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título: magia
data de publicação: 05/04/2021
quadro: picolé de limão
hashtag: #magia
personagens: luana, luciana e vizinho

TRANSCRIÇÃO

[vinheta] Picolé de Limão, o refresco ácido do seu dia. [vinheta] 

Déia Freitas: Oi, gente… Cheguei aqui junto com o Coentro Nenê, pra mais um Picolé de Limão. [miado] Meu gato tá aqui, ó, tentando derrubar tudo, né, Nenê? Mas vamo que vamo. A história de hoje, é a história de duas irmãs, a Luana e a Luciana [risos] e eu confesso que é uma das histórias que eu mais gosto assim, do rumo que tá tomando. Infelizmente é uma história de racismo, mas que teve uma vingança, então é por isso que eu gostei, então vamos de história. 

[trilha]

A Luana e a Luciana são negras e elas se mudaram tem alguns meses durante a pandemia pra um prédio, e é um prédio majoritariamente de pessoas brancas e aí já viu, né? Até então elas não tinham tido problema nenhum com ninguém, — Do prédio — só que de uns tempos pra cá, vamos pensar assim, elas saem pra trabalhar ou pra ir à farmácia, elas estão cumprindo direitinho a quarentena e deixam os sapatos do lado de fora do apartamento, — Acho que todo mundo faz isso, né? — não é só a Luana e a Luciana que faz isso no prédio ali, né? Todo mundo faz. Então você chega ali no andar, são quatro apartamentos por andar e aí você vê que tem ali os sapatinhos todo mundo deixando pra fora. Beleza, os sapatinhos todos pra fora, todo mundo fazendo o que dá pra se proteger na quarentena, mas aí uma coisa começou a acontecer, dentro — Dentro, dentro, reparem: dentro — do sapato delas, um dia apareceu pena, no outro dia um pouco de terra, no outro dia algumas contas assim, como se fosse de um colar, parecia tudo coisa de, sei lá, alguma espécie de magia? Dentro do tênis delas, dentro. 

Aí a Luana resolveu falar com o síndico, e o síndico falou: “Olha, ninguém reportou nada parecido com isso, né? Eu vou até colocar na próxima circular”, e colocou na próxima circular e nada aconteceu. E começou assim, continuou aparecendo coisas estranhas dentro dos tênis delas que ficavam para o lado de fora do apartamento. Aí o quê que elas resolveram fazer? Colocar uma câmera, gente, onde tem a campainha, porque ali assim, cada um pode ter o tipo de campanha que quiser, então elas simularam lá um tipo de campainha e conseguiram colocar uma câmera e flagraram a pessoa que estava colocando coisa dentro dos tênis delas, era um senhor que não morava nem naquele andar, morava dois andares pra baixo… — Gente, dois andares pra baixo. — E aí como elas descobriram? Elas foram vendo as pessoas do prédio lá e, assim, era um senhor que já encarava as duas muito mal assim, ficava olhando feio e elas resolveram, gente, não contar nem pro síndico, nem pra ninguém, e as duas irmãs maravilhosas resolveram se vingar… [risos] — Desse racista maldito. —

E aí o quê que elas resolveram fazer? Elas pesquisaram, — Olha bem isso, gente — elas pesquisaram sangue falso no Google, “Como fazer sangue falso”, fizeram um sangue falso, e aí assim, só tem câmera lá embaixo, no hall do prédio e nos elevadores, nos corredores e nas escadas não tem câmera, então qual foi a ideia? Uma delas correr muito rápido lá, até descalça pra não fazer barulho, desenhar com sangue na porta do cara um tridente… [Déia rindo muito] — Ai meu Deus do céu… — Desenhar na porta do cara um tridente e voltar correndo, e foi isso que elas fizeram. — E assim, o sangue é OK, mas a parte do tridente da porta não foi bem isso, porque se eu contar exatamente como foi, capaz que elas sejam identificadas, mas foi por esse caminho. — Aí o cara surtou, o cara surtou, chamou síndico, chamou porteiro e ninguém tem prova de nada, só que o cara, lógico, ele sabe que foi ele que colocou as coisas dentro do tênis, as coisas aleatórias… E provavelmente, ele tem certeza que foram elas, mas ele não tem como provar. — Ele não tem como provar. —

E aí ele começou a falar que tinha sido amaldiçoado e com certeza tinha sido as africanas do prédio, elas são brasileiras. E aí o síndico deu uma bronca nele, falou pra ele que racismo era crime, se ele continuasse com aquele discurso o próprio síndico, que é um cara branco também ia fazer um boletim de ocorrência, que imagina, que deve ter sido alguma criança do prédio. — O síndico falando isso — E aí o cara parou de falar, só que aí, gente, não foi por causa, obviamente, do tridente de sangue falso na porta, esse cara tá doente e ele acha que tá doente por causa dessa magia que foi feita pra ele lá na porta do apartamento dele, e aí agora as meninas estão assim, com culpa, querendo falar que foi só uma brincadeira. Eu já falei que eu sou contra falar, não fala nada, deixa ele que se vire, ele não estava colocando coisa dentro do tênis de vocês? Ele não chamou vocês de africanas? “Foram as africanas”, ele não olhava feio? Não torcia o nariz pra vocês? Não pegava o elevador com vocês? Eu quero que ele se dane, gente, desculpa. 

Não tem que contar nada, mesmo porque se vocês contarem, eu acho que isso vai dar um B.O. feio para o lado de vocês, então não contem nada, de nada. Deixa como tá, é a minha opinião. O quê que vocês acham, gente? Detalhe que antes de rolar o negócio do sangue na porta, tudo, ele já tinha um papo de “Ah, porque precisa voltar pra África”, voltar pra África, sabe? E é esse tipo de racista. Então se ele ficou doente, sabe se lá porque, porque não foi por causa de um tridente de sangue falso, obviamente, ele que vá ao médico. — Que se foda, tô nem aí. — Luana e Luciana não façam na-da, não façam nada, não contem nada pra ninguém de nada. E aí pelo menos agora parou, ele parou de colocar coisa dentro do sapato delas, né? [risos] Olha, gente, eu não tenho realmente assim, nem, nenhum pouquinho de dó desse cara, nenhum pouquinho, porque racista tem mais é que se ferrar nessa vida, não tô nem aí. Então, meninas, se cuidem, e não contem nada. E bem feito pra ele, foi ótimo, adorei a ideia do sangue falso com tridente, foi genial, amei. E resolveu o problema porque ele parou de colocar coisas aleatórias fingindo ser alguma coisa de magia dentro dos tênis de vocês, né? Então resolveu, o problema de vocês está resolvido, excelente. Bola pra frente, um beijo. [risos] É o que eu penso.

[trilha]

Assinante 1: Oi, Naira do Rio falando. Meninas, chumbo trocado não dói, e a lei do retorno tá aí. Então meu conselho é que vocês mantenham o bico fechado e deixem o universo dar conta desse racista idiota. Um beijo. 

Assinante 2: Meu nome é Nicole, eu sou de São Paulo e… Essa história me deixou um pouco chocada porque eu não fazia ideia de que deusas, perfeitas, seres de luz habitavam apartamentos e, não, sei lá, nuvens num céu de divindades, entendeu? Meninas, eu achei assim, incrível a solução que vocês arrumaram pra esse problema, claro que não é uma solução, né? O buraco é muito mais embaixo, é uma questão super séria, mas eu achei ótimo o jeito que vocês encontraram pra se defender desse absurdo, né? Desse comportamento nojento, desse racista maldito e não se culpem por isso, não se culpem. Vocês se defenderam, vocês não estão erradas. Eu não contaria nada pra ninguém, tá? Porque eu acho que vocês não são nem um pouco responsáveis pelo declínio da saúde desse verme, eu acho que se ele tá adoecendo é porque ele mesmo tá se contaminando com o próprio pensamento podre, então assim, perfeitas, zero defeitos, contem comigo para tudo, mas não contem nada pra ninguém. Um beijo. 

[trilha] 

Déia Freitas: Deixem recados lá para as meninas no nosso grupo do Telegram e eu volto daqui a pouco com mais uma história. 

[vinheta] Quer a sua história contada aqui? Escreva para naoinviabilize@gmail.com. Picolé de Limão é mais um quadro do canal Não Inviabilize. [vinheta]
Dourado

Dourado é pai, abandonou a teologia e a administração para seguir a carreira em TI e sua paixão por fotografia. Gosta de cinema, séries, música e odeia whatsapp, sempre usou Telegram.