisa mais séria, era a avó que assinava. — Só que tudo que fazia era a Safira. — E assim a Joceli foi crescendo, tendo a Safira ali como mãe. — Quando ela tinha sete anos foi a primeira vez que ela chamou a Safira de mãe. — Era uma outra época, então a Safira decidiu que até a Joceli completar 18 anos, ela não ia colocar nenhum homem dentro de casa, que ela tinha muito medo de que qualquer coisa fizesse ela perder ali a guarda, entre aspas, da Joceli e a avó não ia ficar nunca com ela, então ela ia acabar parando na Febem mesmo. 

E assim a Joceli cresceu. Num ambiente pobre, mas assim com muito amor, né? Só ela e a Safira, sempre ela e a Safira. E quando ela fez 18 anos, ela já estava trabalhando… — Então ela já tinha uma outra dinâmica, né? — Quando a Joceli tinha 19 a Safira conheceu o marido dela. — Que era o Orlando. — Então aí as coisas melhoraram, porque o Orlando também era super bacana, então ela também não precisava lavar tanta roupa para fora, enfim… As coisas foram melhorando, a Joceli também já estava trabalhando, já cuidava ali da Safira também um pouco. 

E elas com pouca diferença, né? — 14 anos de diferença. — Então, quando a Joceli fez 18 anos, a safira tinha 32, super, né? Quando a Joceli fez 25 anos, ela casou. E quem entrou com ela na igreja, de mão dada? Foi a Safira. — Eu já estou aqui querendo chorar, né? — Joceli casou, teve dois filhos, sempre chamando ali a Safira de “mãedrasta”, e as duas se dando muito bem… Até que mais um tempo passou, a Safira já estava ali com 43 anos, quando ela sentiu um caroço no seio. E aí para encurtar essa parte bem sofrida aí para a Joceli, foi descoberto um câncer. 

Safira começou a tratar, Joceli praticamente se mudou com as crianças e o marido ali para a casa da Safira, né? Para ajudar. E um tempo depois a Safira faleceu. E aí o mundo da Joceli acabou, né? Porque assim, a Safira foi mãe, né? A Safira foi a mãedrasta, a super mãe da Joceli. Foi uma super avó também pros filhos da Joceli. E a Joceli escreveu pra dizer da sorte que ela teve, né? De ter encontrado a Safira. [chorando] E de ter recebido tanto amor, mas tanto amor… — Amor de mãe, né, gente? — Então é isso, fica aí a saudade da Safira. — Essa mulher que a gente nem conhece e já ama. —

E eu vou parar por aqui porque vocês já sabem que eu estou chorando. E é isso, gente, um beijo Joceli e um beijo Safira, aí onde quer que você esteja. Então deixam suas mensagens de amor, essa é uma história de celebração e de saudade. E eu acho que a Joceli merece todo nosso carinho. 

[trilha] 

Assinante 1: Oi, gente… Aqui quem fala é Rebeca, eu falo de Santa Catarina. Quando eu vi que era Amor nas Redes e eu ouvi o nome “Safira” eu já vi que era de uma pedra preciosa, e a Joceli teve muita sorte no caminho dela de encontrar uma pessoa tão rara e tão especial para cuidar dela. E eu chorei do começo da história até o fim, porque, realmente, foi emocionante. Uma pessoa tão nova assim, que se dispõe a cuidar de uma outra vida, abrindo mão da sua própria vida, de certo modo, né? É muito difícil de encontrar isso. Então, eu imagino a dor da Joceli seja imensa, mas também ela viveu momentos muito, muito bons e ela vai ter esse legado com os filhos dela. E é isso. Muita sorte e muito amor, porque você teve. Tchau, gente. 

Assinante 2: Oi, gente, aqui é a Jéssica do Rio. [chorando] Ai, dona Safira… Você foi um anjo que apareceu na vida da Joceli. Eu acredito que, às vezes, a criança não nasce da gente, mas nasce pra gente. A Joceli nasceu para a senhora. Eu sei que a senhora está num lugar maravilhoso, cercado de tudo o que é melhor. Joceli, você foi uma pessoa muito abençoada. Um beijão. Que você tem uma vida maravilhosa… Você teve uma mãe maravilhosa que te amou, do jeito que você merecia e precisava. Desculpa a voz fanha, mas foi porque eu não consegui parar de chorar. Um beijão. Dona Safira, onde quer que a senhora esteja, eu tenho certeza que a senhora está um lugar maravilhoso. Um beijão enorme pra senhora. 

Déia Freitas: Um beijo e eu volto em breve. 

[vinheta] Quer sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Amor nas Redes é um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.